Bloco
e PS: o dia da primeira traição
João Miguel Tavares
22/09/2016 –
PÚBLICO
Na velha arte de
espetar facas em costas alheias, o Bloco ainda tem muito a aprender
com o PS.
Não é só Brad e
Angelina que estão com problemas: o casamento entre o Partido
Socialista e o Bloco de Esquerda também já viu melhores dias. É
certo que ainda ninguém entregou os papéis do divórcio, até
porque é cedo para isso, mas ontem de manhã fomos confrontados com
a primeira traição, pela boca de dois Pedros. Pedro Nuno Santos, do
PS, deu a primeira facada no matrimónio nas páginas do DN, ao
declarar que “os anúncios sobre o Orçamento são feitos pelo
governo”, forma muito pouco subtil de desautorizar Mariana
Mortágua. Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, respondeu com
outra facada aos microfones da TSF, garantindo que o processo que
levou Mariana a anunciar a tributação de imóveis acima de 500 mil
euros não só foi feito “com o conhecimento do Governo”, como
foi “enquadrado numa estratégia mediática aceite pelas duas
partes, que estiveram à mesa quer na elaboração da proposta, quer
na discussão de como ela se tornava pública”. E para o caso de
nem toda a gente ter percebido que era mesmo de traição de que ali
se estava a falar, Pedro Filipe Soares voltou a repetir: trata-se de
“um processo – insisto – que foi analisado quer pelo Bloco de
Esquerda, quer pelo governo, quer com a envolvência do Partido
Socialista”.
Estas declarações
apenas confirmam o óbvio: Mariana Mortágua falou publicamente do
novo imposto com a autorização do Partido Socialista e do governo.
Ninguém imaginava que pudesse ser de outra forma. O que o Bloco e o
PS imaginavam, isso sim, é que as consequências da comunicação
fossem outras. No seu actual delírio colectivista e na sua paixão
descabeçada pela igualdade, ambos os partidos acreditavam que um
imposto para tributar a terceira vivenda de família acima do meio
milhão de euros iria ser festivamente acolhido como um imposto sobre
os ricos, e que a classe média rejubilaria – finalmente, Ricardo
Salgado iria começar a pagar o que deve! Só que a classe média
portuguesa já tem calos nos bolsos, e está habituada a que lhe
chamem classe alta há muito tempo. Desconfia, por isso, que mais
tarde ou mais cedo os “impostos para os ricos” acabarão por
sobrar para si – senão em 2017, talvez em 2018 ou 2020. Podemos
baptizar este fenómeno de trickle-down taxes: os impostos começam
por ser para os 1% do topo e rapidamente descem por aí abaixo quando
se percebe que só com esses não se arrecada dinheiro nenhum (é ver
o que se amealhou com o 1% de imposto de selo em casas de valor
superior a um milhão de euros).
Quando se junta a má
explicação do imposto às declarações de Mortágua no colóquio
do PS, o resultado é um cocktail explosivo. Mas este até poderia
ser apenas um daqueles azares que acontecem na política, não fosse
a velocidade a que o PS roeu a corda do Bloco. Assim que as coisas
começaram a aquecer tivemos o primeiro vislumbre da extraordinária
consistência daquela união – e de como há muita gente no PS a
não achar graça nenhuma à ascensão mediática do Bloco de
Esquerda. Vai daí, António Costa, político que faz sempre a mesma
finta, como Vítor Paneira, apareceu logo a aplicar a sua
especialidade: desvalorizar declarações falhadas oriundas do seu
campo político (neste caso, e para variar, não de Mário Centeno,
mas de Mariana Mortágua) e garantir que está tudo bem. Só que
desta vez a desvalorização não é anódina – ela coloca em xeque
a posição dos seus aliados. Na velha arte de espetar facas em
costas alheias, o Bloco ainda tem muito a aprender com o PS.
Editorial
O
novo imposto e as consequências políticas
Direcção Editorial
/ PÚBLICO
21/09/2016 – 20:08
A extensão dos
danos resultante desta polémica é imprevisível.
Há muito tempo que
não se assistia a um tão fragoroso erro de comunicação, com
potencial para causar danos irreparáveis em tudo e todos os que
estiveram envolvidos na sua génese e no seu desenvolvimento no
terreno. Falamos do novo imposto sobre o imobiliário que Governo e
Bloco de Esquerda acordaram em sede do grupo de trabalho sobre
política fiscal e cuja existência foi revelada pelo Jornal de
Negócios. Apesar da sensibilidade do tema e das múltiplas lacunas
ainda em aberto na moldura final do referido imposto, as partes
resolveram testar a opinião pública lançando dois deputados,
Eurico Brilhante Dias (PS) e Mariana Mortágua (BE), numa “estratégia
mediática” que consistia em dar explicações sobre um assunto
ainda não suficientemente estudado, nem decidido.
Sem respostas à
altura e com diferenças evidentes nos propósitos, é óbvio que as
intervenções dos dois deputados não podiam ter um resultado mais
desastroso. Desde logo para o Governo, fragilizado por um quadro de
amadorismo não apenas confinado à confusão da mensagem, mas também
por ter aberto o flanco a mais um ataque a Mário Centeno, que a
direita aproveitou para exibir como uma espécie de subordinado da
azougada deputada bloquista. Além do mais, os protestos e o nível
de rejeição da medida acabaram por obrigar António Costa a fazer
mais uma vez o papel do bombeiro de serviço, dando a cara para
apagar a fogueira que o próprio Governo, enquanto parte das
negociações, tinha ajudado a atear. “Não vamos discutir
propostas cujo desenho não está concluído e com base em hipóteses
que tanto se podem confirmar como não”, disse o primeiro-ministro,
terça-feira, em Vila Nova de Gaia.
Mas os estilhaços
deste erro monumental também se estendem à percepção do nível de
relacionamento entre os três partidos aliados do Governo. Pedro Nuno
Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e figura de
primeira linha do PS, veio a terreiro dizer que não é a Mariana
Mortágua que compete anunciar medidas do Governo. O objectivo foi
poupar Centeno. Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco, foi
obrigado a esclarecer que a divulgação do imposto fora acertada com
o PS e o Governo. O objectivo foi retirar Mortágua da mira da
direita, mas sobretudo poupá-la da indignação pública de
socialistas contra o protagonismo da deputada. Finalmente, é preciso
não escamotear a irritação do PCP quando a notícia sobre o
imposto foi divulgada. Jerónimo de Sousa reagiu de imediato para
revelar que também o seu partido estava a negociar com o Governo,
não se limitando à taxação de imobiliário de luxo, mas também
de património mobiliário. Objectivo, retirar ao BE os louros de uma
medida de ataque aos ricos. Até que ponto isto faz mossa nos níveis
de confiança da "geringonça" logo se verá, mas é
difícil que o PS não seja afectado nas suas diferenças internas.
Ao somatório de reacções negativas a todo este processo, há que
juntar os silêncios. E a tudo acrescentar o Orçamento que aí vem,
mais as próximas sondagens.
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