Frente
Nacional. “Au revoir” ao euro, à NATO e a Schengen. Mas “salut”
a quê?
Tiago
Palma
13
Dezembro 2015 / OBSERVADOR
O
que quer afinal a Frente Nacional? Espreitámos o programa político
de Le Pen, ponto por ponto. Um programa que é xenófobo, mas que
traz também políticas anti-europeístas de extrema... esquerda.
Refundação
Republicana
Política
Estrangeira
Recuperação
Económica e Social
Futuro da Nação
Autoridade do Estado
Le Pen.
Politicamente, Marine e Jean-Marie partilham um apelido. Pouco mais.
Pelo menos hoje.
Jean-Marie é
xenófobo, racista, um acérrimo anti-europeísta, profundamente
populista, mas nem sempre popular. Foi ele que criou a Frente
Nacional [FN] em meados de 1972. Um partido saudosista da França de
Vichy. Uma França de que nenhum francês, à direita ou esquerda
política, sentirá saudades. Mas ele, Jean-Marie Le Pen, sim,
sentia. E assumia-o.
Nas décadas de 1970
e 1980 a FN de Le Pen era um micro-partido. Insignificante
politicamente. Foi a polémica (e o seu polémico líder) que fizeram
de um partido que nunca ultrapassou o ponto percentual nas eleições
em França, um partido que em 2002 deixou a França e a Europa
boquiabertas – curiosamente, como hoje Marine, a filha, deixa
também.
Marine
é anti-europeísta e anti-imigração como o pai, a FN é hoje como
no começo um partido de extrema-direita, mas o discurso moderou-se.
Muito. Jean-Marie deu visibilidade a um pequeno partido. Marine está
a fazer dele um partido triunfador
Le Pen sempre foi
candidato às Presidenciais francesas. Uma e outra vez. E foi-o pela
primeira das vezes em 1974, nos primeiros anos de partido. Nunca
chegou sequer à segunda volta das eleições. Nunca, até abril de
2002. Nesse ano não só derrotou (e quão estrondosa foi essa
derrota) o então primeiro-ministro e líder socialista Lionel
Jospin, como defrontaria, a dois, o seu arquirrival político de
sempre e candidato da UMP, Jacques Chirac. Na primeira volta, Le Pen
(17%) aproximou-se perigosamente de Chirac (20%) e isso foi o toque a
reunir da esquerda e do centro-direita. À segunda volta, e com o
apelo do Partido Socialista [PS] ao voto no então chefe de Estado
cessante, a vitória de Jacques Chirac foi inequívoca.
O partido que hoje é
liderado pela filha de Jean-Marie é diferente do seu. Marine é
anti-europeísta e anti-imigração como o pai, a FN é hoje como no
começo um partido de extrema-direita, mas o discurso moderou-se.
Muito. Jean-Marie deu visibilidade a um pequeno partido. Marine está
a fazer dele um partido triunfante, quer se goste quer não, tema-se
ou não a ascensão da extrema-direita ao poder.
E não precisa mais
da sombra do pai. Aliás, dispensa-a. O comité executivo da FN
suspendeu em maio o seu pai-fundador. Uma decisão que surgiu depois
de Jean-Marie, então e como sempre, ter dito do Holocausto que não
foi se não um “detalhe” na Segunda Guerra Mundial. Marine disse
do próprio pai que era um “provocador” e que discordava dele.
O
partido de extrema-direita venceu em seis das 13 regiões
francesas.Os socialistas venceram em duas regiões e o Les
Républicains [LR] de Sarkozy, quatro.
Marine Le Pen venceu
as eleições Europeias em maio de 2014. Antes, em março, a FN
obteve quatro Câmaras e uma votação de 7% nas eleições Locais
francesas. Em setembro desse mesmo ano, nas eleições para o Senado,
a FN elegeria dois representantes para a Câmara Alta do Parlamento
francês – “uma vitória histórica”, como a própria líder a
apelidou e que nem Jean-Marie havia conseguido nos seus dias de
política. Por isso, os resultados da FN de Marine Le Pen na primeira
volta das eleições Regionais, no último domingo, só surpreenderam
os desatentos – o clima de insegurança e medo que se vive em
França após os ataques terroristas de Paris, a 13 de novembro,
terão contribuído (a campanha para as Regionais foi suspensa no
sábado, 14) para o crescimento da FN nas urnas, o descontentamento
dos franceses para com François Hollande ou Nicolas Sarkozy também,
mas isso não explica tudo; há muito trabalho político a explicar
esta ascensão.
