Banif
perdeu 900 milhões em depósitos numa semana. Guia para a queda do
banco
Uma
síntese de tudo o que deve saber sobre o Banif. Um banco cuja
situação se arrastou anos, encurralado pelos riscos no balanço e
uma Comissão Europeia que sempre quis a sua venda a um banco maior.
Ana Suspiro
Edgar Caetano
David Dinis
21/12/2015,
OBSERVADOR
O Banif perdeu cerca
de 900 milhões de euros em depósitos na semana frenética que
começou com uma notícia, entretanto corrigida, de que o banco ia
“fechar” e que os depósitos estavam em risco. E que terminou com
a medida drástica da resolução bancária, que levará ao fim desta
marca histórica da banca nacional, o Banco Internacional do Funchal.
Perante a degradação
acelerada da situação de liquidez, o Banco Central Europeu deu
ordens para retirar ao Banif o estatuto de contraparte do sistema
financeiro europeu, uma medida que produzia efeitos esta
segunda-feira. Um guião semelhante ao que conduziu em agosto de
2014, também anunciado de forma dramática no domingo à noite, à
resolução do Banco Espírito Santo.
O Banco de Portugal
reconheceu logo no domingo que a situação de liquidez de Banif
tinha “sofrido uma degradação muito acelerada nos últimos dias”,
com “consequentes riscos para a manutenção do seu fluxo normal de
pagamentos e satisfação das suas responsabilidades para com os
clientes”.
Sabe-se entretanto
(pela deliberação do Banco de Portugal) que o banco foi declarado
em risco ou em situação de insolvência no sábado, quando seguiu o
convite para o Santander e o Popular apresentarem ofertas
vinculativas. Só o Santander Totta o fez no prazo.
A resolução do
banco, que implica para os contribuintes custos pesados (que poderão
ser mitigados no futuro), foi o culminar de um processo que se
arrastava há quase três anos e que sempre teve do outro lado, em
Bruxelas, uma Comissão Europeia irredutível na opinião de que o
Banif não tinha viabilidade e deveria ser integrado num banco maior.
Caminhada (a passos
largos) para o precipício
No final de setembro
de 2015 o Banif tinha 6.182 milhões de euros em depósitos, mais
1.700 milhões em outros recursos de clientes fora de balanço, num
total que superava os oito mil milhões de euros. Já na altura se
tratava de uma queda de quase 5%, que contrastava com a tendência de
aumento dos depósitos nos outros bancos do sistema. A partir de
outubro, contudo, a situação do Banif chegou a um ponto de
ebulição. O Santander Totta revela que recebeu depósitos
(presume-se que inclui recursos de clientes nesta rubrica) no valor
de seis mil milhões de euros.
Vendo-se envolvido
na discussão política do pós-eleições, as dificuldades do Banif
começaram a sentir na bolsa de valores, com as ações a acumularem
várias sessões consecutivas de quedas na ordem dos dois dígitos. O
sangramento de depósitos terá acelerado logo a partir da segunda
quinzena de outubro, mas escalou para uma hemorragia a partir da
semana passada, depois da polémica notícia da TVI de que o banco
iria fechar. Segundo apurou o Observador, na semana após essa
notícia o Banif perdeu cerca de 900 milhões de euros, um perda
incomportável para um banco da dimensão do Banif.
O governo anterior,
sobretudo nos últimos dois anos, procurou sempre encaminhar o
problema para o Banco de Portugal e deu pouca importância às
negociações com a DGCom. À medida que se sucediam os oito planos
de reestruturação chumbados (número confirmado já por Maria Luís
Albuquerque), foi cada vez menor a proatividade do governo e cada vez
menor a paciência de Bruxelas. Má ideia, porque “abandonar a
negociação com a DGCom é perder a negociação com a DGCom. Como
se viu”, disse um especialista do setor financeiro ao Observador.
Banif podia ter
caído logo em 2013. Depósitos dificilmente sairiam imunes
A troika sempre foi
cética quanto à recapitalização do Banif e a Concorrência
europeia sempre duvidou dos planos de reestruturação, apesar de ter
aprovado a ajuda pública de forma temporária, ainda no tempo de
Vítor Gaspar. Nessa altura, em finais de 2012, caminhava-se para a
crise de Chipre, em que foi proposto um corte a todos os depósitos –
incluindo aqueles abaixo da linha sacro santa dos 100 mil euros.
Nessa altura, era
diretor adjunto da DGCom Gert-Jan Kooman, que liderou a proposta para
o bail in dos depósitos em Chipre. Fonte que acompanhou o processo
garante que, caso não tivesse havido essa aprovação provisória da
ajuda estatal ao Banif, teria havido um corte aos depósitos no Banif
logo nessa altura. Além disso, uma resolução do Banif, nessa
altura, poderia perturbar a recuperação da perceção de risco em
torno de Portugal. Recorde-se que no final de 2012 estava a
preparar-se a primeira emissão de dívida de longo prazo em mercado,
por parte de João Moreira Rato (presidente, então, do IGCP) e
também de outros bancos, que aconteceria logo dos primeiros dias de
2013.
