quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Colecção Miró vai ficar no Porto, resta saber onde e como / Os Mirós finalmente a contas com o público

Os Mirós finalmente a contas com o público
DIRECÇÃO EDITORIAL 27/09/2016 – PÚBLICO

Enfim expostas em Serralves, as 85 obras de Miró ainda não estão livres das polémicas que as rodearam.

Era prematuro falar do assunto, pelo menos é o que dizem do Ministério da Cultura, mas António Costa falou: a colecção Miró vai ficar definitivamente no Porto. Onde? Ninguém sabe ou ninguém diz. O ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, já dissera taxativamente em Julho, numa entrevista dada ao PÚBLICO, que era desejo da tutela que as obras (85, no total) ficassem no Porto. Mas também deixou claro que, apesar de já estar então previsto expô-las em Serralves (exposição que é inaugurada na próxima sexta-feira, com o título Joan Miró: Materialidade e metamorfose), “não é objectivo de Serralves ficar com os Mirós”. Voltamos então ao início: onde ficarão? Se seguirem o conselho de Álvaro Siza Vieira, “os Mirós ficam bem não importa onde”. Mas mesmo assim é preciso procurar o “onde”, e nessa procura andará a Câmara do Porto, falando-se já em possíveis locais para a sua instalação. E enquanto se invocam “sinergias”, palavra muito em voga para não expor de imediato soluções claras, há quem fale na hipótese de um local construído de raiz ou quem diga que Serralves ainda pode ter uma palavra sobre o assunto. Ponto assente é que fique no Porto, mas nem isto é isento de polémica. Para além dos que, já há muito tempo, vinham defendendo que a colecção podia ficar no Museu do Chiado (o que não sucedeu nem sucederá), Nuno Vassalo e Silva, do Museu Gulbenkian, apelida de “visão provinciana” o querer que os Mirós fiquem no Porto a todo o custo, aplaudindo embora a sua exposição em Serralves. Já João Fernandes, hoje mais defensor da colecção do que no passado, preocupa-se sobretudo que ela seja “apresentada em boas condições.” Propriedade do Estado após o estouro do BPN e avaliadas em 36 milhões de euros, resta saber se a sua exposição compensará, do ponto de vista cultural mas também material, aquilo de que Portugal abdicou com a sua venda. Governo e Ministério terão de responder a isto.

Colecção Miró vai ficar no Porto, resta saber onde e como
SÉRGIO C. ANDRADE 27/09/2016 - 12:00 (actualizado às 20:01)

António Costa anunciou instalação definitiva dos quadros do pintor catalão na cidade. Rui Moreira espera pela inauguração da exposição em Serralves para falar sobre este dossier.

O anúncio feito esta terça-feira pelo primeiro-ministro, em Lisboa, de que a Colecção Miró vai ficar permanentemente instalada na cidade do Porto depois da exposição em Serralves foi recebido como boa notícia para a cidade. Mas há ainda muitas questões em aberto, desde o local onde as obras vão ser instaladas, até aos custos e responsabilidade pela manutenção e gestão do acervo.

António Costa fez a declaração no decorrer da inauguração da III Cimeira do Turismo Português, no Museu do Oriente, a assinalar o dia mundial daquele sector económico. E justificou a decisão do Governo relativamente ao conjunto de 85 obras do importante artista catalão (1893-1983) – que na próxima sexta-feira vai finalmente ser mostrada ao público na Casa de Serralves – pela prioridade que deve ser dada ao investimento na oferta cultural. Com os Mirós em exposição permanente, o Porto vai “reforçar a sua atractividade”. Deste modo, a cidade terá “um novo pólo de atractividade que ajude a consolidar e a reforçar a que tem tido ao longo dos anos”, acrescentou o primeiro-ministro.

O PÚBLICO procurou saber junto do Ministério da Cultura (MC) qual será, depois de Serralves, o destino da colecção no Porto, e que relação manterá a tutela com ela e com a autarquia liderada por Rui Moreira no que toca a custos de instalação, manutenção e gestão deste acervo, mas o gabinete de Luís Filipe Castro Mendes fez saber apenas que “é ainda prematuro falar sobre este assunto”.

Também Rui Moreira declinou tecer algum comentário à decisão agora anunciada, reservando a sua posição para o momento da inauguração oficial em Serralves da exposição Joan Miró: Materialidade e metamorfose, na próxima sexta-feira.

São extraordinárias notícias para o Porto, mas também para Portugal e para o património do país. Todos nós vamos ficar mais ricos

João Fernandes
Por esclarecer ficaram, assim, perguntas relativas ao modelo de funcionamento a aplicar quando a colecção passar a estar exposta a título permanente, a uma eventual partilha de receitas e à possibilidade de o MC vir a decidir, ainda, vender algumas das 85 obras do pintor catalão que pertenceram ao extinto BPN.

Para já, a bola parece estar no campo do presidente da Câmara do Porto, que tem agora de decidir onde irá sediar e mostrar a colecção na cidade, e como. Rui Moreira recebeu com agrado, ainda antes do Verão, a notícia de que o Governo gostaria de ver a colecção instalada no Porto, e terá trabalhado já em vários cenários possíveis para sua sede.

“Se o Estado português quiser colocar os Mirós no Porto, estamos disponíveis e interessados nisso, e não faltarão espaços, nem imaginação para os encontrar e adaptar a esse fim”, disse o autarca em Julho, respondendo ao repto então lançado pelo ministro da Cultura para que os Mirós fossem acolhidos na cidade, depois de uma entrevista ao PÚBLICO.