O partido de
extrema-direita venceu em seis das 13 regiões francesas. A saber:
Provença-Alpes-Costa Azul (a neta de Jean-Marie e sobrinha de
Marine, Marion Maréchal-Le Pen, é a candidata da FN nesta região),
Midi-Pirinéus-Languedoque-Rosilhão,
Alsácia-Lorena-Champanha-Ardenas, Centro-Vale do Loire, Norte-Passo
de Calais-Picardia (que pode vir a ser presidida por Marine Le Pen) e
Borgonha-Condado Franco. Os socialistas venceram em duas regiões e o
Les Républicains [LR] de Sarkozy, quatro.
À
extrema-direita o que lhe interessa verdadeiramente são as eleições
Presidenciais de maio de 2017.
A segunda volta das
eleições Regionais é este domingo – a menos que algum dos
candidatos consiga mais de 50% dos votos na primeira, há sempre
segunda volta – e a FN pode conseguir (ainda) mais regiões do que
as seis de domingo passado.
É previsível que
alguns dos partidos de esquerda que conseguiram mais de 10% dos votos
(e seguiram por isso para a segunda volta) se coliguem, retirando ou
tentando retirar a eleição à extrema-direita. E mais do que
previsível, é certo que o PS de Hollande e do primeiro-ministro
Manuel Valls se retirou da segunda volta em duas regiões, abrindo
caminho a uma vitória do centro-direita. Ou não. É que Nicolas
Sarkozy já anunciou que não se coligará com qualquer partido de
esquerda caso não vença sozinho a FN na segunda volta.
Jean-Marie Le Pen
foi derrotado (não só, mas também) pelo apoio de Jospin a Chirac.
Marine, com socialistas e republicanos desavindos até na derrota,
poderá aproveitar isso e tomar-lhes regiões que na primeira volta
ficaram longe de estar resolvidas.
Politicamente, a
vitória da FN foi tremenda. Aconteça o que acontecer este domingo,
sê-lo-á sempre. Mas o poder regional é um poder relativo,
chamemos-lhe assim. O que interessa verdadeiramente são as eleições
Presidenciais de maio de 2017.
É verdade que a
região de Norte-Passo de Calais-Picardia, a tal onde Marine venceu a
primeira volta, é mais populosa do que 12 dos Estados-Membros da
União Europeia e que tem um orçamento anual de 3,3 milhões de
euros. Mas também é verdade que, fora a gestão não-docente das
escolas, a organização dos transportes públicos, o apoio às PME e
as políticas ambientais, nada ou quase nada Marine Le Pen poderá
fazer de político neste seu novo poiso.
Daqui por ano e
meio, nas Presidenciais de 2017, sim, poderá. O programa político
da FN, que o Observador leu de ponta a ponta, todas as 106 páginas
anti-europeístas (ou anti-UE), anti-imigração no limiar (ou para
lá dele) da xenofobia, com propostas de revisão da Constituição e
com uma mão-cheia de proposta a piscar o olho à extrema-esquerda, é
um programa voltado sobretudo para o dia em que Le Pen chegar (se
chegar) ao Palácio do Eliseu.
O
programa político da FN está dividido em cinco áreas: "Autoridade
do Estado", "Futuro da Nação", "Política
Estrangeira", "Recuperação Económica e Social" e
"Refundação Republicana".
Para evitar que
chegue, mais do que desacreditarem a FN até maio de 2017, o PS de
Hollande e o LR de Sarkozy vão aguardar que ela, FN, se desacredite
a si mesma. É que nunca a extrema-direita dos Le Pen governou em
França. Nem a de Marine nem a de Jean-Marie. E ser oposição
(populista como Jean-Marie, ou assumidamente política como a de
Marine) não é o mesmo que ser governante. Os olhos dos eleitores
são mais atentos aos segundos do que aos primeiros. E também mais
penalizadores dos segundos nas eleições seguintes.
