Colecção
Miró vai ficar no Porto, resta saber onde e como
SÉRGIO C. ANDRADE
27/09/2016 - 12:00 (actualizado às 20:01)
António
Costa anunciou instalação definitiva dos quadros do pintor catalão
na cidade. Rui Moreira espera pela inauguração da exposição em
Serralves para falar sobre este dossier.
O anúncio feito
esta terça-feira pelo primeiro-ministro, em Lisboa, de que a
Colecção Miró vai ficar permanentemente instalada na cidade do
Porto depois da exposição em Serralves foi recebido como boa
notícia para a cidade. Mas há ainda muitas questões em aberto,
desde o local onde as obras vão ser instaladas, até aos custos e
responsabilidade pela manutenção e gestão do acervo.
António Costa fez a
declaração no decorrer da inauguração da III Cimeira do Turismo
Português, no Museu do Oriente, a assinalar o dia mundial daquele
sector económico. E justificou a decisão do Governo relativamente
ao conjunto de 85 obras do importante artista catalão (1893-1983) –
que na próxima sexta-feira vai finalmente ser mostrada ao público
na Casa de Serralves – pela prioridade que deve ser dada ao
investimento na oferta cultural. Com os Mirós em exposição
permanente, o Porto vai “reforçar a sua atractividade”. Deste
modo, a cidade terá “um novo pólo de atractividade que ajude a
consolidar e a reforçar a que tem tido ao longo dos anos”,
acrescentou o primeiro-ministro.
O PÚBLICO procurou
saber junto do Ministério da Cultura (MC) qual será, depois de
Serralves, o destino da colecção no Porto, e que relação manterá
a tutela com ela e com a autarquia liderada por Rui Moreira no que
toca a custos de instalação, manutenção e gestão deste acervo,
mas o gabinete de Luís Filipe Castro Mendes fez saber apenas que “é
ainda prematuro falar sobre este assunto”.
Também Rui Moreira
declinou tecer algum comentário à decisão agora anunciada,
reservando a sua posição para o momento da inauguração oficial em
Serralves da exposição Joan Miró: Materialidade e metamorfose, na
próxima sexta-feira.
São extraordinárias
notícias para o Porto, mas também para Portugal e para o património
do país. Todos nós vamos ficar mais ricos
João Fernandes
Por esclarecer
ficaram, assim, perguntas relativas ao modelo de funcionamento a
aplicar quando a colecção passar a estar exposta a título
permanente, a uma eventual partilha de receitas e à possibilidade de
o MC vir a decidir, ainda, vender algumas das 85 obras do pintor
catalão que pertenceram ao extinto BPN.
Para já, a bola
parece estar no campo do presidente da Câmara do Porto, que tem
agora de decidir onde irá sediar e mostrar a colecção na cidade, e
como. Rui Moreira recebeu com agrado, ainda antes do Verão, a
notícia de que o Governo gostaria de ver a colecção instalada no
Porto, e terá trabalhado já em vários cenários possíveis para
sua sede.
“Se o Estado
português quiser colocar os Mirós no Porto, estamos disponíveis e
interessados nisso, e não faltarão espaços, nem imaginação para
os encontrar e adaptar a esse fim”, disse o autarca em Julho,
respondendo ao repto então lançado pelo ministro da Cultura para
que os Mirós fossem acolhidos na cidade, depois de uma entrevista ao
PÚBLICO.
Ainda esta
segunda-feira, o autarca recebeu na Câmara do Porto uma delegação
do Bloco de Esquerda, que, à saída do encontro, manifestou o seu
empenho político em garantir que as obras do artista catalão fiquem
expostas em permanência na cidade. “É este o trabalho que estamos
a fazer: contribuir para que os Mirós possam ficar no Porto e para
que se encontre uma solução na cidade para os expor em
permanência”, disse então o deputado José Soeiro, citado pela
Lusa.
Também nessa altura
Rui Moreira não quis pronunciar-se publicamente. E a questão, que o
autarca já tinha levantado em Julho, sobre se o MC está a pensar
num museu nacional no Porto ou num museu municipal parece continuar
sobre a mesa.
Ouvida pelo PÚBLICO,
a deputada Gabriela Canavilhas lembrou que o anúncio agora feito por
António Costa veio apenas ratificar o que o Governo já tinha
anunciado na Assembleia da República. “Este anúncio vem reforçar
a preocupação do Governo de estabelecer sinergias com o poder local
e fazer uma distribuição mais justa do património”, diz a
ex-ministra da Cultura, realçando também a importância que os
Mirós terão para o reforço da cidade do Porto como “grande
centro de atracção turística”.
