quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

ISCTE quer ter uma das 20 melhores escolas de turismo do mundo / Deve a universidade promover hotéis?

OPINIÃO
Deve a universidade promover hotéis?
NUNO DAVID e MARGARIDA SANTOS 16/12/2015 - PÚBLICO

Impõe-se que as operações para aprovação de aquisição ou alienação de património sejam realizadas com total transparência.

Em notícia publicada no PÚBLICO ficou-se a conhecer que a discussão na Câmara Municipal de Lisboa (CML) do Pedido de Informação Prévia do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa para construir três edifícios, entre os quais um hotel de cinco estrelas e outro de três, na Avenida das Forças Armadas, foi adiada uma semana, adiantando-se que o projeto terá sido recebido com muitas reservas. Já antes, Rui Pena Pires, em artigo de opinião, alertava que a decisão do ISCTE-IUL teria sido tomada sem que existisse ou se conhecesse o “plano de investimento em ativos imobilizados” requerido na lei, e que a construção de hotéis e cozinhas de topo não seria compatível com a missão estatutária do ISCTE, alertando ainda que a CML – cujo presidente é simultaneamente membro do Conselho de Curadores do ISCTE – não iria apreciar tão-somente uma proposta imobiliária de um qualquer promotor, mas de uma entidade pública que deve acautelar o interesse público.

A transparência de governação de uma universidade pública no âmbito do direito privado, como é o caso do ISCTE que opera em regime fundacional, pressupõe um atento escrutínio do quadro da rede de entidades e relações jurídicas que norteiam a colaboração entre os sectores público e privado. Sabendo-se que a construção de dois hotéis na Avenida das Forças Armadas envolve investimentos que uma universidade não pode suportar, não se deduz outro cenário que não seja a venda de parte do terreno em causa para fins de construção dos referidos hotéis, no âmbito de um projeto urbanístico prévio aprovado pela CML, aplicando-se o produto posterior da venda para a construção de um novo edifício escolar. Desconhecemos a proposta concreta que foi submetida à CML sobre o projeto urbanístico, porque nunca nos foi apresentado, mas foi esta a deliberação aprovada pelo Conselho Geral do ISCTE-IUL a que pertencemos e que mereceu o nosso voto contra (ata CG 18/05/2015, disponível para consulta pública).

Esta decisão do ISCTE, que nos merece reservas por se nos afigurar não ser inteiramente clara, deve ser objeto por parte da CML e da opinião pública de uma avaliação do seu interesse público, por várias razões: (i) é questionável que da missão da universidade pública faça parte submeter projetos urbanísticos de hotéis de 3 e 5 estrelas a uma câmara municipal para posterior venda a privados, mesmo que tal venda venha a ser realizada através de concurso público, (ii) ao contrário das outras universidades ainda em domínio de direito público, a operação de venda não carece de visto do Tribunal de Contas, (iii) a decisão de transmissão onerosa apenas pode ser tomada caso exista um plano de investimento em ativos imobilizados necessários à atividade da universidade e aprovados por órgãos próprios na instituição, tendo em vista a avaliação do investimento do produto da venda nas novas instalações, o que se desconhece existir.

Com a autonomia patrimonial nas universidades fundacionais, estas passaram a dispor de forma livre de todo o seu património no domínio da esfera do Estado, onde se incluem os imóveis adquiridos ou construídos. Considerando nestas condições que as operações para aprovação de aquisição ou alienação de património deixaram de carecer de intervenção da tutela, impõe-se que as mesmas sejam realizadas com total transparência, sob pena de se desvirtuar a função da universidade pública, sobretudo a de assegurar o interesse público.

Nuno David e Margarida Santos
Membros eleitos do Conselho Geral do ISCTE-IUL

ISCTE quer ter uma das 20 melhores escolas de turismo do mundo
INÊS BOAVENTURA 23/12/2015 - PÚBLICO

O projecto, que inclui a construção de dois hotéis na Cidade Universitária, em Lisboa, é contestado pelo PCP, que entende que o ensino não deve ser colocado "ao serviço da hotelaria". Também dentro do ISCTE há vozes contra.

