quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Assembleia Municipal aprovou polémica permuta dos Machadinhos


Assembleia Municipal aprovou polémica permuta dos Machadinhos

BE confrontou a câmara com 25 perguntas que lançam suspeitas sobre um negócio que envolve o BES. Fernando Medina disse que os terrenos da futura feira ficaram por um décimo do que valiam há oito anos

A permanência dos seus serviços de Cultura no palácio, durante 42 meses, vai ter um custo para a câmara equivalente a 25% do valor do imóvel

José António Cerejo /18 dez 2015 / PÚBLICO

Fernando Medina bateu-se com convicção. Venceu, mas não convenceu os deputados municipais de bancadas tão diferentes como as do Bloco de Esquerda e do CDS/PP. Foi certamente um resultado pouco comum aquele que encerrou ontem, na Assembleia Municipal de Lisboa, um aceso debate sobre a permuta do palácio dos Machadinhos por uma parte dos terrenos onde deverá ser instalada a Feira Popular. A favor, votaram os eleitos da maioria (PS e movimentos que o apoiam), assim como o PCP e o PEV. Contra, votou o BE, o PAN, o MPT, o CDS/PP e dois deputados do PSD. Três outros sociais-democratas abstiveram-se.
A proposta, aprovada na câmara no mês passado, com as abstenções do PSD e do CDS/PP, motivou desde logo fortes críticas no que respeita ao equilíbrio do negócio apalavrado em segredo entre a câmara e o fundo de investimento imobiliário Imogestão, antes dominado pelo Banco Espírito Santo e agora pelo Novo Banco. No essencial trata-se de trocar os cerca de três hectares que o fundo possui na Pontinha, no local onde a câmara quer agora erguer a feira popular, por um palácio municipal situado na Madragoa, no qual funcionam os serviços de Cultura da Câmara.
Como as avaliações atribuíram ao terreno o valor de cerca de 2,8 milhões de euros, contra perto de 3,8 milhões ao palácio, a câmara aceitou ser compensada pelo diferencial de 976 mil euros não pagando qualquer renda para continuar a ocupar o imóvel durante 42 meses.
“Fazer esta permuta é aceitar a imposição do fundo, não salvaguardando o interesse público”, disse na altura à Lusa o vereador do PSD António Prôa. Também João Gonçalves Pereira se insurgiu contra a operação: “O fundo ficará com o seu activo valorizado em um milhão de euros”.
Ontem, porém, o BE foi muito mais longe e propôs na assembleia o adiamento da votação da proposta camarária — que devido aos valores envolvidos carece da aprovação dos deputados — até que o executivo responda a um extenso requerimento da sua bancada. Nesse documento são levantadas inúmeras dúvidas e algumas suspeitas sobre os procedimentos subjacentes ao acordo firmado entre a câmara e o fundo.
Na intervenção em que propôs o adiamento da votação, o bloquista José Casimiro advogou que a permuta contraria as posições já assumidas pela assembleia em matéria de alienação de património e defendeu que a câmara não devia vender senão em situações excepcionais. E sempre através de hasta pública. No caso concreto, afirmou que a se deveria ter procedido à expropriação dos terrenos da Pontinha, em vez de se recorrer a uma “permuta ruinosa para que o fundo não desembolse um cêntimo”. Isto porque, argumentou, a ocupação dos Machadinhos pelos serviços da câmara vai custar ao município, em 42 meses, cerca de 25% do valor do imóvel.
Recorrendo a uma argumentação semelhante, Diogo Moura, do CDS, questionou o facto de a câmara estar “pelo menos há sete anos” a tentar alienar o palácio dos Machadinhos e ainda não ter uma solução para realojar os serviços de Cultura. Com este negócio, salientou, o município não resolve o problema das instalações desses serviços. “Apenas faz um favor a um fundo privado” que, acrescentou, não quer pagar o diferencial dos valores dos bens a permutar.
Dúvidas e suspeitas
Mas no requerimento subscrito pelos representantes do BE e entregue no início desta semana, as dúvidas manifestadas e os esclarecimentos exigidos ao executivo ultrapassam largamente os termos desta permuta. Em causa está todo um historial de valorizações e desvalorizações dos terrenos da Pontinha, que foram comprados pelo fundo Imogestão em 2007, por 22,2 milhões de euros, numa altura em que havia fortes expectativas de ali se poder construir uma grande urbanização. O vendedor e beneficiário foi um outro fundo, dominado pelo Grupo Espírito Santo.
De acordo como BE, que cita os relatórios do próprio fundo Imogestão, os seus responsáveis passaram vários anos em negociações com a câmara para levar por diante os seus projectos imobiliários. No entanto, os estudos do novo Plano Director Municipal, que foi aprovado em 2012, apontavam em 2011, segundo o requerimento, para uma enorme desvalorização daquela propriedade, o que, conjugado com os efeitos da crise, levou o fundo a baixar-lhe o valor para 12,1 milhões de euros.
Já em 2013, no mesmo ano em que o Banco Espírito Santo adquiriu a esmagadora maioria do capital do Imogestão, a câmara iniciou negociações secretas com vista à permuta dos terrenos por activos municipais. Logo em Outubro do mesmo ano subscreveu uma carta de compromisso com esse objectivo.
Dois anos depois, no Verão passado, o próprio fundo, agora nas mão do Novo Banco, atribuiu à propriedade o valor de 5,5 milhões de euros. Nos últimos meses, com novas avaliações feitas pelas duas partes, chega a acordo com o município para o valorizar em apenas 2,8 milhões de euros.
No meio deste enredo, o BE aponta outros dados que adensam as dúvidas sobre a transparência do processo e que se traduzem no rol de 25 perguntas dirigidas à câmara.
Quem não se mostrou minimamente preocupado com o caso foi o presidente da câmara, que viu nos factos elencados pelo BE os argumentos da sua própria defesa. Primeiro, garantiu que a câmara andou “muito tempo” a tentar comprar o terrenos, mas que o proprietário não os quis vender - coisa que nunca é referida nos relatórios do fundo. Depois, sublinhou que em 2007 eles estavam avaliados em 28 milhões (na verdade eram 22,2), caindo para 12,1 e finalmente para 5,5, acabando a câmara por concretizar a compra por 2,8.
“Não houve uma valorização fruto da especulação”, contra-atacou Fernando Medina. “O que aconteceu foi que, fruto das alterações urbanísticas e de decisões municipais livres e autónomas, o terreno sofreu uma enorme desvalorização”.
Quanto à permuta, o autarca sustentou que “a solução encontrada defende na íntegra o interesse público”. Para o justificar disse que a avaliação dos Machadinhos em 3,8 milhões foi superior aos 3,4 pelos quais o município tentou em vão, em 2011, vender o imóvel em hasta pública.
Já no que respeita aos 23.200 euros mensais que a ocupação do palácio vai custar à câmara, Fernando Medina assegurou que também esse foi um bom negócio. “Não temos onde pôr a Cultura”, reconheceu, afirmando que para entregar agora o edifício ao fundo a câmara teria de arrendar um espaço que lhe custaria, mensalmente, mais do que os 10 euros por metro em que fica a continuação no palácio.

“Comprámos os terrenos a cerca de um décimo daquilo que eles estavam avaliados em 2007”, rematou, concluindo: “Acho que isto é um bom negócio e que cumpre todos os formalismos e todas as regras.” Agora falta responder às perguntas do BE. O vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, não participou na reunião.

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