Parte
de cais do séc. XVIII desmontada após intervenção de Manuel
Salgado
INÊS BOAVENTURA
21/12/2015 - PÚBLICO
O
vereador do Urbanismo de Lisboa alegou, sem fundamentar essa posição,
que a manutenção do "muro" iria tornar "inviável"
o parque de estacionamento subterrâneo projectado para o Campo das
Cebolas. O director-geral da DGPC concordou, apesar da oposição dos
arqueólogos.
A Direcção-Geral
do Património Cultural (DGPC) autorizou o desmonte de parte do Cais
da Ribeira Velha, uma estrutura portuária “integrada no plano de
reconstrução pós-terramoto" de Lisboa, cuja presença no
subsolo do Campo das Cebolas foi confirmada por trabalhos
arqueológicos recentes. A decisão foi tomada depois de o vereador
do Urbanismo da Câmara de Lisboa ter feito um apelo nesse sentido,
alegando que a manutenção do achado, ao qual se refere como “um
muro”, inviabilizaria a construção do parque de estacionamento
previsto.
No Campo das
Cebolas, que foi visitado pelo presidente da câmara no passado dia 8
de Dezembro para assinalar o início dos trabalhos no local, vão ser
realizadas duas obras: uma de requalificação do espaço público e
outra de construção de um parque subterrâneo, com capacidade para
cerca de 200 viaturas. Está em causa um investimento global de 12
milhões de euros, que será suportado pela Empresa Municipal de
Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (Emel).
Ainda em 2014, foram
realizadas nesta área da frente ribeirinha sondagens de diagnóstico
arqueológico, durante as quais foi identificado um troço da
“estrutura do paredão do antigo Cais da Ribeira Velha”, cais do
século XVIII que os técnicos da ERA - Arqueologia notaram em
informações escritas estar “representado na planta oitocentista
de Filipe Folque”.
Também na memória
descritiva do projecto do espaço público e estacionamento
subterrâneo, datada de Março de 2015 e da autoria do arquitecto
Carrilho da Graça, se sublinha que aquelas sondagens “revelaram
elementos cuja presença se intuía, especialmente as paredes pétreas
do Cais da Ribeira Velha/Cais de Ver-o-Peso, permitindo a sua
inclusão informada no projecto, o que foi sempre entendido como uma
maior valia”.
Nesse documento
acrescenta-se que depois de se ter comprovado a existência de
“vestígios dos muros em pedra do antigo cais” se decidiu pela
“integração da materialidade e do traçado destes na conformação
e qualificação do espaço interior do estacionamento,
conferindo-lhe um carácter surpreendentemente museológico”.
Já depois disso
realizaram-se, por determinação da DGPC, novos trabalhos
arqueológicos no Campo das Cebolas, durante os quais foi possível
perceber que a extensão da estrutura portuária que estava
preservada no subsolo era maior do que se supunha. Esses trabalhos
foram concluídos no dia 12 do passado mês de Outubro e deram origem
a um relatório da ERA, que o PÚBLICO consultou.
É nesse relatório
da empresa contratada pela Emel que se fala pela primeira vez na
hipótese de “desmonte” de parte dos achados. “Na
impossibilidade de integrar esta estrutura portuária no projecto de
obra propõe-se o desmonte da mesma no âmbito dos trabalhos de
acompanhamento arqueológico, no estritamente necessário à execução
do projecto”, lê-se no documento, datado de 26 de Outubro.
Na semana seguinte,
é a vez de o vereador do Urbanismo defender o mesmo, em carta
dirigida ao director-geral da DGPC, João Carlos dos Santos. Nela,
Manuel Salgado diz, sem avançar qualquer dado concreto ou estudo que
sustente essa sua afirmação, que “foi encontrado um muro que, a
manter-se, inviabiliza a construção” do parque de estacionamento
subterrâneo.
Quanto ao destino a
dar à estrutura portuária, o autarca nota que “de acordo com o
projectista da obra, arquitecto Carrilho da Graça, as pedras do muro
podem ser reutilizadas para completar a muralha, cuja integração
está já prevista no projecto licenciado, ou no muro que será
construído para delimitar o parque de estacionamento face à Avenida
Infante D. Henrique”.
“Como o sentido da
decisão da DGPC é determinante para que a construção do parque
possa ou não concretizar-se, uma vez que caso o desmonte do muro não
seja autorizado o projecto licenciado pela câmara municipal se torna
inviável, solicitamos a máxima urgência na apreciação do
relatório de arqueologia”, remata Manuel Salgado. A resposta de
João Carlos Santos, favorável à pretensão da câmara, foi
proferida oito dias depois e contrariou a posição dos arqueólogos
da DGPC, que defendiam a preservação da quase totalidade do paredão
do cais (com excepção de cerca de 10% da sua extensão, vistos como
essenciais para a criação dos acessos ao parque).
“O cais foi
identificado em cerca de 46 metros e pela localização das sondagens
podemos extrapolar que o mesmo encontra-se preservado em cerca de 250
metros”, dizem os dois arqueólogos que acompanharam o caso. Numa
informação consultada pelo PÚBLICO, os técnicos notam que o
projecto do arquitecto Carrilho da Graça prevê a
“integração/valorização” de apenas 148 metros, implicando
assim “o desmonte de cerca de 40% da extensão do Cais da Ribeira
Velha/Cais de Santarém que se localiza nesta área”. Os técnicos
da DGPC mostram-se contra essa opção e dizem, face aos dados de que
dispõem, que invertê-la implicaria mexer em “cerca de 30” dos
200 lugares do parque.
Os arqueólogos
deixam ainda uma crítica à forma como todo este processo foi
conduzido: na sua informação, classificam como “incomum” o
facto de o caderno de encargos das obras em causa “ter sido
realizado previamente ao início” dos trabalhos arqueológicos,
“quando no mesmo deveriam ter sido vertidos os seus resultados”.
No seguimento desse
parecer, a directora do Departamento de Bens Culturais da DGPC diz
concordar com “a desmontagem parcial do paredão do Cais de
Santarém, na afectação estritamente necessária à execução do
projecto aprovado, concretamente na área prevista para o acesso ao
parque de estacionamento”. Quanto à solicitação de Manuel
Salgado, Maria Catarina Coelho coloca-a “à consideração
superior”.
A última palavra é
do director-geral do organismo, que responde favoravelmente à
pretensão da câmara, com base em três argumentos: o facto de ir
ser integrado no projecto “um troço significativo” do paredão,
a circunstância de a estrutura que se pretende desmontar não estar
“preservada na sua integridade” e a existência de uma proposta
do projectista para “reutilizar” as pedras provenientes do
desmonte.
O PÚBLICO perguntou
à câmara em que dados é que o vereador Manuel Salgado se baseou
para afirmar que não seria possível integrar a totalidade da
estrutura portuária na obra do parque de estacionamento. O município
não respondeu a essa pergunta, mas transmitiu que "o projecto
de espaço público do Campo das Cebolas e o parque de estacionamento
previsto para o local (...) foi objecto de reuniões de
acompanhamento entre a DGPC, a CML [Câmara Municipal de Lisboa] e os
projectistas".
"Um troço da
muralha que atravessa o topo nascente do parque em diagonal será
desmontado e remontado à superfície, integrado no desenho conjunto
de toda a área, soução esta discutida com a DGPC no local e
posteriormente objecto de aprovação", acrescenta a autarquia
em respostas escritas.
Notícia actualizada
às 14h20 de dia 21 de Dezembro: Acrescentadas respostas da Câmara
de Lisboa
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