“França
nunca esteve tão à direita como hoje”
A
estratégia de Sarkozy foi validada nestas eleições, diz o
investigador francês. “Um programa muito à direita é a única
maneira de travar os ganhos da Frente Nacional”
14 dez 2015
Entrevista Ana Dias Cordeiro / PÚBLICO
Jean-Yves Camus é
director do Observatoire des Radicalités Politiques da Fondation
Jean Jaurès. O investigador do IRIS (Institut des Relations
Internationales et Stratégiques) em Paris é também autor de vários
livros sobre a extremadireita. Les Droites Extrêmes en Europe foi o
mais recente, escrito com Nicolas Lebourg, e editado pelas Editions
Seuil. Numa breve entrevista por telefone a partir de Paris, logo
após o anúncio das primeiras projecções, diz que o Partido
Socialista (PS) do Presidente François Hollande “não sai tão
mal” como previsto.
O que revelam os
primeiros resultados conhecidos destas eleições?
O que sobressai em
primeiro lugar é a forte participação dos eleitores, que permitiu
não só a derrota da Frente Nacional (FN) mas uma derrota em
proporções bastante grandes. O segundo aspecto: a estratégia que
foi decidida pelo Presidente da República teve o seu peso. Essa
estratégia, que consistiu em pedir aos eleitores da esquerda para
votarem em pessoas que são, no fundo, os seus adversários políticos
para criar uma barreira à FN, funcionou bem. E funcionou melhor do
que aquilo que eu esperava. Pensei que muitos eleitores de esquerda
não votariam nos candidatos da direita, pelo menos na proporção
que estamos a ver. Os eleitores de esquerda parecem ter-se deslocado
em massa para votar nos candidatos d’Os Republicanos. O que há
então é uma afluência maior e uma disponibilidade maior dos
socialistas para votarem nos candidatos do partido Os Republicanos do
que o previsto? Sim, e ambas traduzem uma recusa em massa da FN, uma
recusa em ver o partido exercer responsabilidades a nível regional.
Considera que a estratégia do PS funcionou. Não é uma estratégia
questionável? Evidentemente que sim. A partir do momento em que
somos obrigados, na segunda volta, a votar num candidato do campo
político oposto do nosso é sempre contestável. Por outro lado,
para o PS, desaparecer das regiões Nord-Pas-de-CalaisPicardie e
Provence-Alpes-Côte d’Azur durante seis anos não é irrelevante.
Tem importância. Não nos podemos satisfazer com esta situação em
que temos há já alguns anos uma FN num nível de tal maneira
elevado que, para a travar, é preciso pedir aos eleitores para darem
o voto aos seus adversários. É uma situação que não satisfaz de
todo. Os eleitores franceses tinham já passado em 2002 por uma
segunda volta de presidenciais em que a escolha era entre Jean-Marie
Le Pen e Jacques Chirac, ficando o candidato do PS de fora. A
situação agora é mais marcante? Desta vez é mais marcante porque
já não se trata de Jacques Chirac, mas sim de Nicolas Sarkozy. E
não é de todo o mesmo tipo de direita. Votar em Jacques Chirac para
vencer Le Pen em 2002 não era um grande problema para a maioria das
pessoas, porque Jacques Chirac era um homem da direita tradicional e
porque tínhamos, no extremo, Jean-Marie Le Pen. A escolha era
natural, por assim dizer. Agora, temos Nicolas Sarkozy, que
claramente faz campanha para as eleições presidenciais [de 2017]
com base em ideias que estão extremamente à direita no espectro
político. Vimos isso no discurso que fez entre as duas voltas destas
eleições, onde falou sobre as questões do islão, as questões da
identidade, de Schengen. Se ele for candidato às presidenciais, e
vai sêlo, será com um programa muito à direita, porque é a única
maneira de travar os ganhos da FN.
É garantido que ele
será candidato presidencial?
Sim, sim. O seu
objectivo consiste em retomar o controlo da UMP, mudar o nome [para
Os Republicanos em Maio passado], transformar o partido para fazer
dele uma máquina de campanha ao serviço da sua ambição
presidencial. Ele é candidato, mais do que nunca, até porque a sua
estratégia face à FN foi validada pelos resultados deste domingo.
Eu não diria que ele aproximou o discurso ao da extrema-direita, mas
em todo o caso transformou-o num discurso muito mais à direita. É
preciso reconhecer a situação da França hoje. A França nunca
esteve tão à direita como está actualmente.
Como sai o Partido
Socialista destas eleições?
Não sai assim tão
mal. Há três semanas, um mês antes das eleições, chegou a
pensar-se que seria um desaire. E não é. O PS conserva entre cinco
e sete regiões. É um resultado honroso, depois de [o
primeiro-ministro] Manuel Valls ter pedido aos eleitores de esquerda
para votarem no candidato anti-Frente Nacional. Penso que, no fim, é
uma noite eleitoral melhor do que previsto. Como vão os resultados
destas eleições reflectir-se nas presidenciais de 2017? Será mais
provável ter Marine Le Pen fora de uma segunda volta? As
presidenciais são outra coisa. Na óptica das presidenciais, a sorte
de François Hollande será de ter resultados económicos que estejam
à altura. Mas no quadro actual, se tivermos uma segunda volta entre
François Hollande e Nicolas Sarkozy, a vitória do candidato
socialista é muito incerta. O único cenário que poderia permitir
uma vitória do PS seria aquele em que o candidato socialista
defrontaria Marine Le Pen numa segunda volta. E isso é pouco
provável. Antes das eleições, os cenários mais prováveis eram
termos uma segunda volta entre Sarkozy e Hollande ou entre Sarkozy e
Marine Le Pen.
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