O programa político
da FN está dividido em cinco áreas: “Autoridade do Estado”,
“Futuro da Nação”, “Política Estrangeira”, “Recuperação
Económica e Social” e “Refundação Republicana”.
Na primeira delas,
onde se discute a Defesa, o Estado, a Imigração ou a Justiça, aí,
mais do que em qualquer das outras quatro áreas, distinguem-se os
ideais de extrema-direita (sobretudo anti-imigração) que a FN
defende. Mas em áreas como o “Futuro da Nação” ou a “Política
Estrangeira”, os extremos tocam-se e o partido de Le Pen defende,
como a extrema-esquerda o defende também, uma saída francesa da
moeda única, um maior controlo do Estado (a FN fala de um “Estado
forte”) sobre a economia ou uma saída da França da NATO — numa
primeira fase seria só a saída do comando integrado, como aconteceu
em 1966 com o general De Gaulle.
Mas a FN propõe
igualmente uma reforma da Constituição francesa. Comecemos por aí.
O partido de Marine Le Pen chama-lhe “Refundação Republicana”.
Refundação
Republicana
Democracia
A FN é
anti-europeísta. Sempre foi. E vê na União Europeia (e nos
Tratados europeus) uma perda da soberania francesa.
“É necessária
uma recuperação real da nossa República democrática. A
Constituição mantém a sua superioridade sobre Tratados
internacionais.” Mas para que essa “superioridade” não seja
apenas palavras ocas, a FN propõe-se criar um ministério das
Soberanias que seja “responsável pela coordenação, a nível
técnico, da renegociação dos Tratados e da restauração de
soberania nacional em todas as áreas onde desapareceu. É necessário
reformar a Constituição para o retorno da democracia.” Aqui,
fala-se pela primeira vez de reforma da Constituição. Mas
vagamente. Para renegociar (ou até “rasgar”) Tratados europeus
ou criar ministérios novos, não é necessário reformar a
Constituição.
Adiante. Outra
modificação na Democracia que a FN propõe é da eleição do
Presidente da República. E com efeitos logo na eleição
Presidencial seguinte à de 2017. Propõe a extrema-direita que o
mandato no Eliseu não seja renovável, por um lado, mas que dure
sete e não cinco anos, por outro. “Esta será uma garantia de
honestidade e eficiência na política do Chefe de Estado. Este deve
agir apenas de acordo com os seus compromissos para com os franceses
e não com vista a uma reeleição.”
A Constituição, a
ser reformada, sê-lo-ia no Parlamento. Mas a FN de Marine Le Pen
quer alterar isso. “Somente as pessoas serão capazes de desfazer o
que as pessoas fizeram.” Quer isto dizer que a extrema-direita
pretende que, “no futuro”, as reformas na Constituição sejam
referendadas. Todas. Até esta.
Por último, a FN,
“evitando conflitos de interesse”, propõe no seu programa
político que “cada nomeação política ou administrativa seja
investigada” cuidadosamente. “A experiência profissional de cada
um, começando com os Ministros, será examinada por uma alta
instância de prevenção de conflitos de interesse.” Uma alta
instância que será nomeada por… altas instâncias: os presidentes
do Senado e da Assembleia.
Laicidade
A França é um
Estado laico. Como Portugal é. Mas a FN quer “reforçar” essa
laicidade. E quer reforçá-la na Constituição. O mesmo será dizer
que, direta ou indiretamente, mais ou menos sub-repticiamente, o
partido de Le Pen quer acabar com os cultos religiosos.
O partido de
extrema-direita socorre-se no seu programa político da Constituição,
que diz: “A República garante a liberdade de consciência. Ela
garante o livre exercício da religião.” Mas o que a FN quer que
lá se diga é: “A República não reconhece qualquer comunidade.”
Para garantir a
aplicação de uma política “coerente e nacional” de proteção
e promoção do laicismo, será criado (assim a FN seja eleita em
2017) um “Ministério do Interior, Imigração e Laicismo”.
Contudo, a França que hoje garante o livre exercício de religião,
não o garantirá mais com a FN no poder. Ou pelo menos não apoiará
mais esse livre exercício de religião. Porquê?
