Como
combater o populismo?
Teresa de Sousa
18/09/2016 –
PÚBLICO
Hillary tem hoje um
peso enorme sobre os ombros. Uma boa parte do mundo espera que ela
ganhe as eleições porque não saberia o que fazer caso Trump viesse
a ser eleito.
1. Durante uma
semana a pneumonia de Hillary apoderou-se da campanha para a Casa
Branca. Deu jeito a Donald Trump, que passa a vida a dizer que a sua
adversária está doente. Como é seu hábito, vai repetindo uma
ideia sem qualquer sustentação, até conseguir que ela crie
desconfiança na opinião pública. A questão é outra: por que
razão toda a gente quer discutir a pneumonia de Clinton como se
fosse a coisa mais importante na escolha de um Presidente? O primeiro
argumento não é sobre a gravidade da doença. É sobre o facto de a
candidata não ter revelado imediatamente que estava com pneumonia.
Ela própria já veio dizer que achou que podia ultrapassar o seu
estado de saúde sem deixar a campanha. Bill também já veio pedir
desculpa por ter dito que a sua mulher estava apenas constipada. Esta
obsessão pela transparência total, muito politicamente correcta,
mas também bastante estúpida, afasta a opinião pública daquilo
que realmente interessa. É essa, aliás, a estratégia de Trump,
que, por sinal, mente dia sim, dia não. Mas o facto é que as
sondagens voltaram a apertar o intervalo entre Clinton e Trump. A
campanha de Hillary está tudo menos descansada. O próximo desafio
são os debates televisivos em que a grosseria e o primarismo de
Trump criam um clima inóspito para outro tipo de linguagem e de
discurso. O problema de Hillary, escreve Gerald Seib no Wall Street
Journal, é o mesmo que levou à derrota os 12 candidatos que
disputaram as primárias contra Trump. “Como se corre contra um
candidato tão fora dos padrões habituais, tão duro e tão brutal?”
Aconselha Hillary a não entrar num combate directo. “Quando Rubio
e Cruz decidiram entrar num combate de facas com Trump, acabaram
cortados às fatias”. Clinton corre esse risco.
A novidade seguinte
foi o inesperado reconhecimento de que Obama tinha nascido, mesmo, na
América. Há quatro anos, Trump exigiu que apresentasse a certidão
de nascimento. Mas o candidato republicano não faz nada que possa
beneficiar o adversário. O que se seguiu foi a insinuação de que
tinha sido Clinton há oito anos, nas primárias, quem primeiro
levantara a questão. Como é que se responde a uma insinuação
destas? É difícil e obriga a adversária, tal como a pneumonia, a
desgastar-se em questões de pura chicana política mas que vão
fazendo mossa. Ontem, a certidão de nascimento já tinha sido
substituída por outro facto, ainda mais grave. Trump desafiou
Clinton a tirar as armas aos seus guarda-costas para ver o que
aconteceria. Mais uma vez, avança com a insinuação de que lhe pode
acontecer alguma coisa. Mais uma vez a distracção perfeita para
desestabilizar a campanha da sua adversária. Cortar às fatias, como
diz o Journal. Como se sai disto?
2. O lado mais
importante das últimas semanas é, no entanto, o programa económico
que Trump apresentou, com os condimentos necessários para agradar
quer ao eleitorado republicano, quer ao democrata. Trump anunciou que
uma das suas principais medidas será uma redução drástica dos
impostos, muito ao gosto republicano. Prometeu 4,4 triliões de
dólares, depois de ter começado por prometer 10 triliões. A
segunda, muito democrata, é “rebobinar” a globalização,
devolvendo à América os empregos que andou a exportar para a China
ou para o México. Como? Por exemplo, aplicando tarifas de 35 por
cento às importações mexicanas e de 45 às chinesas. Como lembra a
BBC, um televisor de 100 dólares passaria a custar 135. Quem pagava
a factura? A classe média, naturalmente. E lá se ia a poupança nos
impostos. O mesmo em relação aos acordos de livre comércio, que
quer rasgar ou, na versão mais actual, renegociar. Mas com uma só
condição: “a América tem de ganhar”. E os outros perderem? É
óbvio que responderão com o mesmo aumento de tarifas para as
importações americanas. Quem fica a ganhar? Ninguém. Mas uma parte
substancial dos eleitores aceita o que ele diz sem precisar de
detalhes. A cereja em cima do bolo foi a promessa de criar em 10 anos
25 milhões de empregos. Parece muito mas não é. Bill Clinton criou
em oito anos 22 milhões de empregos e conseguiu transformar o défice
em excedente orçamental. É verdade que isso aconteceu noutro tempo.
