OPINIÃO
Por
que é que se pode acabar com tudo menos com os bancos?
JOSÉ PACHECO
PEREIRA 26/12/2015 - 00:10
Valia
a pena ser mais economicamente liberal com os bancos e menos com as
pessoas, mas isso hoje parece radicalismo.
A história do Banif
é exemplar dos tempos que correm. Ela mostra tudo o que está errado
nas políticas europeias e nacionais, se é que se pode falar ainda
de “políticas nacionais”. Aliás, o caso do Banif revela até
que ponto os governos aceitam ser geridos pela burocracia europeia
não eleita, em decisões objectivamente contrárias ao interesse
nacional e à sua própria vontade, eles que são eleitos. Este é um
dos aspectos mais preocupantes da actual situação política
portuguesa e europeia, a utilização muitas vezes abusiva e
excessiva, das chamadas “regras” europeias para impor políticas
ideológicas conservadoras e soluções que correspondem a interesses
particulares de outros países, de outras bancas, de outras
economias, a Portugal. Ou pensam que é tudo neutro e “técnico”?
Chegados à porta da
burocracia europeia, – e as decisões tomadas sobre o Banif são
tomadas pela burocracia de Bruxelas que acha que sabe melhor governar
Portugal que o voto dos portugueses, – encontramos uma entidade
que não é neutra, que serve os interesses políticos e económicos
dos maiores países europeus em que não ousa tocar nem ao de leve, e
cujo afã de “uniformização”, sendo típico das burocracias,
leva a aplicar critérios que nem a banca alemã cumpre, a economias
debilitadas como a portuguesa. Ao impedir a incorporação do Banif
na CGD, – que, lembre-se, Passos Coelho queria privatizar, –
actuou contra o interesse nacional legitimamente interpretado por um
governo eleito. Seria bom que o senhor Presidente da República nos
falasse então do “superior interesse nacional”.
A história do Banif
mostra também o modo como se transformou um conjunto de interesses
económicos parciais numa lei de bronze da economia e da política
que deriva não de opções políticas, ou, como diriam os marxistas,
de “classe”, numa emanação sem alternativa da “natureza das
coisas”, da “realidade”. Estes anos de “ajustamento”, que
nada “ajustou” a outra coisa que não fossem certos interesses
presentes na economia e na política, também mostra como se
desbaratou a já escassa “boa-fé” do Estado, como se está a
destruir a democracia e o controlo dos conflitos que ela permite, e
como se fez ascender ao poder uma mistura de ideólogos radicais de
direita, de aparelhos partidários de grande incompetência e que
nada sabem do seu país, de gente medíocre que se tornou salvífica
pelo serviço que prestaram a interesses particulares presentes na
economia. Não à “economia”, mas a certos interesses presentes
na economia e que condicionam e capturam as políticas europeias e
nacionais.
O que mostra o
Banif? Que os bancos podem falir como qualquer outra empresa, mas que
as consequências dessa falência são pagas sempre pelo dinheiro
público. Ou seja, podem falir, mas não podem falir. São
intangíveis a tudo aquilo que é para o comum dos cidadãos o
“ajustamento”, não fecham, não se liquidam, essa interessante
palavra, os contratos são de natureza diferente daqueles que se
podem romper com toda a gente, menos com… os bancos. Com eles
pode-se gastar milhares de milhões de euros sem pestanejar, nem ter
que estar sempre a responder à pergunta “quanto custa” que os
jornalistas repetem ad nauseam sempre que se fala de salários,
pensões e reformas. A pergunta é feita uma vez, por descargo de
retórica, e depois a lógica dos debates é sempre de natureza
diferente daqueles que a mesma pergunta suscita se se tratar de
aumentar o salário mínimo, ou de repor pensões de centenas de
euros. A banca é sempre uma excepção e contestar essa excepção,
– a da “saúde” do sistema financeiro que claramente está
acima da saúde dos portugueses, – é “ideologia” como disse o
Presidente da República numa das suas mais ideológicas intervenções
em nome da “realidade”.