Lê-se no programa
político: “Será posto termo a todas as práticas discriminatórias
existentes em todas as estruturas públicas (ou que são financiadas
pelo menos em parte por fundos públicos), tais como piscinas,
centros de saúde ou cantinas escolares. Todos os contratos de
arrendamento — ou outras facilidades concedidas aos cultos —
serão proibidos. Os fiéis terão que construir os seus lugares de
culto com seu próprio dinheiro, seja qual for a religião em
questão. Para limitar a infiltração de uma ideologia
político-religiosa, não será possível utilizar o dinheiro vindo
do exterior. Subsídios públicos para associações comunitárias
serão banidos.”
Política
Estrangeira
Europa
Nada nem ninguém
fica por adjetivar na Europa que a FN rejeita.
O Banco Central
Europeu é “déspota”. O Parlamento Europeu é o “fantoche”
de uma Comissão Europeia que “não foi escolhida” pelos
franceses. A Política Agrícola Comum “marginalizou” a
agricultura. A moeda única (a par do Acordo de Schengen) “destruiu”
milhões de empregos. E o BCE? “O BCE luta conta a inflação, mas
não salvaguarda os empregos.” A União Europeia está hoje, aos
olhos da FN, “totalmente pervertida na sua finalidade”. Que é
como que diz: Au revoir, Europe.
“A França quer
ter o controlo das próprias fronteiras, de preferência dentro de
uma livre associação de Estados europeus que partilham a mesma
visão que nós [é a primeira e única referência às restantes
extremas-direitas europeias no programa político da FN] e os mesmos
interesses sobre temas como a imigração. A França quer controlar a
sua moeda e política monetária.”
Controlar a moeda
significa, para a FN, abandonar o euro e retornar ao franco. Como? “O
euro é um instrumento de uma ideologia ultraliberal e da
globalização dos interesses do setor financeiro. A crise do euro
tem arruinado a Grécia e Portugal, e ameaça seriamente a Itália,
Espanha e a Bélgica. A França e os seus parceiros europeus devem
preparar-se para o retorno às moedas nacionais. E devem preparar-se
com uma desvalorização competitiva. É altura de lançar as bases
de uma Europa que respeite a soberania popular, as identidades
nacionais, as línguas e as culturas.”
Tudo isto, do
abandono da moeda única ao “rasgar” de Tratados europeus será
“coordenado e negociado pelo novo ministério das Soberanias”.
Recuperação
Económica e Social
Agricultura
O partido de Marine
Le Pen quer implementar uma “nacionalização” na política
agrícola. Mas, mais do que nacionalizar o setor, a FN quer, isso
sim, e também aqui, afastar-se da União Europeia. Como? Desde logo,
fechando as fronteiras. “O patriotismo agrícola será a regra. As
importações devem ser limitadas a produtos nos quais o nosso país
não é autossuficiente.”
A extrema-direita vê
na agricultura — e talvez aqui não se distancie tanto assim da
extrema-esquerda — um setor “estratégico e vital” para França.
“É-o tão ou mais do que o setor da energia. Mas ao contrário do
que sucedeu na política energética, a França perdeu quase
completamente o controlo sobre a sua política agrícola.”
A culpa? É da União
Europeia, acusa a FN: “A França perdeu o controlo sobre a sua
política agrícola em favor de uma Europa burocrática. A França
não pode continuar a abdicar da sua soberania neste setor,
comprometendo seriamente o interesse nacional. É preciso abandonar a
Política Agrícola Comum em favor da PAF [Política Agrícola
Francesa]. A França vai financiar esta nova política com a redução
da sua contribuição para o orçamento da União Europeia.”
Recorde-se que a
França é hoje, e desde há muito, o segundo maior contribuinte
líquido para o orçamento da União Europeia, logo atrás da
Alemanha.
Mas a Política
Comum das Pescas também será deitada ao mar pela FN se chegar ao
poder em 2017. Não literalmente, mas nos Tratados. “O sistema de
quotas existente na União Europeia, apoiado por um conceito liberal
de partilha de recursos, não permite um acompanhamento adequado dos
recursos disponíveis, uma vez que é aplicado a áreas muito grandes
e com total falta de flexibilidade. Temos a intenção de
substituí-lo por um sistema baseado na sazonalidade e na seleção
dos modos de capturas, mais fácil de implementar, de mudar e, acima
de tudo, menos restritiva para os pescadores.”
