Lusitano Clube será
desalojado de Alfama para dar lugar a apartamentos de luxo
por O Corvo • 21
Setembro, 2016 •
A colectividade
fundada em 1905 tem vindo a atravessar um momento de regeneração,
após longo marasmo. Há um ano, um grupo de jovens assumiu os seus
destinos, usando a animação cultural para trazer vida a uma zona
sob forte pressão turística e imobiliária. Algo de que acabam
agora por ser vítimas. A direção acusa de desinteresse a Junta de
Freguesia de Santa Maria Maior e a Câmara de Lisboa. Não terão
respondido aos apelos para arranjar um novo espaço. A junta diz nada
poder fazer, responsabilizando a lei do arrendamento e a falta de
regulação no alojamento turístico.
Texto: Samuel Alemão
Fotografias: Hugo David
Já não resta muito
tempo. A 15 de janeiro de 2017, o Lusitano Clube tem que entregar as
chaves do rés-do-chão do 81 da Rua São João da Praça, em Alfama.
Chegará assim ao fim a relação de mais de um século entre uma
colectividade popular – fundada em 1905 e que tem conhecido um
período de ressurgimento nos últimos tempos – e um belo edifício
situado no coração de um dos mais típicos bairros lisboetas.
A mudança forçada
é justificada pela transformação do imóvel centenário num
conjunto de apartamentos de luxo, destinados sobretudo a investidores
que desejem lucrar com a recente dinâmica turística e imobiliária
da capital. O recente renascimento da instituição, resultado de
intensa actividade cultural, está em perigo.
Apesar de elogiar a
postura dialogante do senhorio, do qual está previsto o recebimento
de uma indemnização, tal como a lei prevê, a direção do clube
teme pelo futuro próximo. Não tem para onde ir e não possui os
necessários meios financeiros para suportar as cada vez mais
proibitivas rendas da zona.
Os responsáveis
acusam de desinteresse e de falta de solidariedade o poder público,
nas figuras da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior e da Câmara
Municipal de Lisboa, a quem têm tentado alertar, com insistência,
para as repercussões iminentes da ausência de soluções. “Não
queremos esmolas. Conseguimos sempre sobreviver, queremos é que nos
ajudem a arranjar um espaço”, diz David Costa, presidente da
direcção.
O dirigente critica
o que diz ser a “ausência de interesse” tanto da câmara como da
junta para com a sorte de uma colectividade “empenhada em trabalhar
com a comunidade e que, ao contrário de outras, se actualizou”.
“Com as rendas como estão, um clube como o nosso não tem qualquer
possibilidade de pagar um espaço onde possa ter actividades como as
que temos vindo a desenvolver. É completamente insustentável”,
afirma, salientando que a revisão da Lei do Arrendamento, em 2012,
veio alterar a situação de entidades como esta.
O despejo motivado
por obras é um facto incontornável. “Conseguimos pagar as nossas
despesas com as rendas controladas, mas assim as coisas mudam, não
conseguimos fazer milagres”, comenta David Costa.
O presidente do
Lusitano Clube e o restante corpo diretivo, em funções desde abril
deste ano, ficaram a saber dos planos do proprietário para o
edifício no início do ano. As negociações com ele iniciaram-se em
maio – “sempre com muita cordialidade e espírito de diálogo”.
Ou seja, um ano após o imóvel ter sido adquirido ao anterior
senhorio.
Postos ante a
inevitabilidade da saída – “trata-se de um negócio, percebemos
que o dono queria rentabilizar o património”, diz -, os dirigentes
associativos dirigiram-se, de seguida, à Junta de Freguesia de Santa
Maria Maior, em busca de auxílio. A utilidade social da instituição
assim o justificava. “Demos-lhes conta da situação e da
necessidade de um novo espaço, para continuar o trabalho que temos
vindo a realizar”, recorda.
Como resposta,
nessa reunião ocorrida em junho, terão recebido da junta a
informação de que não existiriam espaços disponíveis na
freguesia. Mas, de acordo com o relato do presidente do Lusitano,
haveria o compromisso de voltarem a falar sobre o assunto, “quando
houvesse algo de concreto”.
O problema é que
nenhuma solução surgiu, entretanto, nem se vislumbra que venha a
aparecer. Pior: David Costa diz que a junta deixou de dar resposta
aos constantes apelos do clube. E, assegura, o mesmo se passará com
a Câmara Municipal de Lisboa (CML), cujos gabinetes dos vereadores
Manuel Salgado (Urbanismo) e Jorge Máximo (Desporto e
Colectividades) terão também sido contactados. “Contatámos os
vereadores, mas a resposta foi zero”, critica.
Ante a ausência de
réplica, entendida como “falta de interesse”, o responsável
lança críticas duras aos autarcas. “É muito bonito fazer a
defesa dos bairros típicos em entrevistas, mas depois não há
resposta. Sentimos frustração e indignação por não existir
sequer vontade de resolver o problema. Não me digam que não há um
único espaço disponível”, afirma David Costa, criticando o
alegado marasmo do presidente da junta (PS) face ao caso do Lusitano.
“O Miguel Coelho
está sempre a dizer que é contra a turistificação de Alfama.
Então, que ajude as instituições que estão a trabalhar em prol da
comunidade e a atualizar-se. “Podemos fechar as portas, mas quem as
fecha são a junta e a câmara”, acusa.
Críticas que não
caem bem junto do autarca de Alfama. “Não tenho vontade que
desapareçam colectividades, como é óbvio. Lamento imenso que isto
esteja a acontecer com eles, mas a verdade é que não temos espaços
para dar”, justifica-se Miguel Coelho, assumindo a falta de
capacidade da junta por si dirigida para resolver um problema
imputado à “conjugação da lei do arrendamento criada pelo
anterior governo com a existência de um mercado desregulado de
alojamento local”.
O presidente da
edilidade diz ser óbvio o desagrado sentido por todos com o “facto
de haver gente a ser corrida” das zonas histórias devido à
pressão imobiliária, todavia, assegura nada poder fazer. “Não
pode passar pela cabeça das pessoas que podemos resolver todos os
problemas. E, em primeiro lugar, antes dos clubes, preocupa-nos a
situação dos moradores de Alfama”, diz, frisando haver mais
quatro ou cinco colectividades da zona com problemas semelhantes.
O Corvo contactou a
Câmara Municipal de Lisboa, para tentar saber que respostas podem
ser dadas ao Lusitano Clube neste caso, mas não obteve resposta até
à publicação deste artigo.
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