quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

As minas e armadilhas de António Costa


As minas e armadilhas de António Costa
Miguel Santos
Helena Pereira
16 Dezembro 2015 / OBSERVADOR

Um homem e o seu labirinto. No caso de António Costa, um labirinto intricado e com vários palcos negociais. Socialistas alertam para dificuldades não só com PCP e BE, mas com a UE e os investidores.

Quando António Costa tentava convencer os camaradas de partido de que a melhor solução era um acordo de esquerda recebeu um conselho em forma de crítica. “Isto tudo vai ser muito difícil. Só resultará com um milagre, só rezando”, disse-lhe o ex-deputado Ricardo Gonçalves. O líder, com um sorriso condescendente, aproveitou a dica, e na sua última intervenção na reunião da comissão nacional, terminou, dizendo: “Olhem, e façam como disse o Ricardo, rezemos”.

A história, contada ao Observador pelo próprio Ricardo Gonçalves, ilustra as dificuldades que se anteviam nesse momento (ainda no início de novembro) e que agora já aí estão. António Barreto, sociólogo, chamou-lhe “o caminho das pedras e o labirinto das negociações”, num artigo de opinião no DN este fim de semana.

Os socialistas ouvidos pelo Observador reconhecem que Bruxelas será mesmo o palco mais duro para António Costa – o núcleo duro dos Estados-membros que defende a continuação da receita seguida até aqui não estará disposto a facilitar a vida a António Costa para lá do necessário. Ainda assim, todos concordam num ponto: a Europa está a mudar e o Governo socialista pode fazer parte dessa mudança. Por cá, no meio deste complexo labirinto, o primeiro-ministro socialista tem de bater à porta de Bloco e PCP – tarefa difícil, que vai exigir três coisas: trabalho, trabalho e trabalho, assumem. Mas há ainda outro plano determinante: a conquista diária da confiança dos investidores.

Quem parece já não contar muito é Cavaco Silva: o Presidente da República está em final de mandato e, por isso, não assusta – e os que vêm a seguir também não. Com patrões e sindicatos todos esperam que António Costa dê provas da fama de “hábil negociador” que o acompanha há muito.

Presidente da República – Convivência difícil com Cavaco. E depois?

A corrida presidencial já está lançada, mas é preciso não esquecer que no Palácio de Belém ainda mora um inquilino com muitas reservas em relação à solução encontrada pelo líder socialista. Cavaco Silva e António Costa deverão coabitar nos respetivos cargos durante três meses, sensivelmente até março. Pela frente, o primeiro-ministro terá alguns dossiers sensíveis para tratar sob o olhar atento de Belém – o Orçamento do Estado para 2016, desde logo, mas também três casos bicudos chamados “Banif”, “Novo Banco” e “TAP”.

Cavaco Silva, por sua vez, já avisou que estará vigilante. Na tomada de posse do novo Governo, o ainda Presidente da República garantiu que, nos meses de mandato que tem pela frente, não vai abdicar de “nenhum dos poderes” que tem. Incluindo a demissão do Governo. Um discurso violento, com uma resposta ao mesmo nível. O Governo, disse António Costa, tem “garantias” de durabilidade dos seus parceiros à esquerda e só responde perante a Assembleia da República. O primeiro dia de confronto entre Cavaco Silva e António Costa foi a ferver.

Em março, as portas do Palácio de Belém abrem-se para outro inquilino. E é aí que reside grande parte da expetativa dos socialistas ouvidos pelo Observador. Vitalino Canas, deputado e ex-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros no Governo de António Guterres, acredita que Cavaco Silva contribuiu para a “radicalização das fraturas da sociedade” e para o aumento da crispação entre os blocos partidários. Com um novo player em Belém, que respeite “a função de moderador” que o Presidente deve ter, a relação entre Assembleia e Governo, de um lado, e a Presidência do outro, tenderá a ser normalizada.

“Qualquer um que suceda a Cavaco Silva será melhor“, concorda Paulo Campos, ex-secretário de Estado socialista. Com “Cavaco Silva na reta finalíssima do seu mandato”, não haverá espaço, nem vontade para “ruturas institucionais“. As mesmas regras se aplica ao futuro Presidente da República, remata Pedro Delgado Alves, deputado socialista e um dos chamados jovens turcos de Costa.

