domingo, 13 de dezembro de 2015

Frente Nacional. “Au revoir” ao euro, à NATO e a Schengen. Mas “salut” a quê?


Frente Nacional. “Au revoir” ao euro, à NATO e a Schengen. Mas “salut” a quê?

Tiago Palma
13 Dezembro 2015 / OBSERVADOR

O que quer afinal a Frente Nacional? Espreitámos o programa político de Le Pen, ponto por ponto. Um programa que é xenófobo, mas que traz também políticas anti-europeístas de extrema... esquerda.

Refundação Republicana
Política Estrangeira
Recuperação Económica e Social
Futuro da Nação
Autoridade do Estado

Le Pen. Politicamente, Marine e Jean-Marie partilham um apelido. Pouco mais. Pelo menos hoje.

Jean-Marie é xenófobo, racista, um acérrimo anti-europeísta, profundamente populista, mas nem sempre popular. Foi ele que criou a Frente Nacional [FN] em meados de 1972. Um partido saudosista da França de Vichy. Uma França de que nenhum francês, à direita ou esquerda política, sentirá saudades. Mas ele, Jean-Marie Le Pen, sim, sentia. E assumia-o.

Nas décadas de 1970 e 1980 a FN de Le Pen era um micro-partido. Insignificante politicamente. Foi a polémica (e o seu polémico líder) que fizeram de um partido que nunca ultrapassou o ponto percentual nas eleições em França, um partido que em 2002 deixou a França e a Europa boquiabertas – curiosamente, como hoje Marine, a filha, deixa também.

Marine é anti-europeísta e anti-imigração como o pai, a FN é hoje como no começo um partido de extrema-direita, mas o discurso moderou-se. Muito. Jean-Marie deu visibilidade a um pequeno partido. Marine está a fazer dele um partido triunfador

Le Pen sempre foi candidato às Presidenciais francesas. Uma e outra vez. E foi-o pela primeira das vezes em 1974, nos primeiros anos de partido. Nunca chegou sequer à segunda volta das eleições. Nunca, até abril de 2002. Nesse ano não só derrotou (e quão estrondosa foi essa derrota) o então primeiro-ministro e líder socialista Lionel Jospin, como defrontaria, a dois, o seu arquirrival político de sempre e candidato da UMP, Jacques Chirac. Na primeira volta, Le Pen (17%) aproximou-se perigosamente de Chirac (20%) e isso foi o toque a reunir da esquerda e do centro-direita. À segunda volta, e com o apelo do Partido Socialista [PS] ao voto no então chefe de Estado cessante, a vitória de Jacques Chirac foi inequívoca.

O partido que hoje é liderado pela filha de Jean-Marie é diferente do seu. Marine é anti-europeísta e anti-imigração como o pai, a FN é hoje como no começo um partido de extrema-direita, mas o discurso moderou-se. Muito. Jean-Marie deu visibilidade a um pequeno partido. Marine está a fazer dele um partido triunfante, quer se goste quer não, tema-se ou não a ascensão da extrema-direita ao poder.

E não precisa mais da sombra do pai. Aliás, dispensa-a. O comité executivo da FN suspendeu em maio o seu pai-fundador. Uma decisão que surgiu depois de Jean-Marie, então e como sempre, ter dito do Holocausto que não foi se não um “detalhe” na Segunda Guerra Mundial. Marine disse do próprio pai que era um “provocador” e que discordava dele.

O partido de extrema-direita venceu em seis das 13 regiões francesas.Os socialistas venceram em duas regiões e o Les Républicains [LR] de Sarkozy, quatro.

Marine Le Pen venceu as eleições Europeias em maio de 2014. Antes, em março, a FN obteve quatro Câmaras e uma votação de 7% nas eleições Locais francesas. Em setembro desse mesmo ano, nas eleições para o Senado, a FN elegeria dois representantes para a Câmara Alta do Parlamento francês – “uma vitória histórica”, como a própria líder a apelidou e que nem Jean-Marie havia conseguido nos seus dias de política. Por isso, os resultados da FN de Marine Le Pen na primeira volta das eleições Regionais, no último domingo, só surpreenderam os desatentos – o clima de insegurança e medo que se vive em França após os ataques terroristas de Paris, a 13 de novembro, terão contribuído (a campanha para as Regionais foi suspensa no sábado, 14) para o crescimento da FN nas urnas, o descontentamento dos franceses para com François Hollande ou Nicolas Sarkozy também, mas isso não explica tudo; há muito trabalho político a explicar esta ascensão.

