Assembleia
Municipal aprovou polémica permuta dos Machadinhos
BE
confrontou a câmara com 25 perguntas que lançam suspeitas sobre um
negócio que envolve o BES. Fernando Medina disse que os terrenos da
futura feira ficaram por um décimo do que valiam há oito anos
A
permanência dos seus serviços de Cultura no palácio, durante 42
meses, vai ter um custo para a câmara equivalente a 25% do valor do
imóvel
José
António Cerejo /18 dez 2015 / PÚBLICO
Fernando Medina
bateu-se com convicção. Venceu, mas não convenceu os deputados
municipais de bancadas tão diferentes como as do Bloco de Esquerda e
do CDS/PP. Foi certamente um resultado pouco comum aquele que
encerrou ontem, na Assembleia Municipal de Lisboa, um aceso debate
sobre a permuta do palácio dos Machadinhos por uma parte dos
terrenos onde deverá ser instalada a Feira Popular. A favor, votaram
os eleitos da maioria (PS e movimentos que o apoiam), assim como o
PCP e o PEV. Contra, votou o BE, o PAN, o MPT, o CDS/PP e dois
deputados do PSD. Três outros sociais-democratas abstiveram-se.
A proposta, aprovada
na câmara no mês passado, com as abstenções do PSD e do CDS/PP,
motivou desde logo fortes críticas no que respeita ao equilíbrio do
negócio apalavrado em segredo entre a câmara e o fundo de
investimento imobiliário Imogestão, antes dominado pelo Banco
Espírito Santo e agora pelo Novo Banco. No essencial trata-se de
trocar os cerca de três hectares que o fundo possui na Pontinha, no
local onde a câmara quer agora erguer a feira popular, por um
palácio municipal situado na Madragoa, no qual funcionam os serviços
de Cultura da Câmara.
Como as avaliações
atribuíram ao terreno o valor de cerca de 2,8 milhões de euros,
contra perto de 3,8 milhões ao palácio, a câmara aceitou ser
compensada pelo diferencial de 976 mil euros não pagando qualquer
renda para continuar a ocupar o imóvel durante 42 meses.
“Fazer esta
permuta é aceitar a imposição do fundo, não salvaguardando o
interesse público”, disse na altura à Lusa o vereador do PSD
António Prôa. Também João Gonçalves Pereira se insurgiu contra a
operação: “O fundo ficará com o seu activo valorizado em um
milhão de euros”.
Ontem, porém, o BE
foi muito mais longe e propôs na assembleia o adiamento da votação
da proposta camarária — que devido aos valores envolvidos carece
da aprovação dos deputados — até que o executivo responda a um
extenso requerimento da sua bancada. Nesse documento são levantadas
inúmeras dúvidas e algumas suspeitas sobre os procedimentos
subjacentes ao acordo firmado entre a câmara e o fundo.
Na intervenção em
que propôs o adiamento da votação, o bloquista José Casimiro
advogou que a permuta contraria as posições já assumidas pela
assembleia em matéria de alienação de património e defendeu que a
câmara não devia vender senão em situações excepcionais. E
sempre através de hasta pública. No caso concreto, afirmou que a se
deveria ter procedido à expropriação dos terrenos da Pontinha, em
vez de se recorrer a uma “permuta ruinosa para que o fundo não
desembolse um cêntimo”. Isto porque, argumentou, a ocupação dos
Machadinhos pelos serviços da câmara vai custar ao município, em
42 meses, cerca de 25% do valor do imóvel.
Recorrendo a uma
argumentação semelhante, Diogo Moura, do CDS, questionou o facto de
a câmara estar “pelo menos há sete anos” a tentar alienar o
palácio dos Machadinhos e ainda não ter uma solução para realojar
os serviços de Cultura. Com este negócio, salientou, o município
não resolve o problema das instalações desses serviços. “Apenas
faz um favor a um fundo privado” que, acrescentou, não quer pagar
o diferencial dos valores dos bens a permutar.