A economia americana, depois de um período de recessão, estava já
a inverter o ciclo. A entrada em cena das novas tecnologias foi mais
um forte impulso ao crescimento. Mas a verdade é que a economia
americana já está hoje a criar perto de 2,5 milhões de empregos
por ano, que, multiplicados por dez, chegam à promessa de Trump.
Como lembrava Paul Krugman na sua coluna do NYT, os dados da economia
americana que acabam de ser revelados provam que a política
económica de Obama não foi assim tão má, ainda que esteja nos
antípodas de Trump. O desemprego está em valores que rondam os 5
por cento, o rendimento médio das famílias aumentou num ano 5,2 por
cento. A economia ganha balanço. Ou seja, se Trump tem um plano para
a economia, não será difícil a Clinton apresentar o seu. Até
agora, a candidata tem cedido, aqui e ali, à pressão do populismo e
ao eco que tem em partes muito significativas do eleitorado. A sua
posição é difícil. É fácil dizer que se acaba com todos os
acordos de livre comércio internacionais, é difícil explicar às
pessoas quais seriam as consequências. É fácil prometer descer
impostos, mais difícil garantir que os estímulos à economia não
podem ser apenas feitos para beneficiar os mais ricos. A Trump,
basta-lhe dizer que um país “que ganhou duas guerras mundiais e
pôs um homem na lua” pode tudo. Uma parte dos americanos parece
acreditar. Trump explora uma raiva imoderada às elites e ao modo
como Washington funciona. Uma recente sondagem do Washington Post
indicava que era visto pelos eleitores como o pior candidato em
matéria de política externa, mas o melhor para destruir o sistema
disfuncional de Washington. Do qual Hillary é um exemplo perfeito ao
olhos de muita gente.
3. Hillary tem hoje
um peso enorme sobre os ombros. Uma boa parte do mundo espera que ela
ganhe as eleições porque não saberia o que fazer caso Trump viesse
a ser eleito. Mas considerar a NATO uma organização obsoleta, dizer
à Coreia do Sul e ao Japão que, se se querem defender da Coreia do
Norte, construam as suas próprias armas nucleares em vez de viver a
expensas dos EUA não é de molde a tranquilizar ninguém. A não ser
aqueles que apostam no enfraquecimento da América. Quando Trump
elogia Putin e o desafia a piratear os mails de Clinton, está tudo
dito. Clinton chegará à casa Branca com uma experiência e uma
preparação de que poucos presidentes se podem gabar. Conhece o
mundo inteiro, negociou com o mundo inteiro. Preparou-se para este
lugar toda a vida, esperando pela sua vez. Falhou em 2008 porque teve
de enfrentar um candidato excepcional. Não pode falhar agora, quando
tem de derrotar um populista com preparação zero e com um programa
que seria fatal para o poder americano. Joschka Fischer, anterior
chefe da diplomacia alemã, dizia numa conferência em Londres que
nunca, mas nunca, acreditou que o “Brexit” pudesse alguma vez
acontecer. Devemos temer o pior? Para a Europa seria um desastre.
Para o mundo seria uma enorme incerteza. Estamos a falar da única
superpotência mundial da qual depende, em grande medida, a nossa
segurança e a segurança do mundo. É aqui que sentimos um calafrio.
Boa sorte para Hillary, é tudo o que podemos desejar.
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