O partido de extrema-direita venceu em seis das 13 regiões francesas. A saber: Provença-Alpes-Costa Azul (a neta de Jean-Marie e sobrinha de Marine, Marion Maréchal-Le Pen, é a candidata da FN nesta região), Midi-Pirinéus-Languedoque-Rosilhão, Alsácia-Lorena-Champanha-Ardenas, Centro-Vale do Loire, Norte-Passo de Calais-Picardia (que pode vir a ser presidida por Marine Le Pen) e Borgonha-Condado Franco. Os socialistas venceram em duas regiões e o Les Républicains [LR] de Sarkozy, quatro.

À extrema-direita o que lhe interessa verdadeiramente são as eleições Presidenciais de maio de 2017.

A segunda volta das eleições Regionais é este domingo – a menos que algum dos candidatos consiga mais de 50% dos votos na primeira, há sempre segunda volta – e a FN pode conseguir (ainda) mais regiões do que as seis de domingo passado.

É previsível que alguns dos partidos de esquerda que conseguiram mais de 10% dos votos (e seguiram por isso para a segunda volta) se coliguem, retirando ou tentando retirar a eleição à extrema-direita. E mais do que previsível, é certo que o PS de Hollande e do primeiro-ministro Manuel Valls se retirou da segunda volta em duas regiões, abrindo caminho a uma vitória do centro-direita. Ou não. É que Nicolas Sarkozy já anunciou que não se coligará com qualquer partido de esquerda caso não vença sozinho a FN na segunda volta.

Jean-Marie Le Pen foi derrotado (não só, mas também) pelo apoio de Jospin a Chirac. Marine, com socialistas e republicanos desavindos até na derrota, poderá aproveitar isso e tomar-lhes regiões que na primeira volta ficaram longe de estar resolvidas.

Politicamente, a vitória da FN foi tremenda. Aconteça o que acontecer este domingo, sê-lo-á sempre. Mas o poder regional é um poder relativo, chamemos-lhe assim. O que interessa verdadeiramente são as eleições Presidenciais de maio de 2017.

É verdade que a região de Norte-Passo de Calais-Picardia, a tal onde Marine venceu a primeira volta, é mais populosa do que 12 dos Estados-Membros da União Europeia e que tem um orçamento anual de 3,3 milhões de euros. Mas também é verdade que, fora a gestão não-docente das escolas, a organização dos transportes públicos, o apoio às PME e as políticas ambientais, nada ou quase nada Marine Le Pen poderá fazer de político neste seu novo poiso.

Daqui por ano e meio, nas Presidenciais de 2017, sim, poderá. O programa político da FN, que o Observador leu de ponta a ponta, todas as 106 páginas anti-europeístas (ou anti-UE), anti-imigração no limiar (ou para lá dele) da xenofobia, com propostas de revisão da Constituição e com uma mão-cheia de proposta a piscar o olho à extrema-esquerda, é um programa voltado sobretudo para o dia em que Le Pen chegar (se chegar) ao Palácio do Eliseu.

O programa político da FN está dividido em cinco áreas: "Autoridade do Estado", "Futuro da Nação", "Política Estrangeira", "Recuperação Económica e Social" e "Refundação Republicana".

Para evitar que chegue, mais do que desacreditarem a FN até maio de 2017, o PS de Hollande e o LR de Sarkozy vão aguardar que ela, FN, se desacredite a si mesma. É que nunca a extrema-direita dos Le Pen governou em França. Nem a de Marine nem a de Jean-Marie. E ser oposição (populista como Jean-Marie, ou assumidamente política como a de Marine) não é o mesmo que ser governante. Os olhos dos eleitores são mais atentos aos segundos do que aos primeiros. E também mais penalizadores dos segundos nas eleições seguintes.

