segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

"Banco de Portugal assegurou viabilidade do Banif"

Factura do Banif para os contribuintes pode chegar a 3825 milhões
CRISTINA FERREIRA 21/12/2015 – 23:21 / PÚBLICO

Responsabilidades das autoridades nacionais terão de ser partilhadas. Bruxelas permitiu que Banif estivesse um ano em situação de incumprimento.

Os contribuintes vão ser chamados a pagar, no mínimo, 2440 milhões de euros para “salvar” o Banif, um prejuízo que poderá agravar-se e, na pior das hipóteses, disparar para 3825 milhões de euros. Os cálculos são do Governo e surgem um dia depois de ter sido anunciada a venda ao Santander Totta dos activos bons do Banif, mediante uma injecção de fundos de 2200 milhões de euros, dos quais 1766 milhões estatais.

Nesta segunda-feira, o ministro das Finanças, Mário Centeno, atribuiu as elevadas perdas que o Estado vai assumir por ter evitado a liquidação do Banif (solução que seria, segundo o próprio, mais onerosa) à inércia do anterior executivo. Em Dezembro de 2012, o Tesouro injectou 1100 milhões no banco onde passou a deter 61% do capital. Mas também acusa o Banco de Portugal (BdP), que em representação do Estado foi um dos interlocutores, com Maria Luís Albuquerque, junto da Direcção Geral da Concorrência Europeia (DGCOM), de ter conduzido de forma errática o dossier.

Contas feitas, dos 1100 milhões injectados no Banif em 2012, o Estado vai perder 675 milhões, já abatendo os 150 milhões pagos apelo Santander Totta. Mas, com a medida de resolução aplicada ao banco este fim-de-semana, o valor dispara para 2441 milhões. A transferência dos activos bons do Banif para a esfera do Santander foi condicionada a uma injecção de 2255 milhões de euros: 1766 milhões saem directamente dos cofres do Estado e 489 milhões do Fundo de Resolução. A decisão atira para 2441 milhões os custos imediatos para os contribuintes (675 milhões mais 1766 milhões).

Nesta segunda-feira, a questão que se colocava era como foi possível um banco com 4% de mercado gerar uma perda tão grande para os contribuintes. O resultado pode deteriorar-se e ficar em 3825 milhões.

O Tesouro deu à operação um aval público global de 746 milhões de euros: 323 milhões de euros destinam-se a acautelar a desvalorização da carteira de crédito transferida para o Santander; 422 milhões visam garantir os activos que ficam num veículo a criar pelo Fundo de Resolução. A medida, a cargo do BdP, separou os activos e passivos do banco por três entidades: Banif SA (problemático); Santander Totta (Banif bom); e um veículo de gestão de activos, a Naviget. A seguradora Açoreana, com uma presença mais relevante no mercado dos seguros do que a do Banif no sector bancário, ficará no veículo de gestão de activos.

Pelo que se sabe até hoje, o Banif não é um caso de polícia, como foram o BPN — com perdas garantidas de cerca de quatro mil milhões de euros — e o BES. Mas é um caso complexo pela exposição ao imobiliário no valor de dois mil milhões de euros (o que esteve na origem das dificuldades do banco). Hoje, as Finanças esclareceram que a DGCOM impôs um corte cego de 75% no valor dos activos que ficaram no veículo público, nomeadamente o imobiliário.

A ausência de empenho durante três anos em fechar atempadamente o dossier acabou por levar a um desfecho negativo para o erário público. No sector financeiro há quem admita que o BdP e o anterior executivo alinhavam com a DGCOM para, em Janeiro de 2016, avançarem com um bailin — o resgate do Banif por meios internos. Ou seja: com recurso a accionistas, obrigacionistas e grandes depositantes. A tese foi, todavia, contrariada ao PÚBLICO por quem esteve ligado ao processo. Um terço (dois mil milhões de euros) dos depósitos do banco estava acima dos 100 mil euros e seriam abrangidos pelo bailin.

