As
falhas dos programas da troika assumidas pelo próprio FMI
SÉRGIO ANÍBAL
20/12/2015 - PÚBLICO
FMI
admite que os seus programas assumiram ganhos com as reformas
estruturais no curto prazo que não estão baseados naquilo que diz a
ciência económica e assume que teria sido melhor fazer logo à
partida uma reestruturação das dívidas públicas demasiado
elevadas como a portuguesa.
Expectativas
demasiado elevadas em relação ao efeito imediato das reformas
estruturais, consolidações orçamentais feitas de forma
excessivamente rápida, expectativas irrealistas em relação a uma
estratégia de curto prazo de desvalorização interna e cedências
no princípio de reestruturar logo à cabeça dívidas públicas
pouco sustentáveis.
Estas são algumas
das falhas assumidas pelo próprio Fundo Monetário Internacional
(FMI) nos programas de ajustamento que ajudou a implementar durante
os últimos sete anos, e de que Portugal é um dos exemplos mais
evidentes.
Num relatório
publicado esta semana, os responsáveis do FMI olham para a forma
como foram desenhados e implementados todos os programas aplicados
durante o período de 2008 a 2015 e verificam quais foram os
resultados obtidos. Incluído está o programa da troika aplicado em
Portugal entre 2011 e 2014, no qual o FMI desempenhou um papel
fundamental, tanto em termos de financiamento, como de definição
das políticas a seguir.
E se, de um ponto de
vista geral, o Fundo faz questão de salientar que os programas
“ajudaram a suavizar o ajustamento” e “deram aos países mais
tempo para enfrentarem os seus problemas”, evitando “uma ainda
maior intensificação da crise”, a verdade é que o relatório
assume, agregando autocríticas que foram sendo feita ao longo dos
últimos anos, que houve diversas falhas e que sérios problemas
persistem em alguns países.
“Enquanto alguns
países se ajustaram relativamente rápido, em muitos casos as
vulnerabilidades persistem, a dívida é ainda elevada e a
restauração do acesso ao mercado ocorreu no meio de condições
financeiras globais fáceis, com a sua durabilidade ainda por
testar”, diz o Fundo, assinalando ainda que “o desemprego
continua alto e o crescimento geralmente tépido, reflectindo a
procura global fraca, o ajustamento limitado das taxas de câmbio, a
continuação da desalavancagem e a redução do crescimento
potencial apesar das reformas estruturais”. Este é um cenário que
se aplica também a Portugal, tendo em conta aquilo que têm sido as
avaliações pós programa feitas especificamente para o país pelo
FMI durante o último ano e meio. E os paralelos entre os problemas
detectados para a generalidade dos programas e aquilo que aconteceu
no caso português são ainda mais claros quando se olha para cada
uma das falhas assumidas pelo FMI.
Reformas com efeito
modesto
Uma das principais
explicações agora dada pelo FMI para a diferença entre os
objectivos iniciais dos programas e os resultados que acabaram por
ser conseguidos está no impacto que as reformas estruturais
recomendadas e aplicadas tiveram no curto prazo. O relatório diz
que, embora “necessárias”, as reformas estruturais geraram
dividendos do crescimento no curto prazo que “parecem ter sido
modestos e menores do que esperado”.
Este resultado
abaixo das expectativas no curto prazo deve-se, assume o Fundo, à
criação de expectativas que não encontravam uma base científica
em experiências do passado. “O esperado dividendo no crescimento
de médio e longo prazo das reformas estruturais assumido nos
programas parece estar em linha com as provas empíricas. Mas, para o
curto prazo, embora a visão típica na literatura é a de que as
reformas do lado da oferta têm um impacto muito pequeno, até
possivelmente negativo, no crescimento, em diversos programas um
dividendo do crescimento era esperado tão cedo como no segundo ano”,
afirma o relatório.
Portugal é
destacado como um dos países em que as reformas estruturais
assumiram um papel mais importante no programa. Contudo, nas suas
análises mais recentes, o FMI tem dito que aquilo que foi feito até
agora neste campo não é suficiente para o país acelerar o seu
ritmo de crescimento nos próximos anos.
Desvalorização
interna precisa de mais tempo
Outra das
estratégias base dos programas do FMI é garantir uma desvalorização
das taxas de câmbio que permita aos países ganharem competitividade
externa. No entanto, no caso de países inseridos numa união
monetária, como Portugal, esse ganho de competitividade tem de ser
feito, afirma o Fundo, por via da desvalorização interna, por
exemplo por via da redução de salários, mesmo em termos nominais.
Agora o FMI afirma
que “no desenho dos programas se deve reconhecer que o caminho
alternativo da desvalorização interna é muito exigente, requerendo
um ajustamento macroeconómico ambicioso e reformas estruturais
sustentadas por um período que pode exceder o período normal de
três a quatro anos dos programas financiados pelo FMI”. Além
disso, diz o relatório, “as políticas da união monetária como
um todo afectam as perspectivas de ajustamentos externos de cada um
dos membros”, assumindo que com uma taxa de inflação mais alta na
zona euro e com a procura de outros países a níveis mais elevados,
o sucesso da estratégia seria outro.
Consolidação
orçamental demasiado forte
Ainda o programa
português estava a ser aplicado e já no FMI se começava a assumir
que o esforço rápido exigido para cortar o défice por via da
aplicação de medidas de austeridade tinha tido um efeito mais
negativo do que o previsto na economia, acabando por colocar em causa
as próprias metas orçamentais. O FMI volta a assumir esta falha,
que se deve ao facto de se terem registado “multiplicadores
orçamentais superiores ao esperado”.
E qual a solução
sugerida para este efeito contraproducente da austeridade? Fazer tudo
menos rapidamente. “Quando se projecta que os efeitos sejam
elevados, com consequências para a sustentabilidade do programa,
seria apropriado procurar financiamento adicional para acomodar uma
consolidação mais gradual”, afirma o relatório. Em Portugal, no
decorrer do programa, as metas de consolidação orçamental foram
sucessivamente revistas devido ao facto de a recessão ter sido
bastante mais profunda do que o estimado.
Reestruturação de
dívida à cabeça
No capítulo
orçamental, o FMI não assume apenas que é preciso mais tempo.
Reconhece também que deveria ter sido menos intransigente na sua
regra de apenas financiar países que tenham a sua dívida a níveis
sustentáveis. Caso não o tenham, a solução é, logo no início do
programa, realizar uma reestruturação de dívida.
E Portugal é um dos
países em que isso é mais evidente. “Em Portugal foi difícil
afirmar categoricamente que havia uma alta probabilidade de a dívida
ser sustentável no médio prazo. No entanto, dadas as preocupações
acerca do contágio sistémico internacional, invocou-se uma isenção
sistémica para justificar o acesso excepcional” ao programa,
lembra o FMI, que entretanto chegou à conclusão que isentar o país
de fazer uma reestruturação por causa do medo do contágio pode ter
sido um erro.
Na conferência de
imprensa de apresentação do relatório, Vivek Arora, director do
Departamento de Análise Estratégica e Política do FMI, foi
questionado sobre o caso português, afirmando, em declarações
reproduzidas pelo Diário Económico: “Não temos um ponto de vista
específico sobre Portugal, mas temos uma visão geral: se os países
têm um rácio de dívida elevado ou se a sustentabilidade da sua
dívida não pode ser assumida categoricamente, então a
reestruturação da dívida à cabeça é uma solução desejável”.
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