A França quer gerir
a sua Zona Económica Exclusiva sem que a União Europeia seja tida
nem achada e assinar, ela própria, acordos bilaterais com Zonas
Económicas Exclusivas não-francesas, mas onde “os navios de pesca
franceses estão tradicionalmente presentes”.
Euro
Da moeda única
falou-se quando se falou de Europa. Mas há um subcapítulo deste
programa político inteiramente dedicado ao euro. Ou à saída do
euro. A FN vê na moeda um “fracasso total”. Isto, “apesar da
cegueira de Bruxelas e de Frankfurt, que se recusam admitir o óbvio:
o euro vai desaparecer”.
A Zona Euro é,
desde a criação da moeda única, a região do mundo com menor
crescimento. O partido de Le Pen afirma ser “insuportável”
continuar, por isso, a mantê-la.
E fica um aviso:
fechou-se a torneira para resgates. “Se amanha a Itália ou Espanha
precisarem de ajuda financeira, nenhum país europeu terá como pagar
esse resgate. Nem mesmo os países europeus economicamente mais
fortes. A França deve recusar-se a aplicar políticas de austeridade
sem esperança em nome da preservação de uma moeda que sufoca a
Europa. Estes planos de austeridade sucessivos deram sempre o mesmo
resultado: perderam as classes trabalhadoras e médias, os
pensionistas, os funcionários públicos e as PME. A França deve,
portanto, vetar os resgates desnecessários e ruinosos. O dinheiro
francês deve permanecer em França.”
O programa político
não vê na saída do euro “uma catástrofe como a que é descrita
pelos ideólogos e demais fanáticos” da moeda única. A solução
é uma “desvalorização competitiva” do franco, o que irá
“oxigenar” a economia e “retomar a prosperidade”. Ou isso, ou
a França “estará condenada a uma morte lenta”.
Mas a saída do euro
exige do Estado mais medidas. É pelo menos isso que sugere a FN.
“Será necessário adotar medidas para controlar os movimentos
especulativos de capitais. Os bancos estarão sujeitos a uma
nacionalização parcial, e enquanto for necessário, para proteger
as poupanças dos franceses.”
A reintrodução do
franco irá acontecer, garante, a par com a restauração dos poderes
do Banque de France.
Futuro da Nação
Escola
A Frente Nacional é
aqui, e pela primeira vez no programa político, critica não só em
relação a Hollande como a Sarkozy. Ao segundo acusa-o de ter
“suprimido escolas e professores numa perspetiva puramente
contabilística”. Quanto ao atual Presidente da República, a FN
promete reverter a decisão socialista de fechar escolas com menos de
200 alunos. “As megaestruturas não têm necessariamente sucesso”,
alerta.
A imigração está
aqui presente como em quase todo o programa político. Aos pais de
alunos que, sendo imigrantes legais, não sejam fluentes em francês,
será obrigatório frequentar aulas de francês.
Por outro lado, a FN
assegura que haverá uma “neutralidade religiosa, mas também
política” nas escolas. E essa neutralidade será aplicada com
“firmeza”, diz. “A disciplina será nas escolas o valor
central. A tolerância é zero contra a violência e, temporariamente
ou não, todas as escolas terão um detetor de metais.” A
insegurança nas escolas aumenta cerca de 10% ao ano em França,
segundo o Observatório Nacional do Crime francês.
O Ministério da
Educação publicou, em janeiro de 2009, os resultados de um exame
realizado em 1987 e 2007 a 4 mil alunos em França. “Os resultados
são claros: quando os estudantes davam, em média, 11 erros por
ditado em 1987, são agora 15 no mesmo ditado.”
A prioridade irá,
por isso, para a aprendizagem do francês, mas também do cálculo
matemático. “O número de horas de ensino nestas duas áreas tem
vindo a diminuir. O número de horas dedicadas ao francês era, em
1976, de 2800 horas no final da faculdade. Em 2004, foi de 2000
horas.” A história da França vai também “recuperar o seu lugar
no coração da aprendizagem”, garante a FN.
Família
Nicolas Sarkozy, o
líder do centro-direita em França, é fortemente atacado aqui pela
FN.
