Deve
a universidade promover hotéis?
NUNO DAVID e
MARGARIDA SANTOS 16/12/2015 - PÚBLICO
Impõe-se que as
operações para aprovação de aquisição ou alienação de
património sejam realizadas com total transparência.
Em notícia
publicada no PÚBLICO ficou-se a conhecer que a discussão na Câmara
Municipal de Lisboa (CML) do Pedido de Informação Prévia do ISCTE
– Instituto Universitário de Lisboa para construir três
edifícios, entre os quais um hotel de cinco estrelas e outro de
três, na Avenida das Forças Armadas, foi adiada uma semana,
adiantando-se que o projeto terá sido recebido com muitas reservas.
Já antes, Rui Pena Pires, em artigo de opinião, alertava que a
decisão do ISCTE-IUL teria sido tomada sem que existisse ou se
conhecesse o “plano de investimento em ativos imobilizados”
requerido na lei, e que a construção de hotéis e cozinhas de topo
não seria compatível com a missão estatutária do ISCTE, alertando
ainda que a CML – cujo presidente é simultaneamente membro do
Conselho de Curadores do ISCTE – não iria apreciar tão-somente
uma proposta imobiliária de um qualquer promotor, mas de uma
entidade pública que deve acautelar o interesse público.
A transparência de
governação de uma universidade pública no âmbito do direito
privado, como é o caso do ISCTE que opera em regime fundacional,
pressupõe um atento escrutínio do quadro da rede de entidades e
relações jurídicas que norteiam a colaboração entre os sectores
público e privado. Sabendo-se que a construção de dois hotéis na
Avenida das Forças Armadas envolve investimentos que uma
universidade não pode suportar, não se deduz outro cenário que não
seja a venda de parte do terreno em causa para fins de construção
dos referidos hotéis, no âmbito de um projeto urbanístico prévio
aprovado pela CML, aplicando-se o produto posterior da venda para a
construção de um novo edifício escolar. Desconhecemos a proposta
concreta que foi submetida à CML sobre o projeto urbanístico,
porque nunca nos foi apresentado, mas foi esta a deliberação
aprovada pelo Conselho Geral do ISCTE-IUL a que pertencemos e que
mereceu o nosso voto contra (ata CG 18/05/2015, disponível para
consulta pública).
Esta decisão do
ISCTE, que nos merece reservas por se nos afigurar não ser
inteiramente clara, deve ser objeto por parte da CML e da opinião
pública de uma avaliação do seu interesse público, por várias
razões: (i) é questionável que da missão da universidade pública
faça parte submeter projetos urbanísticos de hotéis de 3 e 5
estrelas a uma câmara municipal para posterior venda a privados,
mesmo que tal venda venha a ser realizada através de concurso
público, (ii) ao contrário das outras universidades ainda em
domínio de direito público, a operação de venda não carece de
visto do Tribunal de Contas, (iii) a decisão de transmissão onerosa
apenas pode ser tomada caso exista um plano de investimento em ativos
imobilizados necessários à atividade da universidade e aprovados
por órgãos próprios na instituição, tendo em vista a avaliação
do investimento do produto da venda nas novas instalações, o que se
desconhece existir.
Com a autonomia
patrimonial nas universidades fundacionais, estas passaram a dispor
de forma livre de todo o seu património no domínio da esfera do
Estado, onde se incluem os imóveis adquiridos ou construídos.
Considerando nestas condições que as operações para aprovação
de aquisição ou alienação de património deixaram de carecer de
intervenção da tutela, impõe-se que as mesmas sejam realizadas com
total transparência, sob pena de se desvirtuar a função da
universidade pública, sobretudo a de assegurar o interesse público.
Nuno David e
Margarida Santos
Membros eleitos do
Conselho Geral do ISCTE-IUL
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