A
UE vai mudar, não morrer
Rui Tavares
16/09/2016 –
PÚBLICO
Acreditar
que a UE vai morrer e que portanto não é preciso lutar para a mudar
é provavelmente o pior erro político de uma parte da esquerda
europeia.
Há quase um ano
escrevi para um portal de língua inglesa sobre a possibilidade do
Brexit (antes do referendo, portanto) as seguintes frases:
“Lamento dizê-lo
aos nossos amigos britânicos, mas o Brexit é acima de tudo um
problema britânico. Eu gostaria de ver o Reino Unido permanecer na
UE e posso até defender que há interesse, por parte (por exemplo)
do meu país, em que isso aconteça. Porém, se o Reino Unido deixar
a União Europeia isso será no máximo algo a lamentar — mas não
algo que ponha fim ao projeto europeu.”
A evolução dos
acontecimentos, por incrível que pareça, permite reforçar esta
ideia. O Brexit aconteceu no pior momento possível para a UE. Não
há um consenso sobre como tratar a saída do Reino Unido. Não há
uma visão comum para o futuro da União. E, no entanto, é o país
que saiu que está desorientado à procura da porta e sem saber como
a franquear.
A UE não vai morrer
por causa do Brexit e não digo isto por esperar qualquer boa notícia
da cimeira de Bratislava dos 27 que decorre a partir de hoje. Pelo
contrário. Se as ideias em cima da mesa forem más — e vão ser —
a UE pode sobreviver, mas mudar para pior.
Jean-Claude Juncker
fez esta semana o seu discurso do “Estado da União Europeia”
perante o Parlamento Europeu. Nele aparecem aqui e ali algumas ideias
boas: da criação de um corpo de solidariedade humanitária para
jovens europeus ao investimento na internet sem-fios gratuita nos
centros das cidades e vilas europeias e até ao reafirmar da
interpretação política das regras de estabilidade que possibilitou
o cancelamento de sanções a Portugal e a Espanha.
O problema é que as
más ideias que lá se encontram — na construção e reforço de
uma Europa mais militarizada e securitária e em alguns aspectos do
aprofundamento do mercado único — são possivelmente as únicas
que encontrarão um consenso entre os 27 governos em Bratislava, e
portanto as únicas que talvez consigam sobreviver a este processo de
seleção perversa.
E no entanto, porém,
contudo. Há algo que mudou com o Brexit e que poderia ajudar-nos a
sair da espiral descendente. Com a sua fina análise, foi Wolfgang
Schäuble o primeiro a notá-lo: com a saída do Reino Unido da UE, o
sistema de votações no Conselho sairá automaticamente modificado,
dando aos países do Sul da UE a ferramenta mais poderosa na política
europeia — uma minoria de bloqueio.
Espero que após o
encontro de Atenas estes países se tenham decidido a brandir essa
minoria de bloqueio. Para dizer que sem Europa social não pode haver
aprofundamento do mercado único. E que sem Democracia Europeia não
se podem dar passos em questões de segurança e cooperação
militar.
Acreditar que a UE
vai morrer e que portanto não é preciso lutar para a mudar é
provavelmente o pior erro político de uma parte da esquerda
europeia. Tal crença levar-nos-ia a abandonar o poder que temos e a
alienar uma geração inteira de jovens europeus, atirando-os para
uma União que sobrevive principalmente nas suas piores formas. Para
mudar a UE para melhor é preciso perceber as razões da sua
sobrevivência. Apostar na sua morte é somente garantir a mudança
para pior.
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