As responsabilidades das autoridades nacionais terão de ser partilhadas com a troika que, até 2014, esteve a vigiar a sustentabilidade do sistema financeiro e nada disse sobre o tema. Mas sobretudo com a DGCOM, que autoriza os auxílios estatais. É que esta direcção-geral europeia (que defendeu desde sempre a liquidação do banco) permitiu que o Banif estivesse durante um ano em situação de incumprimento com o Tesouro português, mesmo violando as suas próprias regras. Isto, depois de em Dezembro de 2014 o banco ter falhado o pagamento ao Estado da última tranche de 125 milhões do empréstimo de 400 milhões de Cocos (275 milhões foram devolvidos). Na altura poderia ter exigido uma solução e não o fez.

As Finanças já admitiram que na quarta-feira passada o BCE deu até esta segunda-feira para o Banif se recapitalizar e evitar a retirada do estatuto de contraparte e poder continuar a aceder a financiamento do Eurosistema. E salientaram que o aviso foi desencadeado depois das notícias de domingo, 13 de Dezembro, a apontar para a liquidação do banco com perdas, nomeadamente, para os grandes depositantes. Entre segunda-feira e a tomada de posição do BCE, quarta-feira, terão sido levantados cerca mil milhões de euros do Banif.

Uma nota final: a banca foi apanhada de surpresa pelo envolvimento em 489 milhões de euros do Fundo de Resolução, dotado com as suas contribuições, no salvamento do Banif. A Associação Portuguesa de Bancos já veio dizer que aguarda por uma explicação. Adivinha-se um braço-de-ferro entre as autoridades e os banqueiros.

"Banco de Portugal assegurou viabilidade do Banif"

Ex-ministra das Finanças garantiu que injeção de fundos públicos "foi precedida de uma rigorosa e profunda análise prévia" do BdP

21 DE DEZEMBRO DE 2015
12:47
Carlos Rodrigues Lima / DN online

Junho de 2014. Questionada pelos deputados do Bloco de Esquerda Ana Drago e Pedro Filipe Soares - "O Ministério das Finanças efetuou algum estudo sobre as perdas potenciais do Banif?" antes de injetar capital público no banco - a então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque respondeu, empurrando toda a responsabilidade para o supervisor: "A injeção de fundos públicos no Banif foi precedida de uma rigorosa e profunda análise prévia da viabilidade pelo Banco de Portugal, ao montante do investimento público necessário".

Mais de um ano depois, o supervisor bancário acabou por avançar para uma medida de resolução do banco com a venda da parte boa ao Santander Totta. "A venda tem um custo muito elevado. Mas foi a solução menos má." Foi desta forma que o primeiro-ministro António Costa anunciou ontem à noite a solução encontrada para o Banif, depois de no dia anterior o governo ter desistido de vender a participação de 60,53%. Salvar a atividade do Banif exigiu o avanço de mais 2,25 mil milhões de euros, dos quais 1,76 mil milhões chegam "diretamente pelo Estado", e elevando para 2,4 mil milhões de euros a fatura total passada aos contribuintes.

No tal mês de junho de 2014, a perspetiva apresentada por Maria Luís Albuquerque apontava, porém, em sentido diverso, dizendo aos deputado do BE que o "Banco de Portugal comunicou fundamentadamente ao ministério das Finanças que o plano de recapitalização apresentado pelo Banif, mesmo em contextos macroeconómicos adversos, é adequado e permite concluir pela viabilidade de longo prazo da instituição e pelo reembolso do investimento público devidamente remunerado".

Carlos Costa garantiu que Banif daria 10% de lucro ao Estado

No mesmo sentido se pronunciou, em 2013, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, garantindo aos deputados que a injeção de capital no Banif, que ascendeu aos 1100 milhões de euros, seria recuperada e chegaria mesmo a valorizar. Carlos Costa falara, no dia 1 de fevereiro de 2013, numa rentabilidade de 10% para a posição do estado após o período de apoio público.

"O Estado terá o resultado da valorização da sua posição e do facto de ter entrado a um preço de desconto", disse Carlos Costa aos deputados da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, em fevereiro.

