Cientistas
criticam “neutralidade” de emissões no acordo de Paris
RICARDO GARCIA (em
Paris) 11/12/2015 - 12:09 (actualizado às 18:28) / PÚBLICO
Proposta
de acordo não tem metas de redução calendarizadas.Cimeira do clima
prorrogada por mais um dia para resolver divergências centrais.
Foi uma das mais
movimentadas conferências de imprensa do dia. A sala estava lotada,
com todas as cadeiras ocupadas e muitos jornalistas sentados no chão.
O som falhou e as perguntas eram feitas aos berros.
Mas o que os
cientistas disseram foi claro e ouviu-se bem: o novo acordo climático
que está a ser negociado nesta cimeira da ONU em Paris é claramente
inconsistente. Promete limitar o aumento da temperatura global a um
valor bem abaixo dos 2oC, mas não tem nada que garanta que iremos lá
chegar.
O problema está
numa palavra: neutralidade. Está no terceiro artigo da proposta de
acordo apresentada pela presidência francesa na noite de
quinta-feira. Diz o texto que os países devem “atingir o pico das
emissões de gases com efeito de estufa o mais cedo possível” e
“fazer reduções rápidas para atingir a neutralidade das emissões
na segunda metade do século”. Numa versão anterior, havia
propostas para reduzir em até 95% as emissões de CO2 até 2050.
“A retórica da
neutralidade implica que teremos de retirar grandes quantidades de
CO2 da atmosfera”, afirma Kevin Anderson, sub-director do Centro
Tyndall de Investigação em Alterações Climáticas, do Reino
Unido. Na prática, as chaminés poderão continuar a debitar CO2,
desde que haja uma forma de o absorver depois – pelas florestas ou
sistemas de armazenamento. “Aspiração e retórica não irão
conduzir a reduções das emissões de CO2. Precisamos é de agir”,
completa Kevin Anderson.
Com os planos
nacionais climáticos até 2030 já apresentados pelos países à ONU
– os INDC, que constituem a base do acordo – a temperatura da
Terra estará numa trajectória rumo a uma subida de 2,7oC e 3,7oC.
Mais: todo o CO2 que ainda se pode adicionar à atmosfera sem
comprometer a meta de 1,5oC já terá então saído das chaminés das
indústria e dos escapes dos automóveis. “O orçamento de carbono
estará esgotado na próxima década”, alerta Joeri Rogelj, do
Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas, da Áustria.
“Precisamos de chegar ao pico das emissões globais até 2020”,
acrescenta.
Os cientistas
defendem a inclusão de metas calendarizadas para a redução das
emissões e para a sua trajectória até zero. E por redução, os
especialistas entendem cortes de facto na libertação do CO2, e não
a sua absorção ou armazenamento.
“É um jogo muito
perigoso estar a contar com emissões negativas”, disse Hans
Schellnhuber, director do Instituto Potsdam de Investigação sobre
Impactos Climáticos, na Alemanha. “Quando sairmos de Paris, todos
os países devem começar a trabalhar em planos para a
descarbonização total até 2050”, acrescenta.
Um dos receios dos
cientistas é o de que a “neutralidade” abra a porta a formas
eventualmente precárias ou falíveis de compensação de emissões,
sem resolver o problema de fundo.
O problema de
Vanuatu
Num pavilhão oposto
àquele onde falavam os cientistas fica a delegação de um dos
países que mais teme uma subida do termómetro acima de 1,5oC, o
Vanuatu. Para lá chegar, passa-se pela avenida Champs Élysées,
como foi baptizada a inóspita ala ao ar livre que divide os
pavilhões do centro de exposições de Le Bourget, onde decorre a
cimeira do clima.
Nesta sexta-feira,
dezenas de activistas estenderam uma longa faixa ao longo daquele
corredor, desde a entrada do centro até à grotesca réplica da
Torre Eiffel, ao fundo, com cerca de três metros de altura. Foi um
mini-protesto, uma versão prévia de uma manifestação que
activistas prometem para este sábado, nas ruas de Paris, desafiando
o estado de emergência declarado depois dos atentados de 13 de
Novembro.
Ali em frente,
dentro de outro pavilhão, Exsley Taloiburi explica o que significa a
diferença entre 1,5 e 2,0oC para o Vanuatu. “Não é só o
problema da subida do nível do mar. São também os eventos
extremos, a segurança alimentar”, afirma.
Em Março passado, o
ciclone Pam provocou enormes estragos no Vanuatu e noutros
estados-ilha daquela região Pacífico. “Se agora temos tufões
como este, imagine com dois graus a mais”, diz Taloiburi, que
representa o secretariado do Fórum das Ilhas do Pacífico, uma
organização não-governamental.
“A ciência
diz-nos que um aumento de dois graus não é mais seguro. Os países
ricos já o sabem. Temos de agir agora, e não apenas em 2020”,
diz, numa referência à data em que vigorará o acordo de Paris.
A questão da
ambição do acordo é uma das que ainda está pendente nas
negociações. As outras são a diferenciação entre países ricos e
pobres e o financiamento aos mais vulneráveis.
Uma reunião durante
a madrugada desta sexta-feira foi inconclusiva e acabou por ser
interrompida às 5h40. Durante todo o dia, foram realizadas reuniões
bilaterais entre países, para tentar desbloquear as divergências e
chegar a um novo texto do acordo, para ser aprovado este sábado –
um dia depois do encerramento previsto da cimeira.
Ao fim da tarde de
ontem, era dado como provável que o termo “neutralização”
seria retirado do texto, e substituído por outra formulação, mas
possivelmente sem metas quantificadas e calendarizadas de redução
de emissões de CO2 – ao contrário do que defendem os cientistas.
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