Demissões
em bloco na Saúde após morte de jovem no Hospital de São José
ROMANA BORJA-SANTOS
22/12/2015 - 21:00 (actualizado às 22:11) / PÚBLICO
Jovem
de 29 anos morreu por falta de equipa de neurocirurgia ao
fim-de-semana. Presidente da ARS de Lisboa e administradores do
hospital demitiram-se.
A presidente do
conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, a
que pertence o Hospital de S. José, apresentou nesta terça-feira a
demissão depois de um doente de 29 anos ter morrido naquela unidade
hospitalar por não existir equipa de neurocirurgia vascular para o
operar, após a ruptura de um aneurisma.
A decisão de Teresa
Sustelo foi apresentada numa conferência de imprensa no Ministério
da Saúde, que contou ainda com o presidente da Administração
Regional de Saúde e Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro, e o
presidente do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, Carlos Neves
Martins. Estes dois últimos responsáveis também se demitiram na
sequência do caso.
“Nos últimos
anos, com os cortes que tivemos na área da saúde, estes hospitais
não tiveram a possibilidade de ter recursos humanos para dar
resposta a situações de doentes como este”, explicou Luís Cunha
Ribeiro. O responsável da ARS de Lisboa garantiu que já encontraram
com a tutela uma solução e que agora ambos os centros hospitalares
passam a conseguir tratar estes casos, independentemente da hora ou
dia da semana. Cunha Ribeiro assumiu que “isto não limpa, não
permite esquecer ou desculpar” a morte do doente, mas defendeu que
a resposta encontrada demonstra “a vitalidade do Serviço Nacional
de Saúde, a sua capacidade de resposta e a sua capacidade de se
adaptar”.
O doente, de 29
anos, segundo adiantou o Correio da Manhã, deu entrada no Hospital
de Santarém no dia 11 de Dezembro, uma sexta-feira, com dores de
cabeça e paralisado do lado direito do corpo. Após o diagnóstico
de uma hemorragia cerebral na sequência de um aneurisma, foi
transferido para o Hospital de S. José, em Lisboa, com a indicação
de que deveria ser operado de imediato para tentar reverter a
situação.
No entanto, como a
equipa de neurocirurgia vascular com capacidade para operar este tipo
de casos deixou de integrar a prevenção feita aos fins-de-semana, o
doente teve de esperar até segunda-feira. A situação agravou-se e
acabou por não resistir às sequelas. Morreu na madrugada de domingo
para segunda-feira, dia 14 de Dezembro. A família denunciou o caso à
Ordem dos Médicos, que o PÚBLICO tentou ouvir, sem sucesso.
O Centro Hospitalar
de Lisboa Central (CHLC) confirmou ao PÚBLICO que “a prevenção
aos fins-de-semana da Neurocirurgia-Vascular está suspensa desde
Abril de 2014 e a da Neurorradiologia de Intervenção desde 2013”
e lamentou a morte. Segundo o centro hospitalar, a prevenção é
feita em “regime voluntário” e “existiu indisponibilidade por
parte de alguns profissionais para a fazer, o que se deve às
alterações dos regimes remuneratórios. Alguns daqueles
profissionais rejeitaram os valores actualmente propostos para o
pagamento dessas horas de prevenção, o que inviabiliza o
indispensável trabalho da equipa”.
O CHLC adianta,
ainda, que já enviou uma proposta à tutela para reactivar este tipo
de prevenção, alertando para a “melhoria significativa dos
cuidados que podem ser prestados no tratamento daqueles casos”. Na
mesma nota, o hospital explica que existem dois neurocirurgiões em
permanência no S. José. “Contudo, a cirurgia de urgência dos
aneurismas, que é altamente especializada, carece de bloco
operatório e de uma equipa de cirurgiões, anestesista,
enfermeiros/as e assistentes operacionais especificamente habilitados
para a realizar, não sendo possível efectuá-la com resultados
satisfatórios sem as referidas condições técnicas, logísticas e
de recursos humanos”, lê-se.
A namorada da
vítima, numa carta publicada pelo Expresso, relata que na chegada a
S. José lhe foi explicado que “se tratava da ruptura de um
aneurisma, que o sangue se espalhou pelo cérebro e que, geralmente,
estes casos de urgência teriam de ser tratados de imediato, ou seja,
o doente teria de ser logo operado”. “Mas, como os médicos
referiram, infelizmente calhou ser numa sexta-feira, logo não iria
haver equipa de neurocirurgiões durante o fim-de-semana”.
“Deram-me a
entender que o sangue espalhado pelo cérebro poderia, muito
provavelmente, causar sequelas e posteriormente múltiplos AVC”,
adiantou. No domingo, dia 13, foi dito à namorada e restante família
que o rapaz de 29 anos estava em coma induzido por agravamento do
estado.
“No dia seguinte,
segunda-feira, dia 14, liguei várias vezes, querendo saber como
tinha corrido a operação. No momento em que atenderam, por volta
das 14h30, disseram-me simplesmente que não tinha sido realizada e
que seria melhor deslocar-me ao Hospital São José, sem
acrescentarem mais informações”. O doente tinha morrido.
Numa nota enviada
esta terça-feira à noite, o Ministério da Saúde anuncia que
decidiu abrir um inquérito ao caso. "Face às notícias hoje
[esta terça-feira] difundidas na comunição social, referentes a um
doente que faleceu no Hospital de S. José, o Ministério da Saúde
solicitou ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar de
Lisboa Central (CHLC), a abertura imediata de um inquérito para
apuramento dos factos".
O Ministério da
Saúde decidiu também solicitar à Inspecção-Geral das Actividades
em Saúde (IGAS) a abertura de um processo de inquérito tendente a
avaliar eventuais responsabilidades.
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