O programa político da FN está dividido em cinco áreas: “Autoridade do Estado”, “Futuro da Nação”, “Política Estrangeira”, “Recuperação Económica e Social” e “Refundação Republicana”.

Na primeira delas, onde se discute a Defesa, o Estado, a Imigração ou a Justiça, aí, mais do que em qualquer das outras quatro áreas, distinguem-se os ideais de extrema-direita (sobretudo anti-imigração) que a FN defende. Mas em áreas como o “Futuro da Nação” ou a “Política Estrangeira”, os extremos tocam-se e o partido de Le Pen defende, como a extrema-esquerda o defende também, uma saída francesa da moeda única, um maior controlo do Estado (a FN fala de um “Estado forte”) sobre a economia ou uma saída da França da NATO — numa primeira fase seria só a saída do comando integrado, como aconteceu em 1966 com o general De Gaulle.

Mas a FN propõe igualmente uma reforma da Constituição francesa. Comecemos por aí. O partido de Marine Le Pen chama-lhe “Refundação Republicana”.

Refundação Republicana


Democracia
A FN é anti-europeísta. Sempre foi. E vê na União Europeia (e nos Tratados europeus) uma perda da soberania francesa.

“É necessária uma recuperação real da nossa República democrática. A Constituição mantém a sua superioridade sobre Tratados internacionais.” Mas para que essa “superioridade” não seja apenas palavras ocas, a FN propõe-se criar um ministério das Soberanias que seja “responsável pela coordenação, a nível técnico, da renegociação dos Tratados e da restauração de soberania nacional em todas as áreas onde desapareceu. É necessário reformar a Constituição para o retorno da democracia.” Aqui, fala-se pela primeira vez de reforma da Constituição. Mas vagamente. Para renegociar (ou até “rasgar”) Tratados europeus ou criar ministérios novos, não é necessário reformar a Constituição.

Adiante. Outra modificação na Democracia que a FN propõe é da eleição do Presidente da República. E com efeitos logo na eleição Presidencial seguinte à de 2017. Propõe a extrema-direita que o mandato no Eliseu não seja renovável, por um lado, mas que dure sete e não cinco anos, por outro. “Esta será uma garantia de honestidade e eficiência na política do Chefe de Estado. Este deve agir apenas de acordo com os seus compromissos para com os franceses e não com vista a uma reeleição.”

A Constituição, a ser reformada, sê-lo-ia no Parlamento. Mas a FN de Marine Le Pen quer alterar isso. “Somente as pessoas serão capazes de desfazer o que as pessoas fizeram.” Quer isto dizer que a extrema-direita pretende que, “no futuro”, as reformas na Constituição sejam referendadas. Todas. Até esta.

Por último, a FN, “evitando conflitos de interesse”, propõe no seu programa político que “cada nomeação política ou administrativa seja investigada” cuidadosamente. “A experiência profissional de cada um, começando com os Ministros, será examinada por uma alta instância de prevenção de conflitos de interesse.” Uma alta instância que será nomeada por… altas instâncias: os presidentes do Senado e da Assembleia.

Laicidade
A França é um Estado laico. Como Portugal é. Mas a FN quer “reforçar” essa laicidade. E quer reforçá-la na Constituição. O mesmo será dizer que, direta ou indiretamente, mais ou menos sub-repticiamente, o partido de Le Pen quer acabar com os cultos religiosos.

O partido de extrema-direita socorre-se no seu programa político da Constituição, que diz: “A República garante a liberdade de consciência. Ela garante o livre exercício da religião.” Mas o que a FN quer que lá se diga é: “A República não reconhece qualquer comunidade.”

Para garantir a aplicação de uma política “coerente e nacional” de proteção e promoção do laicismo, será criado (assim a FN seja eleita em 2017) um “Ministério do Interior, Imigração e Laicismo”. Contudo, a França que hoje garante o livre exercício de religião, não o garantirá mais com a FN no poder. Ou pelo menos não apoiará mais esse livre exercício de religião. Porquê?

