Trump
entrou mais forte, Hillary recuperou e ganhou aos pontos
HÁ 2 HORAS
João
de Almeida Dias / OBSERVADOR
No
primeiro debate entre Hillary Clinton e Donald Trump, o republicano
começou por ganhar pontos. Porém, a democrata demonstrou que levava
a lição mais bem estudada. No final, Trump retraiu-se.
“É muito difícil
ganhar um debate e é muito fácil perdê-lo.” Foi assim que, dias
antes do primeiro encontro entre Hillary Clinton e Donald Trump, o
especialista em debates presidenciais Craig Lamay, autor do livro
Inside the Presidential Debates, definiu estes embates entre os
candidatos à Casa Branca.
Agora, a frase de
Lamay parece espelhar com clareza o debate desta madrugada. Adotando
uma postura substancialmente menos agressiva do que aquela que usara
nos debates para as primárias republicanas, Trump escolheu o
improviso em detrimento de um discurso planeado e detalhado, tornando
claro que só tem a perder ao aparecer menos preparado do que a sua
rival. Por outro lado, ao esperar por um passo em falso do seu
adversário, Clinton não saiu da base argumentativa que tem pisado
desde que garantiu a nomeação do Partido Democrata, colocando
dúvidas sobre se este debate lhe serviu para atrair novos eleitores.
O debate até
começou bem para Trump, que terá ficado contente ao verificar que o
moderador, Lester Holt, da NBC, escolheu o dossier da economia e do
mercado de trabalho — o único onde os eleitores reconhecem mais
capacidades ao republicano do que a Clinton, segundo uma sondagem da
ABC e do Washington Post do dia anterior — para encetar a
discussão.
“Ela anda nisto há
30 anos”
Depois de Clinton
ter dito que era preciso “criar empregos que funcionem para todos e
não apenas para aqueles que estão no topo”, Trump respondeu-lhe
com o tempo que ela já leva a frequentar alguns dos centros de poder
mais importantes dos EUA, duvidando de que essa seja verdadeiramente
uma preocupação da democrata. “Ela anda nisto há 30 anos. Porque
é que nunca fez acordos [comerciais] melhores?”, questionou. “A
secretária Clinton e outros políticos deviam ter feito isto há
anos, não é agora só porque nós criámos um movimento. Eles já
deviam ter feito isto há anos.”
Insistindo no tema
dos acordos comerciais, Trump apontou a posição de Clinton em
relação ao Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e
Investimento entre a União Europeia e os EUA (TTIP), que depois de
meses a falar a favor do mesmo acabou a rejeitá-lo de forma tépida.
“Você era completamente a favor dele e depois ouviu-me dizer quão
mau [o TTIP] era e pensou ‘não vou conseguir ganhar aquele
debate’. Mas você sabe que, se ganhar, vai aprovar aquilo e isso
será tão como a NAFTA”, disse, em relação ao acordo comercial
estabelecido em 1994 o México, o Canadá e os EUA, então liderados
por Bill Clinton. “O seu marido assinou o NAFTA, que foi uma das
piores coisas que aconteceu na indústria”, Trump atirou à sua
adversária.
Quando o moderador
lhe perguntou se tencionava divulgar a sua declaração fiscal — um
gesto que se tornou numa norma, mas não uma obrigação legal, para
os candidatos presidenciais nos EUA —, este respondeu com uma
promessa envenenada. “Eu divulgo a minha declaração fiscal,
contra a vontade do meu advogado, quando ela divulgar os 33 mil
e-mails que foram apagados”, atirou Trump, em referência ao
escândalo em torno de Clinton e da sua equipa nos tempos em que foi
secretária de Estado, espoletado por terem usado contas de e-mail
privadas e potencialmente inseguras para fins profissionais.