“Em 2007, Sarkozy
comprometeu-se solenemente a fazer da família uma prioridade. Não o
fez. O INSEE [Institut National de la Statistique et des Études
Économiques] diz-nos que a taxa de natalidade é hoje de 2,02 filhos
por mulher, 52% deles nascidos fora do casamento. Mas se só se tiver
em consideração os filhos de mães com nacionalidade francesa, a
taxa natalidade cai para 1,8 filhos. Em 2010, em 832.799 nascimentos,
só 667.707 é que eram filhos de pais franceses.”
A FN quer
estabelecer “uma verdadeira política de natalidade”, garante. As
mães (ou os pais) poderão escolher livremente entre o exercício de
uma profissão e a educação dos seus filhos. Aos que escolherem a
segunda, ser-lhe-á paga uma renda equivalente a 80% do salário
mínimo durante 3 anos a partir da segunda criança e 4 anos a partir
do terceiro filho. Haverá também uma redução da idade da reforma
para mães que tiveram pelo menos três filhos ou que tenham uma
criança deficiente a seu cuidado.
Por outro lado, os
abonos de família em agregados em que só um dos pais é que é
francês, “serão reavaliados”.
Nos casos em que se
provar que houve “abuso” na utilização dos abonos, “estes
devem ser parcial ou totalmente retirados à família por decisão
judicial”.
Saúde
Esperava-se da FN
que tivesse políticas xenófobas, sim. Mas não na saúde.
No ano de 2000, o
ex-primeiro-ministro francês Lionel Jospin criou o Estado de
Assistência Médica [AME], reservado exclusivamente aos imigrantes
ilegais ou por legalizar. Em 2015, e muito em consequência da crise
migratória na Síria ou na Eritreia, o orçamento do AME ultrapassou
pela primeira vez os 600 milhões de euros no Orçamento do Estado.
“O AME vai ser excluído. E é necessário estabelecer um período
de espera de um ano de residência contínua em França e de
contribuição antes de o imigrante receber todos os benefícios da
Previdência Social”, lê-se no programa político.
Os gastos com saúde
em França representam cerca de 11% do PIB. A extrema-direita quer
cortar na despesa, mas deseja, ainda assim, um serviço de saúde
universal e tendencialmente gratuito: “O buraco na Segurança
Social é uma ameaça à sustentabilidade do nosso sistema de saúde.
Mas a saúde é um bem precioso que não deve ser reservado só
àqueles que podem pagar por ela. Queremos racionalizar a despesa e
lutar contra os abusos. A luta contra a fraude na Saúde deve
permitir reduzir para metade os gastos dentro de quatro ou cinco
anos. A poupança será de 15 mil milhões de euros.”
Um serviço que se
quer universal pressupõe garantir a cobertura territorial completa
na prestação de cuidados de saúde. Mas nem sempre é assim. E
França não é exceção. “Há um deserto de médicos. É preciso
revitalizar as zonas rurais; é preciso uma política de ordenamento
mais harmoniosa.”
Autoridade do Estado
A French gendarme
enforcing the Vigipirate plan, France's national security alert
system, is pictured on November 19, 2015 in front of the Notre-Dame
cathedral in Paris. France revealed on November 19 it will spend an
extra 600 million euros (USD 641 million) next year to ramp up
security after the Paris attacks. President Francois Hollande
announced this week that France is freezing plans to cut troop
numbers through 2019. At the same time, the country will add 8,500
law enforcement jobs including 5,000 new police. AFP PHOTO / JOEL
SAGET (Photo credit should read JOEL SAGET/AFP/Getty Images)
JOEL SAGET/AFP/Getty
Images
Defesa
Nunca o investimento
na Defesa em França foi tão baixo como é hoje: decresceu de 3,6%
do PIB no final da década de 1980 para 1,6% em 2015. Mas, apesar de
tudo, e de um corte de 3,6 mil milhões de euros na Defesa em 2014, o
Estado continua a destacar anualmente cerca de 12.500 militares para
missões fora do território francês, todas ou quase todas elas
ligadas à NATO.