Lê-se no programa político: “Será posto termo a todas as práticas discriminatórias existentes em todas as estruturas públicas (ou que são financiadas pelo menos em parte por fundos públicos), tais como piscinas, centros de saúde ou cantinas escolares. Todos os contratos de arrendamento — ou outras facilidades concedidas aos cultos — serão proibidos. Os fiéis terão que construir os seus lugares de culto com seu próprio dinheiro, seja qual for a religião em questão. Para limitar a infiltração de uma ideologia político-religiosa, não será possível utilizar o dinheiro vindo do exterior. Subsídios públicos para associações comunitárias serão banidos.”

Política Estrangeira


Europa
Nada nem ninguém fica por adjetivar na Europa que a FN rejeita.

O Banco Central Europeu é “déspota”. O Parlamento Europeu é o “fantoche” de uma Comissão Europeia que “não foi escolhida” pelos franceses. A Política Agrícola Comum “marginalizou” a agricultura. A moeda única (a par do Acordo de Schengen) “destruiu” milhões de empregos. E o BCE? “O BCE luta conta a inflação, mas não salvaguarda os empregos.” A União Europeia está hoje, aos olhos da FN, “totalmente pervertida na sua finalidade”. Que é como que diz: Au revoir, Europe.

“A França quer ter o controlo das próprias fronteiras, de preferência dentro de uma livre associação de Estados europeus que partilham a mesma visão que nós [é a primeira e única referência às restantes extremas-direitas europeias no programa político da FN] e os mesmos interesses sobre temas como a imigração. A França quer controlar a sua moeda e política monetária.”

Controlar a moeda significa, para a FN, abandonar o euro e retornar ao franco. Como? “O euro é um instrumento de uma ideologia ultraliberal e da globalização dos interesses do setor financeiro. A crise do euro tem arruinado a Grécia e Portugal, e ameaça seriamente a Itália, Espanha e a Bélgica. A França e os seus parceiros europeus devem preparar-se para o retorno às moedas nacionais. E devem preparar-se com uma desvalorização competitiva. É altura de lançar as bases de uma Europa que respeite a soberania popular, as identidades nacionais, as línguas e as culturas.”

Tudo isto, do abandono da moeda única ao “rasgar” de Tratados europeus será “coordenado e negociado pelo novo ministério das Soberanias”.

Recuperação Económica e Social


Agricultura
O partido de Marine Le Pen quer implementar uma “nacionalização” na política agrícola. Mas, mais do que nacionalizar o setor, a FN quer, isso sim, e também aqui, afastar-se da União Europeia. Como? Desde logo, fechando as fronteiras. “O patriotismo agrícola será a regra. As importações devem ser limitadas a produtos nos quais o nosso país não é autossuficiente.”

A extrema-direita vê na agricultura — e talvez aqui não se distancie tanto assim da extrema-esquerda — um setor “estratégico e vital” para França. “É-o tão ou mais do que o setor da energia. Mas ao contrário do que sucedeu na política energética, a França perdeu quase completamente o controlo sobre a sua política agrícola.”

A culpa? É da União Europeia, acusa a FN: “A França perdeu o controlo sobre a sua política agrícola em favor de uma Europa burocrática. A França não pode continuar a abdicar da sua soberania neste setor, comprometendo seriamente o interesse nacional. É preciso abandonar a Política Agrícola Comum em favor da PAF [Política Agrícola Francesa]. A França vai financiar esta nova política com a redução da sua contribuição para o orçamento da União Europeia.”

Recorde-se que a França é hoje, e desde há muito, o segundo maior contribuinte líquido para o orçamento da União Europeia, logo atrás da Alemanha.

Mas a Política Comum das Pescas também será deitada ao mar pela FN se chegar ao poder em 2017. Não literalmente, mas nos Tratados. “O sistema de quotas existente na União Europeia, apoiado por um conceito liberal de partilha de recursos, não permite um acompanhamento adequado dos recursos disponíveis, uma vez que é aplicado a áreas muito grandes e com total falta de flexibilidade. Temos a intenção de substituí-lo por um sistema baseado na sazonalidade e na seleção dos modos de capturas, mais fácil de implementar, de mudar e, acima de tudo, menos restritiva para os pescadores.”

