O
que esperar do IMI?
Helena Roseta
19/09/2016 –
PÚBLICO
A
política fiscal sobre o imobiliário não pode nem deve ser alvo de
experimentações.
A polémica
instalada em torno do alegado novo imposto sobre o património vem
abrir uma brecha na necessária confiança dos portugueses na
estabilidade e equidade do nosso sistema fiscal.
O IMI é um imposto
local, calculado em função do valor patrimonial do imóvel. Este
resulta da aplicação de uma fórmula em que intervêm vários
factores: o valor por m2 de construção, a área construída, o uso
a que o imóvel se destina, a localização, o coeficiente de
qualidade e conforto e o chamado coeficiente de vetustez, que tem a
ver coma idade.
A discussão recente
sobre o agravamento do IMI sempre que um imóvel tenha maior valor de
mercado, em função de vistas ou exposição solar, ou o seu
desagravamento em caso contrário, surgiu nos jornais desfasada de
qualquer contexto. O IMI não é calculado pelo valor de mercado, que
é volátil e incorpora esses dados, mas pela fórmula do CIMI. Ora
nos factores majorativos e minorativos que permitem calcular o
coeficiente de qualidade e conforto não se incluem aqueles
condicionantes. Este coeficiente, aliás, varia muito menos do que o
de localização, que em Lisboa, por exemplo, pode fazer triplicar o
valor patrimonial de um imóvel, consoante esteja num bairro
periférico ou numa zona central. E no entanto a actualização
recente deste coeficiente passou praticamente despercebida e sem
qualquer polémica pública. Só o desconhecimento explica, quanto a
mim, este aparente desinteresse.
Os anúncios
isolados e extemporâneos de alegadas alterações do IMI a que temos
assistido são um erro crasso que deputados ou membros do governo não
deviam cometer. O único compromisso que existe no programa do
governo, transposto para a lei 7-B/2016 de 31 de março, que aprova
as Grandes Opções do Plano para 2016 -2019, em matéria de IMI, é
o seguinte: “Revisão da tributação municipal do património,
ponderando a introdução da progressividade no imposto municipal
sobre imóveis.” Ponderar significa estudar, reflectir, pesar os
prós e os contras. Onde é que está essa “ponderação”?
Estamos a falar de
um imposto que tem grandes implicações nas políticas de habitação
e reabilitação urbana. Uma política fiscal equilibrada não pode
ser cega perante estas implicações nem ser contraditória com
objectivos políticos essenciais. Como defender a melhoria da
eficiência energética das habitações se isso vai contribuir para
agravar o IMI? Como salvaguardar a estabilidade da habitação,
quando sobre a casa própria recaem pesados impostos e sobre
rendimentos de casa arrendada incide uma taxa de 28%, para além do
IMI? Por que é que o alojamento local tem uma carga fiscal muito
inferior? E depois admiram-se que não haja casas para alugar em
Lisboa, que os preços disparem e que em certos bairros centrais
sejam mais os turistas que os nacionais.
Cito estes exemplos
para chegar a uma conclusão que devia ser óbvia: a política fiscal
sobre o imobiliário não pode nem deve ser alvo de experimentações.
Qualquer anúncio de agravamento fiscal, mesmo que não venha a
confirmar-se, provoca desconfiança e incerteza, com consequências
imediatas na retracção do investimento. E mais: tem de haver
coerência entre a política fiscal e as restantes políticas
públicas, nomeadamente a da habitação. De nada adianta lançar
programas importantes e atractivos no sector se ao mesmo tempo surgem
ameaças de alterações fiscais incompreensíveis, contraditórias
ou mal explicadas.
A progressividade no
IMI, que devia ser alvo de “ponderação” como está no programa
do governo, não consta de nenhum dos acordos que garantem a
existência deste governo. Donde vem então a pressão para a sua
instituição imediata, a ponto de os jornais já estabelecerem
valores de referência (500 mil, 1 milhão de euros)? Será essa a
nova bitola para definir os “ricos”? Não sabem que quem mais
acumula coloca tudo lá fora precisamente para fugir aos impostos?
Estaremos apenas perante “palpites” resultantes dos trabalhos de
um grupo PS-BE cujos resultados desconhecemos? Não creio que esta
seja uma boa metodologia. Não é transparente e não permite o
escrutínio público.
Apelo ao
Primeiro-Ministro e Secretário Geral do PS. A arte da negociação
em que é exímio não se compadece com este tipo de anúncios
enviesados sobre o que esperar da política fiscal do governo e mais
concretamente o que esperar do IMI. A confiança dos eleitores
depende da clareza e da transparência com que as decisões são
debatidas e comunicadas. É nisso que se deve focar e é essa a
metodologia que deve exigir dos membros do seu governo e dos
deputados que o apoiam.
Deputada,
Coordenadora do Grupo de Trabalho da Habitação, Reabilitação
Urbana e Políticas de Cidade da XI Comissão da Assembleia da
República
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