Uma
vergonha chamada Metro de Lisboa
JOÃO MIGUEL TAVARES
29/09/2016 – PÚBLICO
https://www.publico.pt/sociedade/noticia/uma-vergonha-chamada-metro-de-lisboa-1745487
Desde
que vim para Lisboa, há 26 anos, não me recordo de algum dia o
serviço de metro ser tão mau como é actualmente.
Se alguém tivesse
dúvidas de como este país roça por vezes os limites da indigência
política, económica, sindical e mediática, o actual estado do
Metro de Lisboa estava aí para o provar. Embora eu corra o risco de
desiludir todos aqueles que estão convencidos de que sou um beto de
Cascais com motorista e caddie, a verdade é que passo a vida a andar
de metro. E desde que vim para Lisboa, há 26 anos, não me recordo
de algum dia o serviço de metro ser tão mau como é actualmente.
Nós já conhecíamos
as escadas rolantes que não rolam. Experimentámos carruagens a
abarrotar. Vimos os comboios da Linha Verde diminuírem de quatro
para três composições ao mesmo tempo que o turismo explodia em
Lisboa. Deparámo-nos com obras na estação do Areeiro dignas de
Santa Engrácia. Aguentámos intermináveis problemas técnicos na
Linha Azul e envelhecemos a escutar avisos de que “o tempo de
espera pode ser superior ao normal”. Penámos, e muito, com resmas
de greves consecutivas, que nunca foram descontadas nos passes
mensais. E a única coisa que podemos celebrar é o facto de essas
greves terem diminuído imenso no último ano, apesar da qualidade do
serviço ser cada vez pior. Fazer acordos com o PCP traz certas
vantagens.
Há duas semanas,
contudo, aconteceu coisa nunca vista: o esgotamento de stock dos
cartões Viva Viagem. “Viva Viagem” é apenas um nome fino para
um simples bilhete – o único bilhete que permite entrar e viajar
no metro, e que pode ser comprado nas máquinas automáticas. Ou
melhor: podia. Agora voltámos ao tempo do trabalho braçal. As
máquinas do metro ostentam um autocolante a dizer que não emitem
cartões e para distribuir os poucos que ainda há foi preciso
reabrir vários pontos de atendimento das estações, onde zelosos
funcionários os entregam à mão. Aos utentes resta acertar no átrio
onde os funcionários se encontram (não há funcionários para
todos) e ir para a fila. Quanto aos turistas, podem sempre apreciar o
nosso modo de vida terceiro-mundista, tirando selfies com os
indígenas.
A minha questão é
esta: por que raio não há bilhetes? Os (poucos) jornais que já
falaram sobre o assunto nunca chegaram a explicar. O Metro apenas
refere “falhas na entrega” por parte da Otlis, empresa que é um
“agrupamento complementar” das várias empresas de transporte a
actuar na Grande Lisboa, e que no caso do metro detém o monopólio
dos seus bilhetes – ah, como é bom estar nas mãos de um só
fornecedor. Aparentemente, ninguém na comunicação social foi ainda
bater à porta da Otlis – ou sequer explicou o que a Otlis é –,
e 15 dias depois a situação não só continua por resolver, como
não há prazo definido para a sua resolução. Os sindicatos do
Metro, antigamente tão lestos a avançarem para greve, mostram-se
agora disponíveis para colaborar num “plano de contingência”, e
as televisões, sempre tão lestas a fazer directos à porta de
estações fechadas com bilhetes, parecem impressionar-se pouco com
estações abertas sem bilhetes.
Felizmente, a página
de austeridade foi virada. Não tivesse sido, e o estado miserável
em que a empresa se encontra, com comboios impedidos de circular por
falta de peças, dever-se-ia a um ministério das Finanças obcecado
com o défice, por se recusar a abrir a bolsa para as despesas mais
elementares. Como a austeridade acabou, nada disto se passa. O povo é
sereno. E, mais importante do que tudo, o metro é nosso. Antes uma
empresa pública parada do que uma privada a funcionar.
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