“São missões
perigosas e nas quais o interesse nacional não é óbvio”, critica
a FN no seu programa político. E são tanto mais perigosas quanto
maior é o desinvestimento. A extrema-direita de Marine Le Pen acusa:
“O orçamento para 2009-2020 seria de 377 mil milhões de euros,
mas tem previsto um corte de 25 mil milhões. A redução de
militares será de 54 mil dentro de cinco anos, o que representa 17%
de todos os nossos militares. Há contratos que não serão
renovados, os nossos equipamentos estão obsoletos e isso põe em
risco os nossos soldados.”
O partido de Le Pen,
que diz que “não pode haver uma grande nação sem um grande
exército”, quer reforçar o orçamento da Defesa ao longo de cinco
anos, chegando este a 2% do PIB se necessário, por forma a
“modernizar equipamento e reter militares”.
A extrema-direita
quer também a “independência militar” da França e isso
implicará a deixar o comando integrado da NATO (tal como aconteceu
em 1966, sob a presidência do general Charles de Gaulle; em 2009,
por decisão de Nicolas Sarkozy, a França regressou ao comando
integrado 43 anos depois), mantendo-se no entanto como membro da
organização. Até ver.
O programa político
da FN prevê ainda organizar uma “Guarda Nacional com 50 mil
reservistas, homens e mulheres, em todo o território francês”. E
quer revitalizar os setores da industria ligados à Defesa, em
cooperação com parceiros europeus, “nomeadamente a Rússia”.
Recorde-se que a
campanha da FN para as eleições Regionais foi financiada em cerca 9
milhões de euros pelo banco moscovita First Czech-Russian Bank.
Estado Forte
Uma vez mais, os
dois extremos políticas, direita e esquerda, tendem a cruzar-se. O
programa político de Marine Le Pen exige um “Estado forte,
interventivo, não só na prestação de serviços públicos como a
educação, a segurança social ou a saúde” mas também — e aqui
fica um “exclusivo FN” — “um Estado que unifique a nação,
combatendo [a expressão utilizada, e traduzindo-a à letra, é
“aniquilando”] a tribalização de França”.
A FN critica uma
“descentralização” da economia, que começou com François
Mitterrand, em 1981, e que “privou o Estado” de setores
estratégicos. “Esta descentralização cria um fosso entre a
França e os franceses. O UMP e o PS dizimaram durante três décadas
a nossa economia, liberalizando áreas que não podem ser
liberalizadas e privatizando todos os serviços públicos.”
Hoje, acusa a FN, a
França “está na mão dos bancos e dos grandes grupos”
económicos, cujo lobby “influenciou decisões políticas e
encorajou à corrupção”. E termina: “Só um Estado forte é um
Estado livre.”
Mas a França da FN
de Le Pen quer ser uma sociedade “igualitária e meritocrática”.
Como? Não desenvolve. Como desenvolve muito pouco em todo o programa
político. Mas também garante que haverá uma nacionalização em
massa da economia e, com isso, uma “fixação total das tarifas
para famílias e empresas” em setores como a energia e os
transportes. E quando a questão que se levanta é: mas quanto é que
vai investir nisso? Quanto é que se vai gastar? Este é um programa
que de números só tem (quase sempre) os que critica. Não os que
propõe.
Por último, e
falando de “Estado forte” na ótica da extrema-direita, “todos
os edifícios públicos franceses devem ter hasteada a bandeira”. A
bandeira da União Europeia, por sua vez, será banida.
Imigração
Haverá quem, mais à
direita e menos ao centro, quem mais desiludido com a esquerda vote
na FN. Ou até quem se identifique com alguns dos ideais defendidos.
Mas quando o tema é imigração, por tanto que a linguagem política
adotada por Marine Le Pen (em oposição à do pai, Jean-Marie)
disfarce a xenofobia, esta é mais do que explícita.
É aqui, na
imigração, que a FN mais se distancia das políticas de direita de
Sarkozy e mais ainda das de esquerda de Hollande. Que acusa,
sobretudo Sarkozy, de ter “traído os franceses quando lhes
prometeu uma política de emigração forte”, relembrando que “não
há memória na 5.ª República de uma política tão frouxa”. E
termina: “Muitos franceses votaram nele [Sarkozy] para que
reduzisse a imigração em França. Não só não reduziu, como
aumentou. Sobretudo a ilegal.”