A França quer gerir a sua Zona Económica Exclusiva sem que a União Europeia seja tida nem achada e assinar, ela própria, acordos bilaterais com Zonas Económicas Exclusivas não-francesas, mas onde “os navios de pesca franceses estão tradicionalmente presentes”.

Euro
Da moeda única falou-se quando se falou de Europa. Mas há um subcapítulo deste programa político inteiramente dedicado ao euro. Ou à saída do euro. A FN vê na moeda um “fracasso total”. Isto, “apesar da cegueira de Bruxelas e de Frankfurt, que se recusam admitir o óbvio: o euro vai desaparecer”.

A Zona Euro é, desde a criação da moeda única, a região do mundo com menor crescimento. O partido de Le Pen afirma ser “insuportável” continuar, por isso, a mantê-la.

E fica um aviso: fechou-se a torneira para resgates. “Se amanha a Itália ou Espanha precisarem de ajuda financeira, nenhum país europeu terá como pagar esse resgate. Nem mesmo os países europeus economicamente mais fortes. A França deve recusar-se a aplicar políticas de austeridade sem esperança em nome da preservação de uma moeda que sufoca a Europa. Estes planos de austeridade sucessivos deram sempre o mesmo resultado: perderam as classes trabalhadoras e médias, os pensionistas, os funcionários públicos e as PME. A França deve, portanto, vetar os resgates desnecessários e ruinosos. O dinheiro francês deve permanecer em França.”

O programa político não vê na saída do euro “uma catástrofe como a que é descrita pelos ideólogos e demais fanáticos” da moeda única. A solução é uma “desvalorização competitiva” do franco, o que irá “oxigenar” a economia e “retomar a prosperidade”. Ou isso, ou a França “estará condenada a uma morte lenta”.

Mas a saída do euro exige do Estado mais medidas. É pelo menos isso que sugere a FN. “Será necessário adotar medidas para controlar os movimentos especulativos de capitais. Os bancos estarão sujeitos a uma nacionalização parcial, e enquanto for necessário, para proteger as poupanças dos franceses.”

A reintrodução do franco irá acontecer, garante, a par com a restauração dos poderes do Banque de France.

Futuro da Nação


Escola
A Frente Nacional é aqui, e pela primeira vez no programa político, critica não só em relação a Hollande como a Sarkozy. Ao segundo acusa-o de ter “suprimido escolas e professores numa perspetiva puramente contabilística”. Quanto ao atual Presidente da República, a FN promete reverter a decisão socialista de fechar escolas com menos de 200 alunos. “As megaestruturas não têm necessariamente sucesso”, alerta.

A imigração está aqui presente como em quase todo o programa político. Aos pais de alunos que, sendo imigrantes legais, não sejam fluentes em francês, será obrigatório frequentar aulas de francês.

Por outro lado, a FN assegura que haverá uma “neutralidade religiosa, mas também política” nas escolas. E essa neutralidade será aplicada com “firmeza”, diz. “A disciplina será nas escolas o valor central. A tolerância é zero contra a violência e, temporariamente ou não, todas as escolas terão um detetor de metais.” A insegurança nas escolas aumenta cerca de 10% ao ano em França, segundo o Observatório Nacional do Crime francês.

O Ministério da Educação publicou, em janeiro de 2009, os resultados de um exame realizado em 1987 e 2007 a 4 mil alunos em França. “Os resultados são claros: quando os estudantes davam, em média, 11 erros por ditado em 1987, são agora 15 no mesmo ditado.”

A prioridade irá, por isso, para a aprendizagem do francês, mas também do cálculo matemático. “O número de horas de ensino nestas duas áreas tem vindo a diminuir. O número de horas dedicadas ao francês era, em 1976, de 2800 horas no final da faculdade. Em 2004, foi de 2000 horas.” A história da França vai também “recuperar o seu lugar no coração da aprendizagem”, garante a FN.

Família
Nicolas Sarkozy, o líder do centro-direita em França, é fortemente atacado aqui pela FN.

“Em 2007, Sarkozy comprometeu-se solenemente a fazer da família uma prioridade. Não o fez. O INSEE [Institut National de la Statistique et des Études Économiques] diz-nos que a taxa de natalidade é hoje de 2,02 filhos por mulher, 52% deles nascidos fora do casamento. Mas se só se tiver em consideração os filhos de mães com nacionalidade francesa, a taxa natalidade cai para 1,8 filhos. Em 2010, em 832.799 nascimentos, só 667.707 é que eram filhos de pais franceses.”

A FN quer estabelecer “uma verdadeira política de natalidade”, garante. As mães (ou os pais) poderão escolher livremente entre o exercício de uma profissão e a educação dos seus filhos. Aos que escolherem a segunda, ser-lhe-á paga uma renda equivalente a 80% do salário mínimo durante 3 anos a partir da segunda criança e 4 anos a partir do terceiro filho. Haverá também uma redução da idade da reforma para mães que tiveram pelo menos três filhos ou que tenham uma criança deficiente a seu cuidado.

Por outro lado, os abonos de família em agregados em que só um dos pais é que é francês, “serão reavaliados”.
Nos casos em que se provar que houve “abuso” na utilização dos abonos, “estes devem ser parcial ou totalmente retirados à família por decisão judicial”.

Saúde
Esperava-se da FN que tivesse políticas xenófobas, sim. Mas não na saúde.

No ano de 2000, o ex-primeiro-ministro francês Lionel Jospin criou o Estado de Assistência Médica [AME], reservado exclusivamente aos imigrantes ilegais ou por legalizar. Em 2015, e muito em consequência da crise migratória na Síria ou na Eritreia, o orçamento do AME ultrapassou pela primeira vez os 600 milhões de euros no Orçamento do Estado. “O AME vai ser excluído. E é necessário estabelecer um período de espera de um ano de residência contínua em França e de contribuição antes de o imigrante receber todos os benefícios da Previdência Social”, lê-se no programa político.

Os gastos com saúde em França representam cerca de 11% do PIB. A extrema-direita quer cortar na despesa, mas deseja, ainda assim, um serviço de saúde universal e tendencialmente gratuito: “O buraco na Segurança Social é uma ameaça à sustentabilidade do nosso sistema de saúde. Mas a saúde é um bem precioso que não deve ser reservado só àqueles que podem pagar por ela. Queremos racionalizar a despesa e lutar contra os abusos. A luta contra a fraude na Saúde deve permitir reduzir para metade os gastos dentro de quatro ou cinco anos. A poupança será de 15 mil milhões de euros.”

Um serviço que se quer universal pressupõe garantir a cobertura territorial completa na prestação de cuidados de saúde. Mas nem sempre é assim. E França não é exceção. “Há um deserto de médicos. É preciso revitalizar as zonas rurais; é preciso uma política de ordenamento mais harmoniosa.”

Autoridade do Estado


A French gendarme enforcing the Vigipirate plan, France's national security alert system, is pictured on November 19, 2015 in front of the Notre-Dame cathedral in Paris. France revealed on November 19 it will spend an extra 600 million euros (USD 641 million) next year to ramp up security after the Paris attacks. President Francois Hollande announced this week that France is freezing plans to cut troop numbers through 2019. At the same time, the country will add 8,500 law enforcement jobs including 5,000 new police. AFP PHOTO / JOEL SAGET (Photo credit should read JOEL SAGET/AFP/Getty Images)
JOEL SAGET/AFP/Getty Images

Defesa
Nunca o investimento na Defesa em França foi tão baixo como é hoje: decresceu de 3,6% do PIB no final da década de 1980 para 1,6% em 2015. Mas, apesar de tudo, e de um corte de 3,6 mil milhões de euros na Defesa em 2014, o Estado continua a destacar anualmente cerca de 12.500 militares para missões fora do território francês, todas ou quase todas elas ligadas à NATO.

“São missões perigosas e nas quais o interesse nacional não é óbvio”, critica a FN no seu programa político. E são tanto mais perigosas quanto maior é o desinvestimento. A extrema-direita de Marine Le Pen acusa: “O orçamento para 2009-2020 seria de 377 mil milhões de euros, mas tem previsto um corte de 25 mil milhões. A redução de militares será de 54 mil dentro de cinco anos, o que representa 17% de todos os nossos militares. Há contratos que não serão renovados, os nossos equipamentos estão obsoletos e isso põe em risco os nossos soldados.”

O partido de Le Pen, que diz que “não pode haver uma grande nação sem um grande exército”, quer reforçar o orçamento da Defesa ao longo de cinco anos, chegando este a 2% do PIB se necessário, por forma a “modernizar equipamento e reter militares”.

A extrema-direita quer também a “independência militar” da França e isso implicará a deixar o comando integrado da NATO (tal como aconteceu em 1966, sob a presidência do general Charles de Gaulle; em 2009, por decisão de Nicolas Sarkozy, a França regressou ao comando integrado 43 anos depois), mantendo-se no entanto como membro da organização. Até ver.

O programa político da FN prevê ainda organizar uma “Guarda Nacional com 50 mil reservistas, homens e mulheres, em todo o território francês”. E quer revitalizar os setores da industria ligados à Defesa, em cooperação com parceiros europeus, “nomeadamente a Rússia”.

Recorde-se que a campanha da FN para as eleições Regionais foi financiada em cerca 9 milhões de euros pelo banco moscovita First Czech-Russian Bank.

Estado Forte
Uma vez mais, os dois extremos políticas, direita e esquerda, tendem a cruzar-se. O programa político de Marine Le Pen exige um “Estado forte, interventivo, não só na prestação de serviços públicos como a educação, a segurança social ou a saúde” mas também — e aqui fica um “exclusivo FN” — “um Estado que unifique a nação, combatendo [a expressão utilizada, e traduzindo-a à letra, é “aniquilando”] a tribalização de França”.

A FN critica uma “descentralização” da economia, que começou com François Mitterrand, em 1981, e que “privou o Estado” de setores estratégicos. “Esta descentralização cria um fosso entre a França e os franceses. O UMP e o PS dizimaram durante três décadas a nossa economia, liberalizando áreas que não podem ser liberalizadas e privatizando todos os serviços públicos.”

Hoje, acusa a FN, a França “está na mão dos bancos e dos grandes grupos” económicos, cujo lobby “influenciou decisões políticas e encorajou à corrupção”. E termina: “Só um Estado forte é um Estado livre.”

Mas a França da FN de Le Pen quer ser uma sociedade “igualitária e meritocrática”. Como? Não desenvolve. Como desenvolve muito pouco em todo o programa político. Mas também garante que haverá uma nacionalização em massa da economia e, com isso, uma “fixação total das tarifas para famílias e empresas” em setores como a energia e os transportes. E quando a questão que se levanta é: mas quanto é que vai investir nisso? Quanto é que se vai gastar? Este é um programa que de números só tem (quase sempre) os que critica. Não os que propõe.

Por último, e falando de “Estado forte” na ótica da extrema-direita, “todos os edifícios públicos franceses devem ter hasteada a bandeira”. A bandeira da União Europeia, por sua vez, será banida.

Imigração
Haverá quem, mais à direita e menos ao centro, quem mais desiludido com a esquerda vote na FN. Ou até quem se identifique com alguns dos ideais defendidos. Mas quando o tema é imigração, por tanto que a linguagem política adotada por Marine Le Pen (em oposição à do pai, Jean-Marie) disfarce a xenofobia, esta é mais do que explícita.

É aqui, na imigração, que a FN mais se distancia das políticas de direita de Sarkozy e mais ainda das de esquerda de Hollande. Que acusa, sobretudo Sarkozy, de ter “traído os franceses quando lhes prometeu uma política de emigração forte”, relembrando que “não há memória na 5.ª República de uma política tão frouxa”. E termina: “Muitos franceses votaram nele [Sarkozy] para que reduzisse a imigração em França. Não só não reduziu, como aumentou. Sobretudo a ilegal.”

