Centeno:
chumbo do OE rectificativo implica reversão do negócio do Banif
PEDRO CRISÓSTOMO
22/12/2015 - 18:31 (actualizado às 21:47) / PÚBLICO
Partidos
mostram estratégias de ataque e defesa no dossier Banif. Banco “ia
numa rota de liquidação”, diz o ministro das Finanças.
A estreia de Mário
Centeno numa audição parlamentar foi nesta terça-feira durante
mais de quatro horas um ensaio da mais do que provável comissão de
inquérito ao caso Banif, dando as primeiras pistas sobre as
estratégias de ataque e defesa que os partidos poderão desenhar –
ou vir a afinar – daqui para a frente para falar deste dossier.
Ouviram-se
reprovações da esquerda à actuação do governador do Banco de
Portugal; críticas à passividade do anterior Governo; o PSD a
admitir que subscreve a medida de resolução em vez de uma
liquidação (“mas não com todos os contornos”); e o CDS a
descolar da decisão. O ministro das Finanças, Mário Centeno,
começou por dizer que a solução fechada no fim-de-semana foi a
possível dentro das “dificuldades” que se colocavam quando o
actual executivo assumiu funções. E ainda sem estar garantida a
aprovação do Orçamento do Estado Rectificativo, Centeno avisou que
o chumbo do documento implica a reversão do negócio. Repondo o
Banif nos moldes anteriores à medida de resolução, disse o
ministro, só lhe restaria a liquidação, porque entretanto já
perdeu o acesso ao financiamento do BCE e já não tem licença
bancária.
O Governo, comparou
Centeno, “teve de solucionar em três semanas aquilo que o XIX
Governo Constitucional não fez em três anos”. Isto porque “O
Banif ia numa rota de liquidação”, disse o ministro, insistindo
que quando assumiu a pasta das Finanças foi confrontado com a
“urgência de solucionar o problema da reestruturação” do
Banif, para encerrar a investigação aprofundada aberta pela
Direcção-Geral da Concorrência Europeia, que colocava dúvidas
quanto à viabilidade do banco.
Centeno defendeu
que, para solucionar o dossier do Banif logo em 2012 durante a
intervenção da troika, teria sido preferível outra alternativa que
passava por uma recapitalização e por uma fusão com a Caixa Geral
de Depósitos (CGD), antes de se terem colocados entraves formais a
essa solução, ou seja, antes de ter sido dada ajuda de Estado ao
próprio Banif e ao grupo público (o Banif foi recapitalizado há
três anos com recurso a capitais públicos no valor de 1100 milhões,
ficando o Estado com uma posição de 61% no banco).
“As portas
foram-se fechando” até que se colocavam apenas duas hipóteses –
a resolução ou a liquidação, completou o Secretário de Estado
Adjunto, do Tesouro e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, que
acompanhou Centeno nesta audição. E a liquidação do Banif
implicava “fechar o banco”, despedir 1600 trabalhadores e pagar
3000 milhões de euros de depósitos, que teriam de ser suportados
pelo Fundo de Garantia de Depósitos, que não tem esta verba,
afirmou Mourinho Félix.
Centeno reforçou
que “o adiamento de soluções na área financeira apenas provoca o
aumento dos custos no futuro. Não é possível considerar que não
se devem enfrentar as dificuldades do sistema financeiro assim que
elas se revelam”. A resposta chegaria pela voz do social-democrata
Duarte Pacheco “No fim do jogo é muito fácil fazer o
diagnóstico”, alfinetou o deputado do PSD, peguntando se a ideia
da fusão com a CGD é uma posição ideológica do PS ou se está
fundamentada em contas.
Sem querer usar o
Banif “como arma de arremesso político”, o deputado do PSD,
António Leitão Amaro, perguntou se é possível ter uma estimativa
da perda de valor do Banif por causa do que aconteceu na última
semana, algo que Mário Centeno disse não serem “cálculos simples
de fazer”.
“Não foi apenas
na última semana que o banco perdeu valor, foi ao longo deste
tempo”, justificou-se, dizendo ter noção “de que essa perda que
ocorreu recentemente pode ter precipitado” parte das decisões do
Eurosistema em relação ao Banif. E frisou que se a questão do
Banif tivesse sido resolvida “mais longe” das alterações
regulatórias que entram em vigor a 1 de Janeiro de 2016 (que
implicariam perdas aos depositantes acima dos 100 mil euros no caso
de resolução de um banco), a solução teria tido menos custos.
“Reafirmo que esta decisão teve de ser tomada num cenário
regulatório e legal particularmente adverso pelo deixar arrastar da
situação”.