Depois de vários adiamentos, o Pedido de Informação Prévia do ISCTE para a construção de dois hotéis na Avenida das Forças Armadas foi aprovado nesta quarta-feira pela Câmara de Lisboa, com a oposição do PCP. A ambição deste projecto, que não é consensual dentro do Instituto Universitário de Lisboa, é criar em Portugal uma “escola universitária de referência mundial” na área do turismo.

Isso mesmo é dito numa informação escrita que o reitor do ISCTE enviou à câmara, depois de se terem feito ouvir na praça pública várias vozes contra a operação urbanística proposta. Além de duas unidades hoteleiras, uma de três e outra de cinco estrelas, o projecto contempla a construção de um edifício destinado a “investigação e formação”, “equipado com laboratórios e cozinhas de topo”. Tudo isto no terreno onde está hoje instalada a sede do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT).

Nessa informação, à qual o PÚBLICO teve acesso, o reitor aponta o turismo como “um dos sectores nevrálgicos da nossa economia” e sublinha que “o ensino nesta área é quase na sua totalidade desenvolvido em escolas profissionais e politécnicas, não tendo Portugal nenhuma escola universitária de referência mundial”.

“Não há nenhuma razão inteligível para que Portugal não tenha uma escola nesta área que se afirme entre as principais escolas mundiais na formação pós-graduada”, acrescenta Luís Reto. Para o reitor, a dimensão do sector do turismo e os recursos universitários existentes “exigem que tenhamos uma escola entre as 20 escolas mundiais neste sector, atraindo estudantes internacionais e, em particular, dos países de expressão portuguesa”.

Além disso, Luís Reto diz que na gastronomia, uma “área complementar à gestão de hotelaria”, “Portugal ainda apresenta mais carências de formação do que na área do Turismo”. Por isso, justifica, o projecto apresentado pelo instituto “prevê a formação em gastronomia, a nível internacional, tendo o ISCTE já registado a marca Lisbon Culinary Center para esse efeito”.

Quanto aos hotéis, o reitor explica que eles permitirão um “treino intensivo dos alunos” e acrescenta que um deles (o de três estrelas, que é referido no projecto como hotel/residência de estudantes) terá “preços acessíveis para professores e investigadores, visitantes, alunos Erasmus e para a formação de executivos internacionais”. Segundo Luís Reto, estes equipamentos serão entregues, por “contratualização”, a um “grupo hoteleiro que ganhar o concurso público internacional”.

Lembrando que o terreno actualmente ocupado pelo IMT foi adquirido há quatro anos “com receita própria” do ISCTE, o reitor admite que este “não tem qualquer possibilidade financeira para construir o novo edifício [o de “investigação e formação”] com meios próprios, pelo que irá alienar parte do património adquirido por permuta de construção do novo edifício escolar”.

Os argumentos de Luís Reto parecem ter convencido a maior parte dos eleitos da câmara. Entre eles o vereador António Prôa, que há duas semanas tinha dito ao PÚBLICO que via como “muito estranha” a ideia de uma instituição de ensino superior querer dedicar-se ao negócio da hotelaria.

Esta quarta-feira, depois de se ter reunido com o reitor do ISCTE e de ter analisado as informações por ele enviadas, o autarca do PSD estava já rendido ao projecto. “Parece-nos uma boa iniciativa, que qualifica a cidade, e um bom contributo para o país e para elevar a sua oferta turística”, sustenta António Prôa, considerando que está em causa “um projecto de excelência na área da hotelaria”.

Quem não ficou convencido foi o vereador Carlos Moura. “Não achamos que o ensino deva ser colocado ao serviço da hotelaria”, diz o autarca do PCP, manifestando-se também contra o facto de os novos hotéis irem surgir “dentro da Cidade Universitária, um espaço que deve ser dedicado ao ensino superior”.

No próprio ISCTE este projecto não é pacífico, como se percebe nos artigos de opinião de Rui Pena Pires, professor, e de Nuno David e Margarida Santos, membros do Conselho Geral do instituto, que foram divulgados pelo PÚBLICO nas últimas semanas.

Na informação enviada à câmara por Luís Reto refere-se que a “construção das instalações da nova Escola de Hotelaria” foi aprovada em três órgãos do instituto universitário: no Senado (com 34 votos a favor e cinco abstenções”, no Conselho Geral (com 16 votos a favor, quatro contra e quatro abstenções) e no Conselho de Curadores (onde foi aprovado por unanimidade).


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