Outro aspecto da
ideologia que se esconde na “realidade”, é pouca gente se
perguntar que estragos maiores faria ao país, se o Banif fechasse. O
governo diz que seria mais caro, mas eu estaria mais à vontade em
pagar um preço mais caro (hipótese sobre a qual tenho dúvidas), do
que oferecer mais um banco português pago regiamente com o nosso
dinheiro a um banco estrangeiro que o recebe de graça e ainda com um
bónus. Para além disso, percebe-se muito bem que o mecanismo de
“resolução”, que em condições normais atribuiria os custos da
falência do Banif aos outros bancos, já não está em Portugal em
condições de funcionar porque esses mesmos bancos não estão
dispostos ou não têm capacidade para suportar os custos da falência
de um “irmão” seu. No papel é muito bonito e aparentemente
justo, mas pura e simplesmente não funciona, como se viu no Banif e
se verá no Novo Banco, ou no banco que se segue.
O Banif falido
colocaria em causa a “confiança” no sistema financeiro, faria
estragos na economia das ilhas, provocaria mais desemprego no sector
bancário, onde ele é já elevado, perderia o estado o dinheiro que
lá colocou numa decisão que o governo anterior tem que explicar
muito explicadinha? Acredito que sim, várias destas consequências
negativas verificar-se-iam, mas os depósitos até 100.000 euros
seriam honrados, acima disso seriam perdidos. Não sei quem retirou o
dinheiro no dia negro que se seguiu à “notícia” da TVI, mas
acredito que muitos estariam na condição de ter mais de 100.000
euros, porque se há coisa que as pessoas hoje “sabem” é do
risco de perderem o dinheiro que têm nos bancos.
Não penso também
que a solução encontrada garanta os postos de trabalho em termos
significativos, nem que as agências nas ilhas e emigração se
mantenham como estão e que o Santander seja muito sensível à
“economia” dos Açores e da Madeira. É um pouco como os acordos
com os compradores da TAP, como aconteceu já com outras empresas
privatizadas: tudo é prometido, para aquietar as dúvidas nas vendas
a privados, e depois pouco é realizado.
Não sou contra as
privatizações, mas há interesses nacionais que só o carácter
público garante, até porque para uma empresa privada não são
rentáveis e esse mesmo critério não existe numa empresa pública.
Sim, os contribuintes pagam para haver bancos portugueses na
Venezuela, para haver voos para a Guiné-Bissau, como pagam o
Instituto Camões e a RTP África, porque se considera que o
“superior interesse nacional” assim o exige e o Estado não é
uma empresa.
Já tenho todas as
dúvidas que o argumento da “confiança” no sistema financeiro,
seja válido. Perguntem aos emigrantes que colocaram as poupanças de
uma vida no BES, e cujas biografias não são distintas dos emigrados
da Madeira na África do Sul, se têm muita confiança no sistema
financeiro. A “confiança” do sistema financeiro já anda pelas
ruas da amargura e a transparência de uma falência a sério de um
banco podia ajudar mais do que prejudicar.
Há muita coisa a
esclarecer no que aconteceu ao Banif, mas parece-me difícil evitar a
constatação de que Passos, Portas e Maria Luís Albuquerque, com a
colaboração de um Banco de Portugal que nunca esteve tão encostado
a um governo como com o actual Governador, fizeram uma gestão danosa
que nos vai custar caro. Infelizmente está a acontecer o que previ,
de que as privatizações e as operações com a banca, seriam para o
governo Passos-Portas o equivalente das PPP e contratos swap no
governo Sócrates.
O governo de António
Costa fez bem em ser expedito, mas as críticas que o BE e o PCP e
muitos portugueses lhe fazem de não ter rompido com os privilégios
especiais da banca pagos com o erário público, têm sentido. Ficou
a promessa de que será o último caso e, quando o Novo Banco
regressar à mesa do orçamento, espero bem que não se repita o que
se passou com o Banif.
Tudo isto, não é
“técnica”, nem emanação da “realidade”, é política. O
que foi feito no governo Passos-Portas e no governo Costa com o
Banif, é o resultado de opções políticas e, ao sê-lo,
ideológicas. Mas qual é o problema? Acaso em democracia duas
pessoas identicamente informadas decidem o mesmo? Não, decidem de
forma diferente, conforme os seus interesses, a sua visão do mundo,
a sua… ideologia. Ainda bem.
É que para sairmos
desta lama que nos tolhe temos que pensar diferente, falar diferente,
e fazer diferente. Nem que seja pouco diferente, visto que, como isto
está, basta um pouco de diferença para parecer uma revolução. Por
isso, ó ideólogos, valia a pena ser mais economicamente liberal com
os bancos e menos com as pessoas, mas isso hoje parece radicalismo.
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