A
demagogia de Mortágua
23 DE SETEMBRO DE
2016
Fernanda Câncio
A
proposta de um novo imposto sobre o património dos mais ricos causou
um fascinante debate sobre o que é um rico, se se devem taxar os
ricos e assim. Tem sido giro. E ver gente alegar que há, ao pontapé,
imóveis com 500 mil euros de valor patrimonial na caderneta predial
das "famílias classe média", ui. Mas não tenho espaço
para dissecar alucinações.
Já a justificação
que Mariana Mortágua deu na TVI para o novo imposto merece análise.
"Parece-me que é justo, e desafio alguém a discordar desta
medida, pedir aos oito mil contribuintes com o património mais rico
(...) que possam contribuir para aumentar pensões aos dois milhões
de pensionistas que têm pensões abaixo dos 628 euros porque
infelizmente vivemos num pais em que há 350 mil pessoas que
descontaram 21 anos para a sua reforma e hoje têm reformas de 304
euros ou 380." Aumentar estas pensões em dez euros - aquilo que
o PCP reivindica - custa 200 milhões, diz a bloquista; cinco euros,
o que o BE tem defendido, cem milhões. Parece tão justo, não é?
Porque são pensões muito baixas e, como diz Mortágua, "os
idosos pensionistas são hoje a população mais pobre, que mais
precisa de aumento real de poder de compra."
Sucede que tais
pensões muito baixas se devem a curtas, fracas ou inexistentes
carreiras contributivas; os seus beneficiários descontaram pouco,
muitas vezes porque assim decidiram, sendo trabalhadores por conta
própria, empreiteiros, comerciantes, etc. E seriam mais baixas ainda
se o Estado não lhes tivesse fixado um valor mínimo (daí o nome,
"pensões mínimas") e criado um "complemento social",
pago pelo OE, que corresponde em média a mais de 60% da pensão. No
todo, são 4678 milhões de euros anuais.
"Estes dois
milhões de pensionistas, ninguém nega, devem ser a prioridade da
política social", afirmou Mortágua na TVI. Ninguém nega? Ora
essa: há muito que especialistas, e à esquerda, negam a eficácia
das pensões mínimas no combate à pobreza. E que todos os seus
beneficiários sejam carenciados. Pelo contrário: o Complemento
Solidário para Idosos (CSI) foi desenhado precisamente para acudir
aos idosos pobres que recebem pensões baixas - e com efeitos
comprovados. É nele que se deve apostar, reforçando-o, ao invés de
aumentar por atacado e poucochinho dois milhões de pensões, só por
serem baixas e porque sim. Aliás, num livro publicado em 2013, o
ex-dirigente do Instituto da Segurança Social Miguel Coelho
identificou beneficiários dessas pensões que auferiam ao mesmo
tempo reformas (provavelmente do estrangeiro) de mais de 4000 euros.
Não existindo, ao contrário do que sucede com o CSI, qualquer
controlo da necessidade dos que recebem pensões mínimas, não é
impossível que entre eles haja quem detenha imóveis de mais de 500
mil euros. Das duas uma: ou Mariana Mortágua não sabe disso, e
devia saber, ou sabe e está a fingir que não. Em qualquer dos casos
não tem desculpa: é demasiado inteligente e capaz para estas
figuras.
Sem comentários:
Enviar um comentário