O
poder oculto
VASCO PULIDO VALENTE
18/12/2015 PÚBLICO
Não escrevi uma
palavra sobre José Sócrates desde que o prenderam. Mas como ele
resolveu agora ir à televisão explicar a sua história, um pequeno
comentário não é abusivo. Segundo o eng. Sócrates, por razões
que permanecem obscuras, o Ministério Público, um procurador
desnorteado, um juiz de instrução particularmente acintoso, 40 e
tal juízes de instâncias superiores, o jornal “Correio da Manhã”
e a revista “Sábado” armaram uma conjura para o “cobrir de
lama”. Por detrás destes malvados, de que toda a gente conhece a
cara, está, como devia estar, a “direita”, um “poder oculto”
que governa Portugal, com a insinuação e a mentira. Foi a “direita”
que inventou a bancarrota de 2010, foi ela que inventou a “vida
faustosa” com que Sócrates se consolava em Lisboa e Paris, foi ela
que babou o inexplicável boato de que existiria uma certa
discrepância entre os rendimentos e as despesas do martirizado
Sócrates.
E a coisa não fica
por aqui. Com a coragem que toda a gente lhe conhece, Sócrates
também disse que a “questão Freeport” e uma semi-questão,
ainda misteriosa, de “escutas”, tinham sido incitadas por Santana
Lopes, na altura primeiro-ministro, e pelo próprio Presidente da
República. Porquê? Porque queriam que o PS perdesse as legislativas
de 4 de Outubro e não queriam que Sócrates se candidatasse a Belém.
Quando se chegou a Novembro de 2014, o desespero dos “conspiradores”
já roçava a histeria e, sem a menor hesitação, mandaram meter
Sócrates nos calabouços de Évora e, sem qualquer justificação
legal, lá o conservaram aferrolhado durante um ano, enquanto o
“Correio da Manhã” por ordem da direita “oculta” acumulava
calúnias sobre a sua cabeça.
A longa narração
de Sócrates deixou um certo público comovido. É muito possível
que ninguém ainda tenha avisado Sócrates que ele estava
politicamente morto e que jamais tornaria a ser eleito para contínuo
da mais remota freguesia de Portugal. Ele, coitado, continua a achar
que é uma força: opina sobre o PS, critica a estratégia eleitoral
de Costa e não esconde o seu desprezo pela direita. Mas, de quando
em quando, num intervalo lúcido, manifesta a suspeita de que a sua
“narrativa” (como ele diz) não parece muito convincente. E,
nesses momentos, atribui a sua desgraça ao “ódio pessoal” de
alguns serventes do Diabo ou a uma força que ele confessa não
compreender. Nós compreendemos; e mais do que isso gostávamos muito
de mudar de assunto.
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