Dúvidas e suspeitas
Mas no requerimento
subscrito pelos representantes do BE e entregue no início desta
semana, as dúvidas manifestadas e os esclarecimentos exigidos ao
executivo ultrapassam largamente os termos desta permuta. Em causa
está todo um historial de valorizações e desvalorizações dos
terrenos da Pontinha, que foram comprados pelo fundo Imogestão em
2007, por 22,2 milhões de euros, numa altura em que havia fortes
expectativas de ali se poder construir uma grande urbanização. O
vendedor e beneficiário foi um outro fundo, dominado pelo Grupo
Espírito Santo.
De acordo como BE,
que cita os relatórios do próprio fundo Imogestão, os seus
responsáveis passaram vários anos em negociações com a câmara
para levar por diante os seus projectos imobiliários. No entanto, os
estudos do novo Plano Director Municipal, que foi aprovado em 2012,
apontavam em 2011, segundo o requerimento, para uma enorme
desvalorização daquela propriedade, o que, conjugado com os efeitos
da crise, levou o fundo a baixar-lhe o valor para 12,1 milhões de
euros.
Já em 2013, no
mesmo ano em que o Banco Espírito Santo adquiriu a esmagadora
maioria do capital do Imogestão, a câmara iniciou negociações
secretas com vista à permuta dos terrenos por activos municipais.
Logo em Outubro do mesmo ano subscreveu uma carta de compromisso com
esse objectivo.
Dois anos depois, no
Verão passado, o próprio fundo, agora nas mão do Novo Banco,
atribuiu à propriedade o valor de 5,5 milhões de euros. Nos últimos
meses, com novas avaliações feitas pelas duas partes, chega a
acordo com o município para o valorizar em apenas 2,8 milhões de
euros.
No meio deste
enredo, o BE aponta outros dados que adensam as dúvidas sobre a
transparência do processo e que se traduzem no rol de 25 perguntas
dirigidas à câmara.
Quem não se mostrou
minimamente preocupado com o caso foi o presidente da câmara, que
viu nos factos elencados pelo BE os argumentos da sua própria
defesa. Primeiro, garantiu que a câmara andou “muito tempo” a
tentar comprar o terrenos, mas que o proprietário não os quis
vender - coisa que nunca é referida nos relatórios do fundo.
Depois, sublinhou que em 2007 eles estavam avaliados em 28 milhões
(na verdade eram 22,2), caindo para 12,1 e finalmente para 5,5,
acabando a câmara por concretizar a compra por 2,8.
“Não houve uma
valorização fruto da especulação”, contra-atacou Fernando
Medina. “O que aconteceu foi que, fruto das alterações
urbanísticas e de decisões municipais livres e autónomas, o
terreno sofreu uma enorme desvalorização”.
Quanto à permuta, o
autarca sustentou que “a solução encontrada defende na íntegra o
interesse público”. Para o justificar disse que a avaliação dos
Machadinhos em 3,8 milhões foi superior aos 3,4 pelos quais o
município tentou em vão, em 2011, vender o imóvel em hasta
pública.
Já no que respeita
aos 23.200 euros mensais que a ocupação do palácio vai custar à
câmara, Fernando Medina assegurou que também esse foi um bom
negócio. “Não temos onde pôr a Cultura”, reconheceu, afirmando
que para entregar agora o edifício ao fundo a câmara teria de
arrendar um espaço que lhe custaria, mensalmente, mais do que os 10
euros por metro em que fica a continuação no palácio.
“Comprámos os
terrenos a cerca de um décimo daquilo que eles estavam avaliados em
2007”, rematou, concluindo: “Acho que isto é um bom negócio e
que cumpre todos os formalismos e todas as regras.” Agora falta
responder às perguntas do BE. O vereador do Urbanismo, Manuel
Salgado, não participou na reunião.
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