Pró e contra a
decisão
Quem agora se
congratulou com o anúncio do Governo foi João Fernandes,
director-adjunto do Museu Nacional-Centro de Arte Rainha Sofia, em
Madrid. “São extraordinárias notícias para o Porto, mas também
para Portugal e para o património do país. Todos nós vamos ficar
mais ricos”, disse o ex-director artístico do Museu de Serralves.
Se, há algum tempo
atrás, João Fernandes achava que a colecção “herdada” pelo
Estado português era algo “desigual”, mesmo se continha “obras
muito relevantes de um artista fundamental do século XX”, o
curador e crítico de arte admite ter mudado a sua opinião depois de
ouvir a posição de Robert Lubar Messeri, o comissário da exposição
que está a ser instalada em Serralves. “Messeri disse que a
colecção funciona como um todo. Como respeito muito o seu trabalho,
aceito que ele tem razão”, diz Fernandes. “Agora há que
trabalhar e procurar que a colecção seja apresentada em boas
condições”, acrescenta.
Posição bem
diferente tem Nuno Vassalo Silva, director adjunto do Museu
Gulbenkian. “É uma decisão lamentável, a ceder ao imediato, e
que só demonstra como em Portugal é difícil implementar um
programa de cultura, porque a tentação mais imediata é seguir os
caminhos mais fáceis e atractivos”, acha o ex-director geral do
Património Cultural nomeado no tempo do Governo PSD/PP.
“Se expor a
colecção em Serralves é uma boa ideia”, decidir que ela fique
depois na cidade manifesta “uma visão provinciana”, acrescenta
Vassalo e Silva, descrendo que ela faça “desviar os turistas que
vão a Barcelona, a Madrid ou a Nova Iorque” ver os Mirós.
A confirmar-se a
instalação da Colecção Miró no Porto, resta agora saber em que
lugar. Em declaração ao PÚBLICO no passado fim-de-semana, o
arquitecto Álvaro Siza – que é o responsável pela montagem da
exposição dos quadros na Casa onde habitou o Conde de Vizela –
disse que “os Mirós ficam bem não importa onde”. Mas acha bem
que a colecção fique na cidade. “Se os Mirós ficarem cá, para
mim é melhor – e para os habitantes do Porto em geral –, porque
posso ir vê-los com mais facilidade”, diz o arquitecto.
Vários lugares
Sobre o sítio em
que as obras devem ser instaladas, têm sido avançadas várias
possibilidades. O primeiro que Siza refere é o Palacete Viscondes de
Balsemão, na Praça de Carlos Alberto, que, além de espaço, “tem
a vantagem de pertencer à câmara”, lembra.
O Cinema Batalha, a
Casa Tait, a Casa do Infante, espaços da Santa Casa da Misericórdia,
o Palacete Pinto Leite, entretanto já vendido pela autarquia, e o
Matadouro – para o qual foi já também apresentado um ambicioso
projecto de transformação num centro polivalente de artes e
património – são alguns dos lugares que foram sendo aventados
para sede da colecção.
Sem abrir o jogo
sobre a solução que prefere, Rui Moreira sempre defendeu que
encontrar o espaço não será um problema. E o previsível encontro
do autarca com o primeiro-ministro e o ministro da Cultura na próxima
sexta-feira, na inauguração da exposição Joan Miró:
Materialidade e metamorfose, em Serralves, irá certamente criar a
oportunidade para se perceber melhor que soluções políticas e de
gestão vão ser encontradas para a situação.
De resto, também
Serralves – onde a apresentação da Colecção Miró foi de algum
modo imposta pelo anterior ministro da Cultura, João Soares –
parece estar à espera de mais informação para se pronunciar sobre
o futuro dos Mirós no Porto.
E se a fundação
considera que a obra de Miró diz respeito a um período cronológico
que é anterior à da abrangência da Colecção de Serralves, que se
inicia “circa 1968”, há quem não veja nisso um impedimento. “Os
projectos dos museus também são flexíveis, mas caberá sempre a
Serralves responder a essa questão”, diz João Fernandes. Mas,
mais importante do que resolver “o dilema” do lugar – que pode
muito bem “ser criado de raiz”, admite o curador e crítico –,
é assegurar que a Colecção Miró seja “apresentada em boas
condições materiais de exposição e de interpretação”.
Questionada sobre o
lugar em que a Colecção Miró poderá vir a ser instalada, Gabriela
Canavilhas acha que essa é uma decisão que caberá sobretudo à
Câmara do Porto, mas adianta que vê como melhor solução
encontrar-se “uma tipologia museológica” diferente daquelas que
hoje existem na cidade.
Com Ana Rute Silva e
Lucinda Canelas
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