De resto, olhando para o discurso dos vários candidatos presidenciais, a primavera pode trazer boas notícias para António Costa. Marcelo Rebelo de Sousa, favorito em todas as sondagens realizadas até ao momento, por exemplo, recusou-se sempre a entrar em rota de colisão com António Costa – para desespero de vários dirigentes sociais-democratas. Em entrevista à SIC, o professor catedrático de Direito não foi de modas e deixou claro que fará “o possível” para que a solução governativa oferecida por António Costa “dê certo” e seja “duradoura“.

Por isso, com Cavaco Silva fora de cena, o Palácio de Belém não deverá ser um desafio de maior para o Governo socialista. A menos que a aliança no Parlamento comece a dar sérios sinais de desgaste – e aí serve o aviso de Marcelo Rebelo de Sousa, o (até ao momento), provável vencedor das eleições presidenciais: a “solidez da base de apoio do Governo de António Costa” e a forma como novo Executivo consegue compatibilizar “mais justiça social com o equilíbrio financeiro mínimo para que não entremos em derrapagem“, serão analisadas “permanentemente“.

Parlamento – O centro de todas as decisões

Dois blocos, muitas sensibilidades. Trabalho, trabalho, trabalho. António Costa decidiu derrubar o resto do “muro” e chamar para o centro das decisões políticas Bloco de Esquerda e PCP. PSD e CDS, apanhados na curva, não o perdoam e procuram, ainda, tirar as medidas ao novo fato que lhes coube na rifa – o da oposição. O líder socialista já disse que não exclui ninguém do diálogo parlamentar e até poderá tentar negociar com todos os partidos. Mas não será fácil, como reconhecem os socialistas ouvidos pelo Observador.

Eurico Brilhante Dias, deputado socialista e um dos que mais reservas levantou em relação à aliança à esquerda, assume que o PS está agora obrigado a um “trabalho contínuo” para manter a máquina bem oleada, obedecendo a três objetivos: “devolver os rendimentos aos portugueses; “garantir o cumprimento dos metas orçamentais”; e a “saída do procedimento por défice excessivo”. “Um equilíbrio muito difícil, mas ainda assim possível“, acredita o socialista.

António Costa escolheu Carlos César, líder parlamentar socialista, e Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para conduzirem as reuniões de coordenação entre as esquerdas, onde todos os partidos que assinaram as posições conjuntas (PS, BE, PCP e Verdes) se vão sentar à mesma mesa para acertar posições – incluindo propostas de lei provenientes do Governo, depois de aprovadas em Conselho de Ministros.

Será este órgão de coordenação, que vai reunir semanalmente, às terças-feiras, o palco de (quase) todas as negociações. A receita para o sucesso das negociações, dá-a Pedro Delgado Alves: “Um trabalho de casa diário” e concertação permanente. E uma boa dose de “coerência”, acrescenta Paulo Campos. O ex-secretário de Estado acredita que se o “Governo socialista conseguir manter uma linha de governação coerente” com os desafios programáticos a que se propôs, tal vai ajudar a “unir a esquerda” e a “enfraquecer a direita”.

A curto prazo, socialistas, bloquistas e comunistas terão de chegar a acordo em relação a várias matérias: devolução dos salários da função pública e a redução da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). Se socialistas e bloquistas parecem estar afinados, o PCP continua reticente. No primeiro caso, os comunistas defendem a devolução integral dos salários da função pública em 2016, o que representaria, em termos líquidos, um custo acrescido de 446 milhões de euros. A proposta dos socialistas é diferente: reposição faseada dos salários, de três em três meses, com um impacto de 314 milhões.

Em relação à redução da CES, o PS propõe que tal aconteça de forma faseada, em dois anos (2016 e 2017) – uma proposta, de resto, igual à fórmula desenhada pelos dois partidos de direita em campanha eleitoral. Mas o PCP quer o fim imediato da medida. Esta quarta-feira, na comissão de Finanças, quando se esperava que fosse feita a votação na especialidade da CES, o PS apresentou um requerimento para que o diploma fosse discutido só na sexta-feira em plenário, atirando assim o assunto para mais tarde. As contas socialistas são complexas e, em teoria, o PS pode aprovar o diploma sem o apoio do PCP.

“O plano parlamentar é o mais difícil. O PS não tem flexibilidade tática e falta alguma experiência política. Há uma certa reverência em relação ao Governo”, defende um ex-governante socialista, em declarações ao Observador. Os tempos serão difíceis: PCP e BE vão pressionando o PS para além das questões que estão na mesa de negociações e o PS tem que reagir, não pode ficar calado, acrescenta o mesmo socialista dando como exemplo as propostas dos comunistas sobre o fim de portagens em auto-estradas SCUT.

Todos estes rios de negociações vão desaguar ao Orçamento do Estado para 2016: a mais importante de todas as batalhas que António Costa tem para travar Parlamento. E também aqui Jerónimo de Sousa foi avisando várias vezes que não passa cheques em branco.

No acordo entre PS e Bloco de Esquerda está também prevista a criação de vários grupos de trabalho para discutir medidas que podem, no limite, abrir brechas entre a aliança de esquerda. Desde logo, e à cabeça, a criação de um Grupo de Trabalho para avaliar a sustentabilidade da dívida externa – é conhecida a divergência entre PS, de um lado, e Bloco e PCP, do outro, em relação à questão da dívida pública. António Costa tem também esta bota para descalçar.

“O maior desafio de António Costa é liderar um Governo minoritário” que depende do apoio de outros partidos para fazer aprovar diplomas, assume Vitalino Canas. O alinhamento dos astros “acabou por desequilibrar” o sistema político português, assente em três pilares – Presidente da República, Governo, Assembleia da República – “a favor do Parlamento”. É em São Bento que estão concentradas todas as atenções e é aí que António Costa terá de ser um jogador hábil, sublinha o ex-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

E à direita? Passos Coelho, agora líder do maior partido da oposição, já garantiu que os sociais-democratas não vão votar contra todas as propostas socialistas. O PSD, assegura Passos, vai ter uma posição”responsável” e construtiva na oposição. Mas também avisou: quando Costa precisar dos sociais-democratas para sobreviver, que tenha a “dignidade” de convocar eleições. Foi isso que deixou claro no segundo dia de debate do programa de Governo socialista no Parlamento.

Paulo Portas foi bem mais duro. Ora, se António Costa escolheu atirar-se para os braços de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, terá de se entender com eles, vaticinou o líder centrista. “Estão escolhidos os seus BFF’s (best friends forever), dependendo deles o primeiro-ministro ficará ou cairá. É a vida“.

Se a direita espera que a aliança das esquerdas rompa pelo lado do PCP (e o mais rápido possível), os socialistas esperam que a direita rompa pelo lado do CDS e que o PSD tenha a tentação de jogar ao centro. Até lá, os dois blocos dificilmente diminuirão a crispação e vão continuar fechados em trincheiras. O Parlamento transformado num campo minado.

Bruxelas à espera do Orçamento, de olho no Novo Banco e Banif

Mais uma vez o Orçamento do Estado para 2016. António Costa tem todos os olhares postos nele: Belém, São Bento e, claro, Bruxelas. Mas há mais: os dirigentes europeus seguem também com muita atenção os desenvolvimentos no Novo Banco e no Banif.

Primeiro, o Orçamento do Estado para 2016. As campainhas soaram em Bruxelas – o esboço do Orçamento já devia ter chegado há muito, repetem. Mário Centeno já garantiu que vai entregar o primeiro documento até ao final do mês de dezembro, o que significa que o Eurogrupo deverá avaliar o projeto orçamental português na reunião de 11 fevereiro – são essas as previsões, pelo menos.

Há outra garantia que o Governo socialista tem de oferecer aos parceiros europeus: o défice é para manter abaixo dos 3% – o que, acontecendo, permitiria a Portugal sair do procedimento por défice excessivo. Mário Centeno já assumiu esse compromisso, mas as boas notícias podem não chegar tão cedo como esperam. Foi isso que o comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, fez questão de avisar: uma decisão sobre a eventual saída de Portugal do procedimento por défice excessivo só será tomada em maio de 2016.

Enquanto o esboço das contas socialistas não for aprovado, o Orçamento do Estado para 2016 não poderá ser votado na Assembleia da República.

Os socialistas ouvidos pelo Observador não esperam, no entanto, dificuldades de maior vindas de Bruxelas. A expetativa reside, sobretudo, em dois fatores: que a estratégia política assente na receita de austeridade cega seja definitivamente abandonada – e o programa de estímulos desenhado pelo Banco Central Europeu parece indicar esse caminho – e que uma eventual “reconfiguração do quadro político europeu” dê uma nova cara à União Europeia, sublinha Pedro Delgado Alves.

O cenário é fácil de pintar: com mais partidos antiausteridade no poder, vai ser mais fácil formar um bloco duro e coeso em Bruxelas, capaz de lutar por um caminho alternativo ao que foi seguido nos últimos anos. E as eleições em Espanha são o próximo passo nesse caminho de mudança, concordam Pedro Delgado Alves e Paulo Campos. O ex-secretário de Estado, de resto, acrescenta mesmo que as “eleições de Espanha vão mudar a Europa“. O Governo socialista tem agora de juntar-se ao bloco reformista e cavalgar a onda. “Não será um mar de rosas“, mas há todo o interesse da Europa em manter “a estabilidade“, completa Delgado Alves.

Uma estabilidade que pode ser posta em causa se a situação política nas duas pontas da União Europeia se agravar, alerta Vitalino Canas. O deputado socialista teme que o extremar do discurso político dos Governos do leste europeu, como por exemplo a Hungria, e (sobretudo) o referendo britânico possam agitar um mar que o Governo socialista quer navegar com tranquilidade. “A volatilidade da Europa” pode trazer desafios inesperados a António Costa, reconhece antigo governante. Atenção e prudência, pede-se.

Já o Novo Banco, continua a ser “o” dossier pendente. O Banco não foi vendido no prazo previsto e baralhou as contas do anterior (e do novo) Governo. O próprio Banco de Portugal recomendou que se peça à Direção-geral da Concorrência um alargamento do prazo (que, neste momento, termina em agosto de 2016) para a venda da instituição.

A instituição está, neste momento, a preparar um plano de reestruturação que terá de ser proposto à mesma autoridade europeia da concorrência. Ao mesmo tempo, o “Banco bom” ficou a saber que tem pouco mais de oito de meses para reforçar os capitais próprios depois de ter chumbado no cenário adverso do teste de stress – com uma insuficiência de cerca de 1.400 milhões de euros. Com o passar do tempo, a batata fica mais quente nas mãos de António Costa.

Com o Banif, a situação é mais complicada – porque os contornos ainda não são todos conhecidos. A Comissão Europeia está a investigar ajuda do Estado ao banco, depois de o Banif ter falhado o prazo de reembolso da última tranche. O Banif, que nunca conseguiu acordar um plano de reestruturação com Bruxelas, associado à ajuda pública, e que ainda não encontrou um investidor de referência que tome o lugar do Estado, está a ver esgotar-se o tempo para encontrar uma solução para o problema complexo que vive e, assim, evitar medidas mais drásticas – é que só num dia os títulos do Banif fecharam a perder mais de 40%.

Credores. A troika vai andar por cá

No início do próximo ano, a troika volta a aterrar em Portugal para produzir mais um relatório de acompanhamento pós-resgate, que deverá ser publicado entre o final de janeiro e início de fevereiro – em plena preparação do Orçamento do Estado para 2016.

Da última vez que esteve cá, o Fundo Monetário Internacional já tinha deixado um aviso: o Governo estava a tirar o pé do acelerador reformista. Agora, com a passagem de testemunho entre Passos Coelho e António Costa, o FMI vai querer ver o trabalho desenvolvido pelo Governo socialista.

Mas os credores não preocupam os socialistas. Pedro Delgado Alves, reconhece que podem vir a existir diferenças de avaliação entre o Governo socialista e a troika, mas serão coisas “banais”. Se o Governo socialista apresentar resultados – isto é, se cumprir com todos os compromissos internacionais -, a troika nada terá a apontar em relação ao caminho e às reformas escolhidas pelo Executivo.

Ainda assim, no que diz respeito ao BCE, que tem um papel decisivo para o financiamento do país, o que deve preocupar o Governo são os sucessivos alertas das agências de rating. A agência Fitch, que tem o rating de Portugal a um pequeno passo de deixar de ser considerada lixo, avisa que está à espera do Orçamento do Estado para 2016 e que se for dada menor atenção à redução do défice ou se forem revertidas reformas estruturais já iniciadas, a perspetiva positiva que existe no rating da dívida portuguesa pode desaparecer. A Standard & Poor’s e a Moody’s estão na mesma onda de comprimento.

Neste momento, o acesso de Portugal e dos bancos portugueses ao financiamento do BCE está dependente do rating “acima de lixo” atribuída pela canadiana DBRS. Em outubro, a agência criticava a posição de António Costa e avisava para o risco de o rating cair, caso faltasse empenho no equilíbrio das contas. Quase um mês depois, um telefonema de Mário Centeno ajudou a dar confiança. Costa e Centeno terão agora de continuar a manter a relação nos eixos, enquanto convencem as restantes agências de notação.

Investidores. Manter a confiança

Para o ex-deputado Ricardo Gonçalves, que contestou desde a primeira hora um acordo à esquerda, o maior desafio e o mais determinante para o sucesso da estratégia de António Costa é manter a confiança dos investidores e não inibir o investimento com acordo com a extrema-esquerda. O líder do PS “é muito impositivo e auto-suficiente” e isso é positivo para um ambiente negocial, reconhece Gonçalves, mas alerta: “O investimento privado é onde se joga o futuro do Governo. A atual estratégia de impulsionar a economia através do consumo leva muito tempo. Não há governo que aguente se se criar um ambiente de inibição ao investimento. Dá para fazer, no máximo, meia legislatura“.

O ex-deputado lamenta que o atual Governo tenha optado por não baixar o IRC como a anterior liderança do PS (com António José Seguro) tinha negociado com o Governo de Passos. Esse seria, a seu ver, um sinal importante para as empresas. Por sinal, Costa tem procurado ir ao encontro das preocupações das empresas, mas através da criação de um fundo de capitalização e através da regularização dos pagamentos em atraso do Estado.

Concertação Social – um caldo que Costa não quer entornar

O objetivo: conseguir um acordo alargado. O primeiro desafio: chegar a um consenso sobre o aumento do salário mínimo nacional. Mas há mais. São pelo menos nove os pontos que António Costa quer levar à concertação social, alguns mais complexos do que outros. Desbloqueamento da negociação coletiva, diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social e regulação do mercado de trabalho podem vir a criar tensões difíceis de gerir entre Governo, sindicatos e patrões.

António Costa tentará, ainda assim, conseguir o equilíbrio possível entre as exigências da CGTP, os receios da UGT e as pretensões das entidades patronais. Na primeira reunião entre o Governo socialista e os parceiros sociais, com o aumento do salário mínimo a dominar a agenda, uma coisa ficou clara: não será, à partida, uma tarefa fácil.

Até pode não ser, mas António Costa tem todas as condições para o conseguir. Enquanto “negociador hábil” que é, o líder socialista conseguirá chamar até si patrões e sindicatos, destaca Vitalino Canas. Desafio superado com sucesso, espera.

De um lado, Arménio Carlos. O secretário-geral da CGTP deixou claro que considera a proposta do Governo socialista – aumentar o salário mínimo para os 530 euros já em 2016 – “insuficiente”. Há espaço – muito espaço – para mais, insiste a CGTP. A central sindical diz-se disposta a negociar, mas mantém os 600 euros como ponto de partida para as conversações.

A meio caminho, Carlos Silva. O líder da UGT revelou-se satisfeito em relação à proposta do Governo socialista e pela disponibilidade de António Costa para negociar em sede de concertação social. Com todos, não apenas com a CGTP. E esta é a principal mensagem que Carlos Silva espera ouvir do primeiro-ministro socialista: com Bloco de Esquerda e (sobretudo) PCP no centro das decisões políticas, o papel da concertação social não pode ser esvaziado.

Uma preocupação que já tinha sido, de resto, levada à reunião entre dirigentes da UGT, a 12 novembro, como revelou o Observador. Na altura, José Azevedo, do Sindicato dos Enfermeiros (SE), definia o tom: “António Costa foi ingénuo ao fazer um acordo com o PCP e BE, que se servem dos trabalhadores para conquistar o poder mas depois são mal tratados porque quem manda no PCP é o Arménio Carlos”. O líder socialista tem agora de provar o contrário.

António Costa terá também de convencer os representantes patronais. Os patrões dizem-se dispostos a negociar e até a aceitar o aumento do salário mínimo para 530 euros, mas exigem contrapartidas, que Costa terá, no mínimo, de estudar se quiser contar com a rubrica dos patrões no acordo de concertação social.

E são essas contrapartidas que estão a colocar alguma areia na engrenagem das negociações. A segunda reunião da Concertação Social terminou sem acordo firmado, mas com a “expectativa” que este possa ser alcançado na reunião da próxima segunda-feira, garantiu o ministro da Segurança Social, Vieira da Silva. António Saraiva, Confederação Empresarial de Portugal, revelou que “o Governo apresentou uma proposta” e que essa proposta “não está encerrada”. “Há perspetiva de acordo, vamos ver o que pode acontecer na reunião de segunda-feira”, atirou.


De todo o modo, António Costa já veio colocar alguma água na fervura. Em entrevista ao Público, o primeiro-ministro deixou um aviso sério a todos os parceiros sociais: “A concertação social tem o seu papel, que não diminuímos e é essencial, queremos dinamizá-la, da mesma forma como queremos desbloquear a contratação coletiva e fomentar o diálogo social a todos os níveis. Ninguém queira transformar a concertação social numa Câmara Alta com poder de veto sobre as decisões da Assembleia da República”.

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