Sobre a hesitação
de Trump em divulgar a sua declaração fiscal, Clinton explicou que
esta pode ser uma maneira esconder que “talvez” não seja tão
“rico” e “caridoso” como tenta passar. Além disso, acusou-o
de dever “cerca de 650 milhões de dólares a Wall Street e a
bancos estrangeiros” e de não ter “pago nada em impostos
federais”. Trump não respondeu a esta última questão, deixando
pelo menos essa dúvida no ar.
Clinton:
“Preparei-me para ser Presidente. E eu acho que isso é bom”
À medida que o
debate avançou para outros temas, Trump perdeu o domínio que até
aí parecia ter conseguido, demonstrando um grau de preparação
aquém daquele que Clinton fez questão de exibir. Cada vez mais, o
debate tornou-se numa parábola entre o aluno despreocupado, que se
senta na carteira de trás e presta atenção à matéria apenas
quando esta lhe agrada, e a rapariga da fila da frente que adequa as
suas respostas consoante aquilo que acredita ser o pensamento do
professor.
A certa altura,
Trump gabou-se de ter recentemente viajado um pouco por todo o país,
ao contrário de Clinton. “Eu acho que o Donald acabou de me
criticar por eu me ter preparado para este debate”, reagiu a
democrata. “É verdade que o fiz. E sabem para o que é que eu
também me preparei? Preparei-me para ser Presidente. E eu acho que
isso é bom.”
Quando o debate
passou para as tensões raciais, sobretudo entre alguns segmentos da
comunidade afro-americana com a polícia, Clinton referiu que é
preciso “restaurar a confiança”. “Temos de trabalhar com a
polícia, temos de nos assegurar de que eles respeitam as comunidades
e que as comunidades os respeitam”, disse. E aproveitou para falar
das armas: “Temos de tirar as armas das mãos das pessoas que não
as devem ter”.
Na sua vez, Trump
disse que há “gangues que andam pelas ruas” que “em muitos
casos” são compostos por “imigrantes ilegais”. E numa
tentativa de aproximação ao eleitorado afro-americano (em agosto,
pediu-lhes o voto, com a pergunta retórica “mas que raio é que
vocês têm a perder?”), disse que “as comunidades
afro-americanas estão a ser dizimadas pelo crime”. Além disso,
defendeu a prática de stop and frisk (“Pára e revista”, em
português) por parte da polícia, desvalorizando o facto de ela ter
sido declara inconstitucional e de ter levantado queixas de
discriminação racial.
A partir desta
altura, Clinton apostou em apresentar um retrato de Trump como um
candidato inexperiente, irresponsável e com ideias racistas e
sexistas, desviando o debate sempre que possível da discussão
política para assim poder atacar o candidato republicano pelo seu
comportamento.
No campo da política
internacional, Clinton referiu que “o Donald admira muito Vladimir
Putin”, enquanto se discutia a segurança dos EUA, em particular no
contexto da cibersegurança, que poderá ter sido afetada
recentemente por Moscovo, que conseguiu aceder, entre outros, a
documentos e a conversas privadas do Comité do Partido Democrata,
onde ficou demonstrado uma tendência de favorecimento de Clinton em
detrimento de Bernie Sanders durante as primárias.
Desta vez, Trump,
que em julho chegou a incitar a Rússia a hackar o e-mail privado que
Clinton usou enquanto Secretária de Estado, referiu que “ninguém
sabe” quem foi o autor daquele ciberataque. “Pode ter sido a
Rússia, também pode ter sido a China, mas podia ser muito mais
gente. Também podia ser alguém que está sentado na cama e que pesa
180 quilos, não sei”, aventou.
Trump: “Não
podemos continuar a ser os polícias do mundo”
O autoproclamado
Estado Islâmico também foi um dos temas do debate, com Trump a
acusar Obama e Clinton de criarem um “vácuo” com a saída dos
EUA do Iraque, proporcionando uma hipótese de crescimento para o
grupo terrorista. Clinton respondeu que os EUA têm de “trabalhar
de forma mais próxima” com os seus “aliados”. “Algo que o
Donald tem descartado”, acrescentou, fazendo menção às
declarações de Trump que, por repetidas vezes, arriscou que os EUA
devem exigir pagamentos aos seus aliados da NATO caso colaborem na
sua defesa. “Não podemos continuar a ser os polícias do mundo”,
referiu.