A Primavera Árabe, primeiro, e a crise dos refugiados nos últimos meses, agravaram mais ainda a imigração ilegal para França. Segundo dados do ministério do Interior francês, foram emitidas 203 mil autorizações de residência em 2010, mais 28 mil do que em 2009 e 78% a mais do que em 2000. Isto antes destes dois grandes fluxos migratórios dos últimos anos.

E quem é que beneficia com isto? As grandes empresas, garante a FN. “Os trabalhadores franceses perdem nos salários e nos direitos sociais por causa da mão-de-obra estrangeira, ilegal e barata. A imigração não é um projeto humanitário, mas uma arma ao serviço do grande capital.” Sim, leu bem, a extrema-direita fala em “grande capital”. Aqui os extremos voltam a tocar-se. Mas só mesmo aqui, quanto à imigração.

A FN fala a seguir, e como não podia deixar de ser, da ameaça da islamização de França e da perda da identidade nacional. “A imigração é um veneno contra a coesão nacional.” Então, como combatê-la — na ótica, claro, da extrema-direita?

A FN garante ser uma “luta implacável” a que travará contra a imigração que é ilegal, a qual culpabiliza (não só a ilegal, mas também a legal) pela tal islamização da sociedade francesa. “É preciso agilizar a expulsão automática dos estrangeiros ilegais em França. Em termos de migração legal, o objetivo é acolher no máximo cerca de 10 mil estrangeiros por ano.” E como vão conseguir fazê-lo? Reduzindo drasticamente as autorizações de residência emitidas. Os imigrantes legais, por sua vez, que estão desempregados há mais de um ano, também terão que abandonar o país. E a FN promete estar especialmente atenta aos “casamentos de conveniência” entre franceses e estrangeiros, que são cerca de 40 mil por ano.

Por último, a França abolirá, assim Le Pen vença as Presidenciais de 2017, o Acordo de Schengen e assumirá o controlo das suas fronteiras. Ah, e vai remover, do direito francês, a possibilidade de regularizar os ilegais. Não concorda? “Todas as manifestações clandestinas a favor da imigração serão banidas.”

Justiça
A FN faz uma interrogação no seu programa político: “Como conceber uma sociedade civilizada sem justiça?” E responde em seguida que “não é uma sociedade se não pudermos deixar o carro estacionado na rua sem que seja vandalizado ou roubado, onde nos barricamos atrás de quatro paredes e de alarmes, onde os bombeiros são espancados e os polícias mortos com espadas, onde a lei religiosa é impostas uns aos outros, essa é uma sociedade onde a coabitação não é possível”.

Para fazer face a esta realidade, “é preciso justiça e juízes respeitados”. Hoje, o orçamento para a Justiça é de 7 mil milhões de euros. Ou seja, 0,18% do PIB francês. “Um orçamento que é, por exemplo, inferior ao do Azerbaijão em termos de esforço na Justiça”, altera o partido de Marine Le Pen.

Em França há 8.355 juízes que despacham anualmente 4,7 milhões de casos criminais, 2,6 milhões de casos civis e comerciais e 9 milhões de casos de multas. Em média, são 12 juízes por cada 100 mil habitantes. Procuradores são 2,9 por cada 100 mil franceses. “Pior, só a Bulgária”, relembra o programa político da FN.

E há ainda o problema da sobrelotação das prisões: há 56 mil lugares para cada 64 mil presos. Uma situação que qualificam de “perigosa e desumana”, e que condena os presos “não à detenção, mas à humilhação”.

A FN enumera o baixo número de juízes, mas critica-lhes a frouxidão. Assim mesmo: “Frouxidão”. E explica: “As sentenças inferiores a dois anos só raramente são executadas pelos juízes. E são 80 mil das sentenças anuais em França.”


E quanto aos menores que cometam um crime? “A situação específica dos menores é extremamente preocupante: as leis não são adaptadas a um crime que começa cada vez mais cedo. Temos de fazer de tudo para que o pequeno criminoso não se torne grande.” Como? “Culpabilizando os pais. Ou retirando o jovem do ambiente onde vive.” Para onde, é que o programa político da FN não diz.

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