Editorial
Durão
e a decadência do projecto europeu
Direcção Editorial
/ PÚBLICO
24/09/2016 -
Se há um aspecto
positivo na contratação de Durão Barroso pela Goldman Sachs é ter
ajudado à sensibilização da opinião pública para a necessidade
de escrutinar e impor novas regras de funcionamento à oligarquia de
Bruxelas. Casos como este ajudam a mostrar à generalidade dos
cidadãos europeus, que pagam o funcionamento principesco de uma
burocracia tão opaca como arrogante na sua falta de transparência e
nos seus métodos, que a continuação destas práticas tem o mesmo
efeito que uma sentença de morte sobre a democracia. Isto é visível
na máquina europeia e na forma como a esmagadora maioria das suas
instituições se foram transformando num edifício muito pouco
democrático, com os seus tratados cifrados e os seus códigos de
regras não escritas ditadas pela lei do mais forte. Não é, por
isso, de estranhar, que o sentimento de sub-representação política
se venha sedimentando a par da crescente rejeição popular contra a
União Europeia. E nem vale a pena meter a cabeça na areia invocando
a extrema-direita e o populismo porque o essencial da degenerescência
do ideal europeu é da responsabilidade dos seus protagonistas
políticos, muitos dos quais dão demasiada atenção aos jogos de
poder ou a articular contactos capazes de lhes garantir vantagens
pessoais. A porosidade destes relacionamentos sobressaiu em casos
como os de Monti, Draghi, Juncker, Kroes ou Barroso, que têm
aumentado a pressão sobre Bruxelas. Daí o inquérito ao
ex-presidente português por parte da Comissão e a petição
pública, que conta já com muitas dezenas de milhares de
assinaturas, pedindo a sua punição exemplar. É a vigilância dos
cidadãos, cada vez menos disponíveis para tolerar situações pouco
recomendáveis.
Durão Barroso bem
pode tentar vitimizar-se, reclamando contra a “discriminação”
de que se sente alvo por ter nascido num pequeno país pobre e
periférico. Mas os factos falam por si, como ficou patente no
trabalho que publicámos sobre a sua relação de proximidade com a
Goldman Sachs. Se quisermos ser muito indulgentes, o mínimo que se
pode dizer é que o relativismo ético do seu comportamento é tão
plástico como as suas explicações. Os encontros discretos, os
mails, as nomeações polémicas, as justificações inconsistentes…
tudo contribui para iluminar a decadência do próprio projecto
europeu, no sentido em que dá maior visibilidade ao bicho que lhe
está a corroer as entranhas. Ainda será possível curar esta
doença? O antídoto seria aplicar uma forte dose de autoridade
ético/política a todas as instâncias comunitárias. Mas como?
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