Ainda esta segunda-feira, o autarca recebeu na Câmara do Porto uma delegação do Bloco de Esquerda, que, à saída do encontro, manifestou o seu empenho político em garantir que as obras do artista catalão fiquem expostas em permanência na cidade. “É este o trabalho que estamos a fazer: contribuir para que os Mirós possam ficar no Porto e para que se encontre uma solução na cidade para os expor em permanência”, disse então o deputado José Soeiro, citado pela Lusa.

Também nessa altura Rui Moreira não quis pronunciar-se publicamente. E a questão, que o autarca já tinha levantado em Julho, sobre se o MC está a pensar num museu nacional no Porto ou num museu municipal parece continuar sobre a mesa.

Ouvida pelo PÚBLICO, a deputada Gabriela Canavilhas lembrou que o anúncio agora feito por António Costa veio apenas ratificar o que o Governo já tinha anunciado na Assembleia da República. “Este anúncio vem reforçar a preocupação do Governo de estabelecer sinergias com o poder local e fazer uma distribuição mais justa do património”, diz a ex-ministra da Cultura, realçando também a importância que os Mirós terão para o reforço da cidade do Porto como “grande centro de atracção turística”.

Pró e contra a decisão

Quem agora se congratulou com o anúncio do Governo foi João Fernandes, director-adjunto do Museu Nacional-Centro de Arte Rainha Sofia, em Madrid. “São extraordinárias notícias para o Porto, mas também para Portugal e para o património do país. Todos nós vamos ficar mais ricos”, disse o ex-director artístico do Museu de Serralves.

Se, há algum tempo atrás, João Fernandes achava que a colecção “herdada” pelo Estado português era algo “desigual”, mesmo se continha “obras muito relevantes de um artista fundamental do século XX”, o curador e crítico de arte admite ter mudado a sua opinião depois de ouvir a posição de Robert Lubar Messeri, o comissário da exposição que está a ser instalada em Serralves. “Messeri disse que a colecção funciona como um todo. Como respeito muito o seu trabalho, aceito que ele tem razão”, diz Fernandes. “Agora há que trabalhar e procurar que a colecção seja apresentada em boas condições”, acrescenta.

Posição bem diferente tem Nuno Vassalo Silva, director adjunto do Museu Gulbenkian. “É uma decisão lamentável, a ceder ao imediato, e que só demonstra como em Portugal é difícil implementar um programa de cultura, porque a tentação mais imediata é seguir os caminhos mais fáceis e atractivos”, acha o ex-director geral do Património Cultural nomeado no tempo do Governo PSD/PP.

“Se expor a colecção em Serralves é uma boa ideia”, decidir que ela fique depois na cidade manifesta “uma visão provinciana”, acrescenta Vassalo e Silva, descrendo que ela faça “desviar os turistas que vão a Barcelona, a Madrid ou a Nova Iorque” ver os Mirós.

A confirmar-se a instalação da Colecção Miró no Porto, resta agora saber em que lugar. Em declaração ao PÚBLICO no passado fim-de-semana, o arquitecto Álvaro Siza – que é o responsável pela montagem da exposição dos quadros na Casa onde habitou o Conde de Vizela – disse que “os Mirós ficam bem não importa onde”. Mas acha bem que a colecção fique na cidade. “Se os Mirós ficarem cá, para mim é melhor – e para os habitantes do Porto em geral –, porque posso ir vê-los com mais facilidade”, diz o arquitecto.

Vários lugares

Sobre o sítio em que as obras devem ser instaladas, têm sido avançadas várias possibilidades. O primeiro que Siza refere é o Palacete Viscondes de Balsemão, na Praça de Carlos Alberto, que, além de espaço, “tem a vantagem de pertencer à câmara”, lembra.

O Cinema Batalha, a Casa Tait, a Casa do Infante, espaços da Santa Casa da Misericórdia, o Palacete Pinto Leite, entretanto já vendido pela autarquia, e o Matadouro – para o qual foi já também apresentado um ambicioso projecto de transformação num centro polivalente de artes e património – são alguns dos lugares que foram sendo aventados para sede da colecção.

Sem abrir o jogo sobre a solução que prefere, Rui Moreira sempre defendeu que encontrar o espaço não será um problema. E o previsível encontro do autarca com o primeiro-ministro e o ministro da Cultura na próxima sexta-feira, na inauguração da exposição Joan Miró: Materialidade e metamorfose, em Serralves, irá certamente criar a oportunidade para se perceber melhor que soluções políticas e de gestão vão ser encontradas para a situação.

De resto, também Serralves – onde a apresentação da Colecção Miró foi de algum modo imposta pelo anterior ministro da Cultura, João Soares – parece estar à espera de mais informação para se pronunciar sobre o futuro dos Mirós no Porto.

E se a fundação considera que a obra de Miró diz respeito a um período cronológico que é anterior à da abrangência da Colecção de Serralves, que se inicia “circa 1968”, há quem não veja nisso um impedimento. “Os projectos dos museus também são flexíveis, mas caberá sempre a Serralves responder a essa questão”, diz João Fernandes. Mas, mais importante do que resolver “o dilema” do lugar – que pode muito bem “ser criado de raiz”, admite o curador e crítico –, é assegurar que a Colecção Miró seja “apresentada em boas condições materiais de exposição e de interpretação”.

Questionada sobre o lugar em que a Colecção Miró poderá vir a ser instalada, Gabriela Canavilhas acha que essa é uma decisão que caberá sobretudo à Câmara do Porto, mas adianta que vê como melhor solução encontrar-se “uma tipologia museológica” diferente daquelas que hoje existem na cidade.

Com Ana Rute Silva e Lucinda Canelas

Sem comentários: