Câmara
vota torre para Picoas que deixa à vista uma empena cega e
“subjectiva"
JOSÉ ANTÓNIO
CEREJO 16/12/2015 - PÚBLICO
Proposta
de Manuel Salgado ignora objectivos do PDM e princípios definidos
por ele próprio para evitar parede rebocada de mais de 20 metros de
altura.
O que é uma empena
cega e subjectiva? A definição não consta dos manuais de
arquitectura. Mas empena cega é a parede lateral de um edifício que
é construída sem janelas (cega) para se lhe poder encostar, mais
tarde, um outro prédio a erguer no lote contíguo. E “subjectiva”
é o qualificativo que a Câmara de Lisboa aplicou à critica dos
municípes que questionaram, em Janeiro, a criação de uma empena
cega de mais de 20 metros de altura em plena Avenida Fontes Pereira
de Melo.
Em Janeiro deste
ano, no final da discussão pública de um Pedido de Informação
Prévia (PIP) relativo à construção de uma torre de 17 andares
frente à Maternidade Alfredo da Costa, a câmara limitou-se a
considerar “subjectivas” as críticas que lhe foram dirigidas
pelo facto de o projecto deixar completa e definitivamente a
descoberto a empena cega de um prédio de sete pisos existente no
gaveto da Fonte Pereira de Melo com a Pinheiro Chagas.
Durante décadas, o
imóvel em questão, tinha a seu lado um velho edifício unifamiliar
que se encontrava em ruínas e foi demolido nos últimos meses. Esse
foi também o destino do palacete e dos outros imóveis que ocupavam
o quarteirão onde irá nascer a polémica torre que hoje será
votada pelos vereadores e cujo promotor tinha fortes ligações ao
Banco Espírito Santo.
Na altura da
discussão pública do PIP, houve quem criticasse por escrito o facto
de aquela vasta superfície rebocada da empena cega ali ficar
exposta, tal como ficarão as traseiras das restantes construções
(Casa Museu dr. Anastácio Gonçalves) que antes fechavam o
quarteirão, do lado da Rua Pinheiro Chagas.
Em resposta, na
análise dos contributos apresentados pelos munícipes na discussão
pública, os serviços camarários concluíram que tais observações
“constituem críticas de carácter subjectivo às soluções de
integração arquitectónica propostas pelo projectista”. Nada
mais. Mas o assunto, consideram vários técnicos camarários que
conhecem o processo, mas preferem não ser conhecidos, merecia muito
mais do que isso.
Desde logo, porque a
integração arquitectónica é precisamente aquilo que o Plano
Director Municipal (PDM) exige, como condição de licenciamento,
para construções como a que vai surgir naquele local. Diz o PDM
(artº 42º) — aquele em que a câmara baseia a proposta de
aprovação do projecto da promotora Edifício 41 (grupo ECS) — que
só é possível construir ali um prédio isolado, com aquela altura,
em situações excepcionais “devidamente ponderadas em função do
espaço urbano em que se inserem”.
E diz ainda, e antes
de mais, que essas obras têm de “contribuir para a valorização
arquitectónica e urbanística” do local, além de terem de se
“enquadrar nas características morfológicas e tipológicas [ali]
dominantes”.
A verdade, porém, é
que em todo o processo de licenciamento da torre (é assim que o
edifício ali é designado) não existe qualquer espécie de
avaliação, por parte dos responsáveis camarários, da articulação
exigida pelo PDM entre o projecto em causa e a envolvente. Nada se
diz sobre a sua relação com o contexto urbano do quarteirão que
ali existia antes das demolições efectuadas para construir o novo
edifício. E muito menos se faz o seu contraponto com a tal empena
cega.
Tudo isso, como se
viu, foi reduzido à condição de “crítica subjectiva”. E por
isso mesmo, numa resposta escrita dada ao PÚBLICO no início deste
mês, o gabinete de Manuel Salgado, o vereador que subscreve a
proposta de aprovação do projecto, confirma que a empena cega
ficará a descoberto, “sendo obrigação do dono da obra conferir
[lhe] características de estanqueidade e de isolamento idênticas à
de uma parede exterior”.
No entanto, foi o
próprio Manuel Salgado, num documento datado de Novembro de 2013 em
que definiu os “princípios gerais” a que deveria obedecer o
projecto do edifício a construir naquele local, quem escreveu que o
problema da empena tinha de ser resolvido. O “conjunto
arquitectónio singular” definido pelo autarca nesse modelo urbano
deveria ser composto “por uma torre de uso terciário, um remate de
quarteirão com bloco de habitação e em subsolo uma zona
comercial”.
No documento
elaborado pelo vereador para servir de orientação ao concurso de
ideias promovido pelo promotor, com o apoio da câmara, para escolher
o projecto a desenvolver, foram incluídas imagens tridimensionais
que dão a perceber aquele princípio. E o que é que elas mostram?
Um edifício de sete andares de habitação e comércio que ficaria
encostado à empena cega e virado para a torre de escritórios a
erguer um pouco mais abaixo, com um atravessamento pelo meio entre a
Fontes Pereira de Melo e o jardim fronteiro à maternidade.
Meses depois, veio o
PIP do projecto executado a partir da proposta vencedora do concurso
de ideias. Nesse projecto já não constava o edifício de habitação
e a superfície de pavimento autorizada tinha sido concentrada apenas
na torre.
Na análise do PIP,
o abandono daquela solução para a empena cega, sem que tenha sido
substituída por outra qualquer, foi ignorado. E isso mesmo aconteceu
na apreciação do projecto que esta quarta-feira vai a votos na
câmara. Agora só é preciso que a empena seja estanque e fique
isolada como uma parede exterior.
Entre os técnicos
camarários há quem tenha uma explicação: “Os interesses do
promotor foram salvaguardados pela câmara.”
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