Médicos
e enfermeiros garantem que caso de morte no São José não é único
ALEXANDRA CAMPOS
23/12/2015 - PÚBLICO
"Há
pessoas que ficam com sequelas e pessoas que morrem", diz
presidente do colégio de neurorradiologia da Ordem dos Médicos. Em
Maio, quatro serviços ofereceram-se para assegurar escala única ao
fim-de-semana na área metropolitana de Lisboa, sem sucesso.
Há médicos e
enfermeiros que garantem que o caso fatal que aconteceu no Hospital
de São José, em Lisboa, está longe de ser único, e que lembram
que os anteriores responsáveis do Ministério da Saúde já sabiam
que não havia especialistas de prevenção ao fim-de-semana há
muito tempo e nada fizeram. Continua, entretanto, por esclarecer se
esta unidade hospitalar tentou transferir David Duarte, assim se
chamava o jovem de 29 anos que morreu enquanto aguardava tratamento
após a ruptura de um aneurisma cerebral, para o Santa Maria. O
Ministério da Saúde diz agora que os dois hospitais têm que se
articular para garantir resposta ao fim-de-semana.
Foi preciso que o
caso de David chegasse aos jornais para que um problema que se
arrasta desde 2013 fosse finalmente resolvido, lamentam vários
profissionais de saúde. Em Maio deste ano, face ao drama dos doentes
que não podiam ser tratados, os responsáveis pela neurorradiologia
de intervenção de quatro hospitais de Lisboa ofereceram-se mesmo
para assegurar uma escala única na área metropolitana da capital, o
que permitiria resolver o problema, mas nada aconteceu, enfatiza o
bastonário da Ordem dos Médicos. “Há mais casos [deste tipo], a
diferença é que, neste, a família decidiu denunciar a situação”,
afirma José Manuel Silva.
Agora, há uma
sucessão de inquéritos em curso, um no próprio Centro Hospitalar
de Lisboa Central(CHLC), que integra o Hospital de S. José, outro na
Inspecção-Geral das Actividades em Saúde e mais um no Ministério
Público.
Enquanto o ministro
da Saúde garantia esta quarta-feira que o problema não se repetirá,
o responsável pelo serviço de neurorradiologia do Hospital de São
José, João Reis, assegurava também ao PÚBLICO que este “não é
um caso único”. “Há pessoas que ficam com sequelas e há
pessoas que morrem” porque as equipas que tratam os aneurismas são
as mesmas que respondem em caso do AVC (acidentes vasculares
cerebrais) agudos e não há escalas de prevenção de
neurorradiologia de intervenção (nem de neurocirurgia vascular, a
outra especialidade que pode tratar este tipo de situações) aos
fins-de-semana, tanto no no São José como, segundo afirma, no Santa
Maria.
Terá sido por esse
motivo que David não chegou sequer a ser encaminhado para o Santa
Maria e acabou por morrer. Há quem diga que ainda houve um contacto
telefónico nesse sentido entre os dois hospitais e há quem assevere
que isso não chegou a acontecer. A questão está a ser averiguada.
Certo é que,
transferido do hospital de Santarém, David entrou ao final do dia 11
de Dezembro, sexta-feira, no São José, com dificuldades em falar e
com o lado direito do corpo paralisado.
Diagnosticada uma
hemorragia cerebral provocada por um aneurisma, os médicos avisaram
a família que apenas podia ser tratado depois do fim-de-semana por
não haver equipa nem de neurorradiologistas nem de neurocirurgiões
especializados (são poucos os neurocirugiões preparados para este
tipo de intervenção de alto risco).
“Há toda uma
sequência de pessoas em lugares importantes que não tomaram as
decisões adequadas, não foi só o ministro [o anterior responsável
Paulo Macedo]”, lamenta João Reis, que também é presidente do
colégio da especialidade de Neurorradiologia da Ordem dos Médicos.
Mas é preciso
recuar até ao final de 2012 para se perceber toda esta história,
nota. Nessa altura, os responsáveis do serviço por si liderado
fizeram uma espécie de ultimato à administração do hospital,
ameaçando que suspendiam as escalas ao fim-de-semana caso não fosse
revisto o pagamento das horas extraordinárias, sobretudo dos
enfermeiros e dos técnicos de raios X que integram estas equipas.
“Pagavam-lhes três a quatro euros por hora, não dava para os
transportes [quando há um caso urgente, têm 20 minutos para chegar
ao hospital]”, explica.
Sem solução por
parte da tutela, apesar do “empenho” da presidente do conselho de
administração do CHLC, em Janeiro de 2013 a equipa de
neurorradiologia de intervenção deixou de fazer prevenção aos
fins-de-semana, lembra. Em Abril de 2014, a neurocirurgia vascular
fez o mesmo.
As rupturas de
aneurisma podem ser tratadas por equipas de neurorradiologia (através
de cateterismo) ou pela neurocirurgia, com uma intervenção
cirúrgica. Mas é a neurorradiologia que “trata de 80%” das
rupturas de aneurisma, segundo João Reis. Mais: estas equipas dão
também resposta aos AVC (acidentes vasculares cerebrais) na fase
aguda, que, se não tratados atempadamente, podem causar graves
sequelas e mesmo morte. Tratados com prontidão, “62% dos pacientes
com AVC mais graves ficam totalmente autónomos aos 90 dias”,
destaca o especialista que nota que estes casos são muito mais
frequentes do que as rupturas de aneurisma e exigem uma resposta mais
rápida.
Também o o
presidente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), João
Carlos Martins, lamentou a falta de resposta da tutela, face aos
sucessivos apelos. A resposta podia ter sido retomada em Maio
passado, quando os quatro serviços desta especialidade em Lisboa se
disponibilizaram para constituir uma única equipa na Grande Lisboa.
mas a “tutela não deu seguimento ao caso”, frisou à TSF o
sindicalista.
À semelhança de
João Reis, João Carlos Martins diz que este tipo de situação “já
se repetiu muitas vezes” e que foi por isso mesmo que se decidiu
fazer qualquer coisa, face aos “dramas dos doentes” verificados
no dia a dia.
A divulgação do
caso de David provocou uma cascata de demissões: além do presidente
da Administração Regional de Saúde de Lisboa, estão
demissionários os presidentes dos conselhos de administração do
Centro Hospitalar de Lisboa Central, Teresa Sustelo, e de Lisboa
Norte, Carlos Martins. Este último, ao que tudo indica, porque
também o hospital de Santa Maria não tinha condições para dar
resposta ao caso de David.
Para o actual
ministro, Adalberto Campos Fernandes, o que aconteceu é
“incompreensível” e não se tratou apenas de uma questão
financeira ou de falta de recursos humanos. Apesar de reconhecer que
os cortes financeiros em alguns aspectos foram “longe demais”, o
ministro lembra que nas regiões Norte e Centro do país as equipas
“funcionam sem nenhum tipo de problema” para ilustrar que houve
aqui um problema de “organização”.
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