Empresário
admite que emprestou sete milhões a primo de Sócrates
Mariana Oliveira
16/09/2016 –
PÚBLICO
Empresário
luso-angolano Hélder Bataglia foi interrogado em Angola. Mais de
cinco milhões terão acabado por ir parar às contas do amigo de
infância do ex-primeiro ministro que, na tese do Ministério
Público, é um testa-de-ferro de Sócrates.
O empresário
luso-angolano Hélder Bataglia, ligado ao grupo Espírito Santo e um
dos arguidos da Operação Marquês, admitiu num interrogatório
feito em Angola a pedido do Ministério Público português, que
emprestou sete milhões de euros a José Paulo Bernardo Pinto de
Sousa, primo de José Sócrates, que já apareceu referenciado no
processo Freeport. Segundo o Ministério Público, uma parte
significativa desse dinheiro, perto de 5,5 milhões de euros, terá
acabado por ir parar às contas de Carlos Santos Silva, amigo de
infância do ex-primeiro ministro que, na tese do Ministério Público
(MP), é um testa-de-ferro de Sócrates.
No interrogatório,
feito em Abril mas que só foi remetido recentemente para Portugal,
Hélder Bataglia foi constituído arguido por suspeitas de corrupção
activa, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Mesmo
assim, prescindiu do direito ao silêncio e prestou declarações,
desmentindo ter dado qualquer vantagem a Sócrates, quer de forma
directa, quer indirecta.
Reagiu assim à
imputação feita pelo MP, que, numa carta rogatória enviada às
autoridades angolanas, afirma que várias transferências financeiras
feitas por off-shores controladas por Bataglia, e que terminaram nas
contas de Santos Silva, foram o pagamento de uma “vantagem
indevida” a Sócrates para este, enquanto primeiro-ministro,
favorecer o Grupo Espírito Santo (GES). Não é dito em que situação
concreta terá ocorrido esse favorecimento, referindo-se apenas “em
particular com respeito ao envolvimento do GES no grupo Portugal
Telecom”.
Bataglia é uma
figura chave nesta investigação, já que, segundo o MP, terá sido
através de contas de off-shore que controlava que foram transferidos
perto de 17,5 milhões de euros que acabaram em contas de Santos
Silva, na Suíça (dos 23 milhões que este terá reunido naquele
país). O dinheiro nunca entrou directamente na esfera do amigo de
Sócrates, tendo passado perto de 5,5 milhões por contas controladas
por José Paulo e 12 milhões por contas do vice-presidente do Grupo
Lena, Joaquim Barroca. O MP diz que o dinheiro que chegou às contas
de Bataglia teve origem no Banco Espírito Santo Angola, onde o
empresário foi accionista e administrador, e da ES Enterprises, que
se suspeita poder ser um saco azul do GES para pagamentos não
documentados, por onde terão transitado fundos provenientes de
Angola.
Interrogado oito
horas
No interrogatório
que durou oito horas e meia, com interrupção para almoço, Bataglia
assume conhecer pessoalmente Sócrates, mas garante que só se cruzou
com o antigo governante “não mais do que meia dúzia de vezes ou
pouco mais”. Confirma que controlava duas das off-shore de onde
partiram as transferências que estão na base da investigação e
admite ter feito os movimentos propriamente ditos, mas nega que estes
se destinassem a Sócrates. Garante que as transferências não têm
nada a ver com o antigo governante, mas não explica o que motivou os
movimentos avultados. “Por razões relativas à sua vida pessoal e
empresarial e por conselho dos seus advogados, o declarante não
pretende nesta fase – como sabe ser seu direito- revelar o
enquadramento e os seus propósitos relativos a tais transferências”,
lê-se no auto.
Quanto ao empréstimo
feito ao primo de Sócrates, Bataglia, de 69 anos, diz que conhece
José Paulo desde jovem, mantendo com este uma relação de amizade.
Diz que entre 2005 e 2007, o amigo passou por dificuldades
financeiras e que lhe emprestou um valor que “não consegue
precisar a esta distância”, mas que “julgava ser próximo dos
sete milhões de euros”. Isto depois de confrontado com as
imputações do MP de que entre Maio de 2006 e Julho de 2007
transferiu “pelo menos nove milhões de euros” para a conta de
uma off-shore controlada pelo primo de Sócrates. Sobre a devolução
do dinheiro, diz que em 2012 o amigo reembolsou 4,5 milhões através
da entrada num negócio conjunto de exploração de salinas, em
Benguela. Mais tarde terá pago outra parte, admitindo que ainda
existe uma dívida, cujo valor não revela.
Na carta rogatória
o MP fala de forma genérica no favorecimento do empreendimento
turístico de Vale de Lobo, no Algarve, do qual Bataglia é
accionista. Mas apenas se refere à forma como a Caixa Geral de
Depósitos, o banco do Estado, concedeu um empréstimo próximo dos
200 milhões de euros ao empreendimento e ao facto de ter adquirido
uma participação de 25% naquele projecto. Nas imputações a
Bataglia, desapareceram referências à forma como foi aprovado a
revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve,
num Conselho de Ministros presidido por Sócrates em 2007. O MP não
fala na cláusula de excepção daquele plano, que antes insistira
ter permitido valorizar alguns lotes em frente ao mar, que, se não
fosse aquela norma, ficariam sem capacidade construtiva. O MP diz que
Bataglia conhecia Armando Vara, administrador da Caixa entre 2005 e
2008, e que foi devido à intervenção deste que Vale de Lobo
conseguiu o apoio financeiro do banco público. Bataglia confirma
conhecer Vara, mas insiste que nunca teve intervenção na gestão do
empreendimento nem conhece os detalhes dos financiamentos da Caixa.
Contactado pelo
PÚBLICO, o advogado de Bataglia, Rui Patrício, disse que não
pretende nesta fase fazer qualquer comentário. Já o advogado de
Sócrates, Pedro Delille, garante que todas as transferências em
causa “estão justificadas por negócios que estão documentadaos
no processo, através de contratos, actas de reuniões e emails”. O
defensor volta a negar que Santos Silva seja um testa-de-ferro de
Sócrates e remata: “Isto não é uma investigação, é uma
perseguição”.
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