“Detergente”
para salvar bancos
Se o deputado Leitão
Amaro quis deixar de fora as leituras políticas do dossier, Mariana
Mortágua, do Bloco de Esquerda, trouxe-as para a mesa, fazendo uma
separação de águas no apuramento das responsabilidades. “Houve
dolo na acção do Governo” de Passos Coelho, que, para a deputada,
foi negligente. Mas as considerações de negligência em relação
ao anterior executivo “não se estendem ao actual Governo”, ainda
que isso não torne “a proposta que hoje está em cima da mesa mais
aceitável”, disse.
A deputada, que se
destacou na comissão de inquérito do caso BES/GES, defendeu que a
integração do Banif na CGD seria a “melhor opção”. E usou uma
imagem para contestar a injecção de capitais públicas nos bancos
quando são de seguida vendidos aos privados: o Estado tem sido
“detergente” ou a “componente desta máquina de reciclagem”
dos bancos.
Também o deputado
do PCP Miguel Tiago acusou o PSD e o CDS-PP de terem deixado no
caminho uma “bomba-relógio” que à medida que o tempo contava ia
aumentando “o efeito destruidor”. E questionou a posição do
governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.
Miguel Tiago
criticou ainda o supervisor bancário por aparecer apenas como
“tranquilizador de massas”, quando “deveria funcionar como
aquele que impede” os problemas.
E se o ministro das
Finanças olhou para trás, falando da solução que teria sido
preferível para resolver os problemas do Banif há três anos, os
deputados do CDS preferiram comparar a solução agora adoptada com
uma eventual decisão que fosse tomada só no próximo ano. A
deputada centrista Cecília Meireles, que disse ter “dúvidas
fundadas quanto à decisão”, questionou quais seriam os custos
para os contribuintes se a decisão relativa ao Banif fosse tomada já
com as novas regras de resolução bancária (a partir de 1 de
Janeiro e que prevêem que não apenas os accionistas e detentores de
dívida subordinada de um banco seja chamados a contribuir, mas
também os depositantes acima dos 100 mil euros).
Centeno já tinha
sublinhado que, por causa da investigação da Direcção Geral da
Concorrência Europeia e das decisões do Eurosistema (nomeadamente
porque o BCE “retirou o estatuto de contraparte ao Banif com
efeitos a 21 de Dezembro), o Governo tinha de tomar uma decisão
durante o último fim-de-semana, ou caso contrário a única solução
que restava era a liquidação do banco.
Foi neste jogo entre
a discussão sobre o passado e o futuro que o deputado do PS Eurico
Brilhante Dias veio notar duas posições distintas entre o PSD e o
CDS-PP: enquanto os centristas teriam apostado em “empurrar a
barriga para a frente”, apostando num bail-in do Banif, o PSD
alinha numa posição “mais responsável”.
Mais tarde, Leitão
Amaro fez questão de frisar que o PSD concorda com a resolução em
vez de uma liquidação, mas não com todos os contornos da operação.
A venda de activos
do Banif ao Santander Totta por 150 milhões de euros já abateu aos
2255 milhões da injecção de fundos concretizada através da medida
de resolução. Do montante que visa acautelar contingências
futuras, que motivou a alteração ao Orçamento do Estado deste ano,
1766 milhões são garantidos directamente pelo Estado e 489 milhões
pelo Fundo de Resolução (que já tem na sua esfera o Novo Banco).
O Banif foi
recapitalizado pelo Estado a 31 de Dezembro de 2012, com recurso a
capitais públicos no valor de 1100 milhões de euros, ficando o
Estado com uma posição de 61% no banco.
“Se calhar foi
metido irresponsavelmente dinheiro [público] no Banif” há três
anos, especulou o deputado do PS João Galamba, dizendo que se o
anterior executivo tivesse tido interesse em fazer uma
“reestruturação a sério” do sector bancário, o melhor teria
sido a integração do Banif na CGD em 2012.
O plano de
recapitalização realizado há três anos implicou uma injecção de
700 milhões de euros (sob a forma de acções especiais) e 400
milhões através de instrumentos híbridos (os chamados Cocos, que,
mediante determinadas condições, podem ser convertidos em acções).
O Banif só devolveu ao Estado 275 milhões da fatia de 400 milhões
de euros de instrumentos híbridos, tendo ficado em incumprimento a
partir de Dezembro de 2014.
Dos 1100 milhões de
euros injectados, o Estado perde agora 675 milhões de euros (porque
é aqui abatida a receita de 150 milhões de euros da venda ao
Santander Totta). Somada a este custo o valor da medida de resolução
(que implica 1766 milhões de euros estatais), as perda imediata sobe
para os 2441 milhões de euros). Mas, como o PÚBLICO noticia hoje, o
prejuízo pode chegar a 3825 milhões de euros.
A venda dos activos
“bons” do Banif — no valor de 11.100 milhões de euros,
incluindo os depósitos dos clientes — permitiu ao Santander Totta
tornar-se no segundo maior banco privado em Portugal.
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