A Primavera Árabe,
primeiro, e a crise dos refugiados nos últimos meses, agravaram mais
ainda a imigração ilegal para França. Segundo dados do ministério
do Interior francês, foram emitidas 203 mil autorizações de
residência em 2010, mais 28 mil do que em 2009 e 78% a mais do que
em 2000. Isto antes destes dois grandes fluxos migratórios dos
últimos anos.
E quem é que
beneficia com isto? As grandes empresas, garante a FN. “Os
trabalhadores franceses perdem nos salários e nos direitos sociais
por causa da mão-de-obra estrangeira, ilegal e barata. A imigração
não é um projeto humanitário, mas uma arma ao serviço do grande
capital.” Sim, leu bem, a extrema-direita fala em “grande
capital”. Aqui os extremos voltam a tocar-se. Mas só mesmo aqui,
quanto à imigração.
A FN fala a seguir,
e como não podia deixar de ser, da ameaça da islamização de
França e da perda da identidade nacional. “A imigração é um
veneno contra a coesão nacional.” Então, como combatê-la — na
ótica, claro, da extrema-direita?
A FN garante ser uma
“luta implacável” a que travará contra a imigração que é
ilegal, a qual culpabiliza (não só a ilegal, mas também a legal)
pela tal islamização da sociedade francesa. “É preciso agilizar
a expulsão automática dos estrangeiros ilegais em França. Em
termos de migração legal, o objetivo é acolher no máximo cerca de
10 mil estrangeiros por ano.” E como vão conseguir fazê-lo?
Reduzindo drasticamente as autorizações de residência emitidas. Os
imigrantes legais, por sua vez, que estão desempregados há mais de
um ano, também terão que abandonar o país. E a FN promete estar
especialmente atenta aos “casamentos de conveniência” entre
franceses e estrangeiros, que são cerca de 40 mil por ano.
Por último, a
França abolirá, assim Le Pen vença as Presidenciais de 2017, o
Acordo de Schengen e assumirá o controlo das suas fronteiras. Ah, e
vai remover, do direito francês, a possibilidade de regularizar os
ilegais. Não concorda? “Todas as manifestações clandestinas a
favor da imigração serão banidas.”
Justiça
A FN faz uma
interrogação no seu programa político: “Como conceber uma
sociedade civilizada sem justiça?” E responde em seguida que “não
é uma sociedade se não pudermos deixar o carro estacionado na rua
sem que seja vandalizado ou roubado, onde nos barricamos atrás de
quatro paredes e de alarmes, onde os bombeiros são espancados e os
polícias mortos com espadas, onde a lei religiosa é impostas uns
aos outros, essa é uma sociedade onde a coabitação não é
possível”.
Para fazer face a
esta realidade, “é preciso justiça e juízes respeitados”.
Hoje, o orçamento para a Justiça é de 7 mil milhões de euros. Ou
seja, 0,18% do PIB francês. “Um orçamento que é, por exemplo,
inferior ao do Azerbaijão em termos de esforço na Justiça”,
altera o partido de Marine Le Pen.
Em França há 8.355
juízes que despacham anualmente 4,7 milhões de casos criminais, 2,6
milhões de casos civis e comerciais e 9 milhões de casos de multas.
Em média, são 12 juízes por cada 100 mil habitantes. Procuradores
são 2,9 por cada 100 mil franceses. “Pior, só a Bulgária”,
relembra o programa político da FN.
E há ainda o
problema da sobrelotação das prisões: há 56 mil lugares para cada
64 mil presos. Uma situação que qualificam de “perigosa e
desumana”, e que condena os presos “não à detenção, mas à
humilhação”.
A FN enumera o baixo
número de juízes, mas critica-lhes a frouxidão. Assim mesmo:
“Frouxidão”. E explica: “As sentenças inferiores a dois anos
só raramente são executadas pelos juízes. E são 80 mil das
sentenças anuais em França.”
E quanto aos menores
que cometam um crime? “A situação específica dos menores é
extremamente preocupante: as leis não são adaptadas a um crime que
começa cada vez mais cedo. Temos de fazer de tudo para que o pequeno
criminoso não se torne grande.” Como? “Culpabilizando os pais.
Ou retirando o jovem do ambiente onde vive.” Para onde, é que o
programa político da FN não diz.
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