Resolução não "agrava" as metas orçamentais, diz PS

A secretária-geral adjunta do PS garantiu que a resolução sobre o Banif, anunciada pelo primeiro-ministro, António Costa, não vai "agravar" as metas orçamentais acordadas com a comissão europeia. Ana Cataria Mendes sublinhou que "portugueses continuam a pagar a fatura da irresponsabilidade" do anterior executivo, liderado por Pedro Passos Coelho. "Mantém-se intactos os compromissos do PS para iniciar uma trajetória de recuperação

É culpa do anterior governo? PSD e CDS não comentam

O PSD anunciou hoje que está disponível para uma comissão parlamentar de inquérito ao Banif, que permita averiguar as razões que justificaram a capitalização do banco, em 2012, até à decisão anunciada no domingo pelo primeiro-ministro, António Costa.

"O PSD apoia e é favorável a um inquérito parlamentar, que permita averiguar desde as razões que justificaram a capitalização do Banif, em final de 2012, até à decisão ontem [domingo] tomada e conhecida, as alternativas existentes e as razoes que a justificaram, bem como a implementação dessa decisão", afirmou o deputado António Leitão Amaro, no parlamento.

Fim do Banif custa 2,4 mil milhões aos contribuintes

António Leitão Amaro não quis comentar as eventuais responsabilidades do anterior governo PSD/CDS-PP num arrastar da situação que tivesse prejudicado a solução que foi concretizada pelo atual executivo, mas disse que "na anterior resolução", do BES, optou-se "por uma participação muito mais significativa das instituições financeiras, enquanto neste caso doBanif o Governo e Banco de Portugal optaram por chamar a uma participação direta e muito elevada os contribuintes".

O deputado social-democrata reiterou duas ideias: a de que não existe ainda informação suficiente e a de que o Estado e o banco tentaram vender o banco para evitar uma resolução.

"Não existe ainda informação suficiente que permita fazer uma apreciação cabal da escolha feita pelo Governo e pelo Banco de Portugal, as alternativas que existiriam e as razoes para essa escolha"
Leitão Amaro repetiu também que "desde há muito que o Estado e o próprio banco procuravam concretizar a venda do banco evitando a resolução e perdas para os contribuintes".

CDS também não quer comentar responsabilidades do anterior governo

O CDS-PP anunciou hoje que é "natural e absolutamente a favor de uma comissão de inquérito sobre o processo do Banif", considerando que "quanto mais se souber e mais depressa se souber, melhor".

"O CDS é natural e absolutamente a favor de uma comissão de inquérito sobre o processo do Banif. Quanto mais se souber e mais depressa se souber, melhor", disse fonte da direção do grupo parlamentar centrista, sem acrescentar mais nenhum comentário ou esclarecimento quer sobre a decisão anunciada no domingo pelo primeiro-ministro, António Costa, quer sobre o âmbito da eventual comissão de inquérito.

"Esta venda tem um custo muito elevado para os contribuintes"

O Governo e o Banco de Portugal decidiram no domingo a venda da atividade do Banif e da maior parte dos seus ativos e passivos ao Banco Santander Totta por 150 milhões de euros, anunciou o Banco de Portugal em comunicado.

A alienação foi tomada "no contexto de uma medida de resolução" pelas "imposições das instituições europeias e inviabilização da venda voluntária do Banif", segundo o comunicado.

Bruxelas aprova apoios até três mil milhões para 'buraco' do Banif

A operação "envolve um apoio público estimado em 2.255 milhões de euros que visam cobrir contingências futuras, dos quais 489 milhões de euros pelo Fundo de Resolução e 1.766 milhões diretamente do Estado", disse o banco central, garantindo que esta solução "é a que melhor protege a estabilidade do sistema financeiro português" elevando para 2,4 mil milhões de euros a fatura total passada aos contribuintes. Decisão obriga a um orçamento retificativo.

Os bloquistas pedem a demissão do governador do Banco de Portugal e acusam PSD/CDS de "encenar" a saída limpa do programa de ajustamento.

"Ato criminoso" do anterior governo, acusa BE

Tudo normal para os clientes


De salientar ainda que de acordo com o BdP o fecho do negócio nestes contornos significa que "manter-se-á o normal funcionamento", já hoje, do Banif. Os clientes podem estar descansados já que, sendo bons ativos, "passam a ser clientes do Totta e as agências do Banif passam a ser daquela instituição".

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