Trump deixou ainda
críticas sobre o acordo nuclear com o Irão. “Um país que estava
prestes a cair, que estava a sufocar com as sanções e que agora
provavelmente será um grande poder nuclear em breve”, disse o
republicano.
Em resposta, Clinton
referiu que foi atingido “um acordo que pôs um fim ao programa
nuclear do Irão sem disparar uma única bala”. “Isso é a
diplomacia, isso é construir coligações, isso é trabalhar com
outras nações”, disse, puxando dos galões de responsável das
relações internacionais dos EUA entre 2009 e 2013, voltando a fazer
o mesmo numa mensagem para “os outros países e os seus líderes”.
“Eu sei que esta campanha causou algumas dúvidas por parte de
vários líderes em todo o mundo, eu falei com alguns deles”,
referiu. “Quero, da minha parte e da parte de uma maioria dos
americanos dizer que a nossa palavra tem valor.”
À ostentação que
Clinton fez do seu currículo, Trump disse que “ela tem muita
experiência, mas é má”. Esta declaração foi feita já na reta
final do debate, em que a troca de palavras aqueceu como até então
não tinha acontecido, com as vozes dos dois candidatos a
sobreporem-se. Numa referência velada aos problemas de saúde que
Clinton apresentou durante alguns dias em setembro, devido a uma
pneumonia, Trump disse que ela “não tem a energia necessária para
ser Presidente deste país”.
Novamente, Clinton
respondeu-lhe como se pegasse no seu currículo e lesse apenas alguns
pontos da sua escolha. “Quando ele viajar até 112 países e
negociar um acordo de paz, um cessar-fogo, uma libertação de
dissidentes, a abertura de novas oportunidades para nações em todo
o mundo, ou até passar 11 horas a responder perante um comité do
Congresso, ele pode vir falar comigo de energia”, disse, arrancando
aplausos à plateia.
“Se ela ganhar,
vou apoiá-la absolutamente”
Embalada, Clinton
soube usar a reta final do debate para dar prova de que também as
raparigas da fila da frente sabem responder aos matulões da fila de
trás, por vezes entrando no seu próprio jogo. Trump chegou até a
dizer que “ia dizer algo extremamente duro à Hillary e à sua
família”, mas que disse para si mesmo “não posso fazê-lo, não
posso fazê-lo, é inapropriado, não é bonito”, mas Clinton
tornou a insistir nalguns dos comentários menos felizes do seu rival
a algumas figuras públicas, todas mulheres.
“Este é um homem
que chamou mulheres de porcas, desajeitadas e cadelas”, atirou,
para depois referir o caso em particular de Alicia Machado, a
venezuelana que venceu o concurso Miss Mundo em 1996, então detido
por Trump. “Ele chamou a esta mulher ‘Miss Piggy’, depois
chamou-lhe ‘Miss Senhora das Limpezas’, porque ela é latina.
Donald, ela tem um nome. O nome dela é Alicia Machado e agora ela é
uma cidadã americana. E acredite que ela vai votar em novembro.”
A fechar o debate, o
moderador perguntou a cada um dos candidatos se estaria disposto a
aceitar o resultado das eleições de 8 novembro. Quando chegou a vez
de Trump, o republicano respondeu de forma atabalhoada e deu a
entender que a única parte que tinha preparado foi aquela em que
referiu o seu principal slogan de campanha, referindo que quer
“tornar a América grande de novo”. Porém, foi de forma cândida
e nada combativa que admitiu enfim: “Se ela ganhar, vou apoiá-la
absolutamente”.
Sem comentários:
Enviar um comentário