Além disso, havia
que considerar a importância sistémica do Banif nas ilhas, onde
tradicionalmente as pessoas tendem a reagir de forma muito
imprevisível a momentos de incerteza na banca. E um terceiro ponto:
a perceção face ao Banif entre os emigrantes, que tendem a confiar
no banco para colocar as remessas, que se tornaram nessa altura uma
fonte importante de financiamento para a banca.
Que solução é
esta que foi encontrada?
Perante a pressão
do tempo e das instâncias europeias, a solução foi encontrada
dentro de muitos constrangimentos e com custos muito elevados para os
contribuintes, já reconheceu o primeiro-ministro.
A aplicação da
medida de resolução levou à separação do Banif não em duas, mas
em três partes: a operação bancária, com créditos e depósitos,
passou para o Santander Totta; os ativos imobiliários e algumas
participações e créditos de má qualidade serão transferidos para
uma sociedade veículo, a Naviget; outras participações sociais,
obrigações para com acionistas relevantes, obrigações de dívida
subordinada, entre outros, ficam no Banif, um banco em resolução
que ficará na esfera do Estado.
É para concretizar
este complexo desenho, cujas implicações ainda não se conhecem
totalmente, que entram as ajudas públicas que o Governo diz serem de
2.255 milhões de euros. A este valor junta-se ainda mais uma
garantia de quase 750 milhões de euros.
A fatia mais
importante deste envelope corresponde aos 1766 milhões de euros que
serão financiados diretamente pelo Estado e usados para
recapitalizar o Banif, ou o que sobra dele. Cerca de mil milhões
correspondem a injeções de capital necessárias para corrigir os
desequilíbrios contabilísticos que resultam do destaque dos ativos
que o Santander não quis comprar e que ficam na esfera pública.
Como estes ativos,
sobretudo imobiliário e créditos, têm imparidades associadas
(perdas), foi preciso transferir também capital para cobrir essas
imparidades, designadamente para o veículo que fica a gerir os
ativos de pior qualidade do Banif.
O ministro das
Finanças, Mário Centeno, manifestou esperança de que a exploração
destes ativos, sobretudo via venda, permita retornos que baixem o
esforço financeiro da resolução do Banif. Quanto maior for o nível
de perdas agora reconhecido, maior será o potencial ganho no futuro
e a Comissão Europeia impôs um haircut de 75% nos ativos que passam
para a sociedade veículo, o que faz com o que potencial de ganho
futuro com a venda seja mais animador.
O bolo contempla
ainda garantias da ordem dos 750 milhões de euros assumidas junto do
Santander Totta por conta dos ativos e passivos que este banco
recebeu, para salvaguardar perdas futuras eventuais face aos valores
a que foram transferidos. O preço de 150 milhões de euros pago pela
parte saudável do Banif já está está descontado no apoio público
anunciado pelo executivo.
Quem assume a
responsabilidade da decisão?
O Banco de Portugal
justifica-a com “as imposições das instituições europeias e a
inviabilização da venda voluntária do Banif”. A Comissão
Europeia diz que “as autoridades portuguesas e a Comissão
concordaram que, apesar da anterior recapitalização estatal, de 1,1
mil milhões em 2013, a viabilidade do Banif não poderia ser
restaurada”. Já António Costa diz que esta foi uma “opção do
governo e do Banco de Portugal” que é a que “melhor defende o
interesse nacional”.
Mas Costa acrescenta
que o arrastar da situação pelo anterior executivo “conduziu a
que as instituições comunitárias instassem as autoridades
nacionais a apresentarem até ao dia de hoje [domingo] uma solução,
sob pena de o Banif deixar de ter condições para operar no
mercado”.
O ministro das
Finanças denuncia: “Foram demasiados meses e demasiados
procedimentos inconclusivos, que não permitiram que esta situação
se fechasse, o que fez aumentar o custo da solução implementada
neste momento.”
O governo e os
partidos à esquerda vão procurar capitalizar politicamente esta
responsabilidade/culpa da coligação com uma comissão parlamentar
de inquérito ao Banif. A anterior ministra, Maria Luís Albuquerque,
garantiu já que estava consciente das dificuldades do banco e
recusou a tese de que adiou a operação por causa da venda do Novo
Banco.
O caso Banif fica
por aqui, como garantiu António Costa?
O primeiro-ministro,
António Costa, disse que “esta opção apresenta como vantagem o
facto de constituir uma solução definitiva para o problema, não
ficando o Estado português sujeito a perdas futuras ou dependente de
um incerto processo de venda do banco”. Costa garante que o
trabalho, a partir de agora, será feito no sentido da “recuperação
possível dos custos hoje assumidos”, isto para “não iludir os
contribuintes”.
Um especialista do
setor financeiro, ouvido pelo Observador, diz que é arriscado fazer
esta garantia de que o problema está resolvido, por muita folga que
se tenha previsto nesta operação para contingências. “Pode haver
reavaliações nos ativos que são transferidos para o veículo,
podem valer muito menos do que aquilo que estão avaliados, portanto
quando há uma transferência desses ativos significa que pode ser
necessário mais capital depois”, diz a mesma fonte.
Além disso, a
medida de resolução prevê que o Santander possa voltar a contactar
o Estado no sentido de renegociar a avaliação feita aos ativos que
comprou agora, algo que está previsto na garantia estatal autorizada
por Bruxelas.
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