As
exigências de Catarina para o Banif. O que pode ser feito e o que
não pode
ANA SUSPIRO /EDGAR
CAETANO / 22/12/2015, OBSERVADOR
Bloco
impõe duas condições para viabilizar o Retificativo e a solução
para o Banif. Retirar poderes ao Banco de Portugal é possível, mas
não vender o Novo Banco vai contra as decisões de Bruxelas.
A coordenadora do
Bloco de Esquerda, Catarina Martins colocou duas condições para
deixar passar o Orçamento Retificativo, viabilizando a solução
encontrada pelo governo liderado por António Costa para o Banif:
Aprovar até ao
final do ano uma lei que retire poderes ao Banco de Portugal,
separando poderes de supervisão e de intervenção, e definindo o
mandato da nova autoridade nacional responsável por uma intervenção
sistémica que proteja o sistema bancário da degradação dos
últimos anos.
Considerando que a
venda que está a ser desenhada prevê mais perdas para os
contribuintes, o Bloco exige que o governo se comprometa com a
manutenção do Novo Banco na esfera pública. Em alternativa à
venda, defende uma resolução (a segunda) decidida e rigorosa para
repor os rácios sem nova injeção de capital, o que poderá passar,
sugere, por imputar perdas aos credores seniores do BES que foram
poupados na primeira resolução. Catarina Martins defende uma nova
administração do Fundo de Resolução que restabeleça o Novo Banco
como referência para a poupança e investimento.
O Observador
consultou juristas e especialistas de banca para perceber se estas
condições só exigem vontade política dos socialistas ou se
comprometem princípios fundamentais estabelecidos nas regras
europeias e nas decisões já tomadas sobre esta matéria.
O que se pode fazer
A primeira condição
imposta por Catarina Martins de separar as funções de resolução e
supervisão bancária é compatível com a legislação europeia. Vai
aliás no sentido do caminho já defendido pelo primeiro-ministro,
António Costa, no Parlamento, e até admitido no passado pelo
governador Carlos Costa.
Um jurista lembra
que a entidade independente de resolução até já existe na lei
portuguesa — o Fundo de Resolução tem autonomia jurídica. Mas é
preciso dotá-lo da independência operacional, financeira e
decisória do Banco de Portugal, o que implicar dar-lhe meios
financeiros e humanos e uma gestão separada da do supervisor.
Atualmente o fundo é
liderado pelo vice-governador José Berberan Ramalho e não tem meios
próprios, recorrendo aos recursos técnicos do Banco de Portugal
que, por sua vez, não tem valências para vender bancos, tendo
contratado assessores e consultores — o mais polémico foi o
ex-secretário de Estado, Sérgio Monteiro.
Outro especialista
lembra ainda que existem vários casos na Europa do euro onde existe
uma autoridade de resolução independente do supervisor, dando o
exemplo de Espanha.
Há apenas duas
ressalvas. O novo modelo teria de assegurar a independência desta
nova entidade pública face ao governo, sendo que a Comissão
Europeia não tem de dar parecer, mas tem de ser informada do novo
desenho.
A reserva mais
importante prende-se com o tempo de execução deste novo modelo que,
segundo um dos especialistas ouvidos pelo Observador, demoraria no
mínimo um ano a materializar. É certo que Catarina Martins impõe o
prazo do final do ano apenas para a aprovação da lei, mas ainda
assim, refere a mesma fonte, a sua redação teria de estar já muito
adiantada para esse prazo ser realizável.
O que não se pode
ou será muito difícil de fazer
A segunda condição
definida por Catarina Martins, que na verdade se divide em várias
subcondições, é muito mais difícil de executar, ou mesmo inviável
em alguns aspetos. A intenção de manter o Novo Banco na esfera
pública é o ponto que levanta mais impedimentos, de acordo com os
peritos ouvidos pelo Observador.
Esta exigência é
claramente incompatível com o compromisso assumido pelas autoridades
portuguesas junto da Direção-Geral de Concorrência europeia de
vender o Novo Banco no prazo de dois anos (até agosto de 2016). O
Novo Banco, assinala um dos especialistas ouvidos, é um bando de
resolução, ou seja, tem uma natureza transitória.
Portugal pode pedir
mais tempo para vender, o prazo foi aliás estendido esta semana, mas
não pode abdicar da venda, porque foi uma condição fundamental
para a obtenção da luz verde de Bruxelas à solução aplicada ao
Banco Espírito Santo em agosto de 2014.
Uma recapitalização
do Novo Banco por via de uma nova resolução também tem obstáculos
relevantes. A começar por quem decide a resolução. Não é o
governo que decide aplicar uma medida de resolução, explica uma
fonte do setor bancário, mas sim a autoridade de resolução, que
até ao final do ano é o Banco de Portugal e depois passará a ser o
conselho de resolução, uma entidade europeia independente. Logo,
António Costa não tem condições para se comprometer cm uma
resolução.
Por outro lado,
explica a mesma fonte, a resolução, mecanismo que implica perdas
para os investidores, aplica-se quando a alternativa é a liquidação,
o cenário que estava em cima da mesa nos casos do BES e também do
Banif. Não se faz uma resolução quando existem outras alternativas
para recapitalizar uma instituição, designadamente com recurso a
fundos privados, que no caso do Novo Banco viriam do comprador.
Outro especialista
considera que esta é “uma ideia peregrina” de execução muito
complexa, precisamente por causa dos pressupostos da resolução do
BES que apontam para a venda. Adicionalmente, alerta, o Novo Banco
precisa de capital, se ficar na esfera pública, como pretende o
Bloco, isso não vai aliviar os custos para os contribuintes, antes
pelo contrário.
A nacionalização
do Novo Banco seria uma saída possível, mas iria também implicar
custos adicionais para os contribuintes, cenário que o Bloco diz
querer evitar. Isto porque o Estado teria de compensar o Fundo de
Resolução e os bancos que o financiam do esforço financeiro feito
no Novo Banco. O Estado e os contribuintes teriam sempre de assumir a
fatura de futuras recapitalizações, obrigando a negociações
complexas com Bruxelas que exigiria reestruturações.
Quanto à sugestão
de impor perdas aos investidores de dívida sénior do BES/Novo
Banco, embora admissível no novo quadro legal de resolução, pode
revelar-se uma decisão perigosa, de acordo com um jurista ouvido
pelo Observador. Pode provocar uma crise de confiança no setor
bancário português. Os investidores veriam qualquer investimento
nos bancos portugueses como de alto risco. E isso colocaria mais
instituições em cheque, podendo no limite, voltar a exigir mais
esforço financeiro.
Solução para o
Banif vai contra objetivo de proteger contribuintes
Apesar das muitas
ressalvas às condições de Catarina Martins, os especialistas
contactados pelo Observador consideram que a solução definida para
o Banif levanta também muitas perplexidades, pela elevada fatura que
representa para os contribuintes e por manter a torneira do Estado
aberta para resgatar os bancos.
No limite, até vai
contra a filosofia em que assenta o mecanismo de resolução europeu
cujo principal objetivo é quebrar a ligação entre o risco soberano
e o risco da banca e proteger os contribuintes da salvação dos
bancos. Uma tal solução só seria concebível se a única
alternativa disponível fosse a liquidação do Banif, e foi isso
mesmo que o ministro das Finanças, Mário Centeno, disse esta
terça-feira no Parlamento. É claro que o facto de o Estado ser já
o maior acionista do banco também pesou na conta para os
contribuintes que pode chegar aos 3800 mil milhões de euros.
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