Como
quer Mariana Mortágua mudar o capitalismo?
20/9/2016,
OBSERVADOR
Primeiro:
acabar com a livre circulação dos capitais. E aumentar salários.
"Acho que há pobreza porque há muita riqueza acumulada que não
pode ser redistribuída aos mais pobres", diz a deputada.
Falou de um palanque
decorado com o velho punho do PS, republicano, laico e burguês.
Disse aos socialistas o que alguns queriam ouvir, a não ser que a
tenham aplaudido por cortesia. Aconselhou-os a repensar o capitalismo
atual, um sistema pelo qual os partidos de centro-esquerda, como o
PS, também têm sido responsáveis. Mariana Mortágua defende “um
sistema capitalista sem livre circulação de capitais”, assumiu a
deputada do Bloco de Esquerda (BE) ao Observador — numa conversa em
que explicou qual é o seu modelo económico — após a polémica da
sua intervenção na Conferência Socialista 2016, este sábado, em
Coimbra. A dirigente do BE assume-se como “anticapitalista”, tal
como o partido a que pertence. Nada de novo. Aquilo que disse no
debate de rentrée do PS é uma versão moderada do que o BE já
defendia. Gerou “burburinho” porque estava a falar a socialistas
e por o Bloco parecer cada vez mais entrosado com o PS. Surgiram pelo
menos dois membros da direção de António Costa a defendê-la nas
redes sociais: João Galamba e Porfírio Silva. Já Sérgio Sousa
Pinto foi demolidor nas críticas.
As diferenças entre
os dois partidos são evidentes. O PS “defende a economia de
mercado” na sua Declaração de Princípios. O BE assume-se como
uma força “anti-capitalista” (Rumo Estratégico do BE, 2006)
comprometido com “a busca de alternativas ao capitalismo” (artigo
1, alínea 2 dos estatutos do Bloco), enquanto os deputados
bloquistas são “anti-capitalistas” (Moção de Catarina Martins
à Convenção deste ano). Eis um choque ideológico no seio da
“geringonça” numa matéria essencial. Este sábado, no debate
sobre desigualdades sociais onde partilhou o palco com o porta-voz do
PS, João Galamba, e com o comunista Eugénio Rosa, Mariana Mortágua
desafiou os socialistas:
Cabe ao PS, se
quer pensar as desigualdades, dizer o que acha deste sistema
capitalista financeirizado e até onde está disposto a ir para
encontrar uma alternativa a este sistema.”
Na palestra, a
bloquista disse que, em toda a Europa, os sociais-democratas da
família do PS “deixaram de discutir o modelo económico. Assinaram
por baixo a conceção da liberalização dos mercados financeiros e
da flexibilização do mercado de trabalho”. Talvez aqui tenha sido
demasiado dura para o PS recente. Apesar das diferenças de fundo
entre os dois partidos, o que a deputada afirmou não anda longe do
que o próprio António Costa escreveu na sua moção ao congresso do
PS, em linguagem ainda mais forte, fazendo um mea culpa por o PS ter
sido contaminado por esse capitalismo neo-liberal:
Fomos também
contaminados, em diversos momentos históricos, pelo vírus da fé
excessiva na autorregulação dos mercados, não sendo capazes de
resistir às tendências de financeirização do capitalismo mundial,
nem de impor uma regulação suficiente do processo de globalização.”
Dificilmente
Mortágua discordaria do diagnóstico. Houve, porém, outra frase na
conferência — que incendiou os comentários políticos, sobretudo
por causa das novas alterações fiscais no setor imobiliário —
mas que rendeu os aplausos dos presentes em Coimbra: “A primeira
coisa que acho que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar
dinheiro a quem está a acumular dinheiro. Quando estamos a
apresentar taxas sobre grandes patrimónios ou grandes rendimentos
estamos a fazê-lo porque queremos diminuir as desigualdades mas
também porque dizemos que uma sociedade estável não é uma
sociedade que permite uma acumulação brutal de capital nos 1% do
topo.” A polémica levaria a deputada a fazer vários posts no
Twitter a explicar o que queria dizer:
Anti-capitalista sem
cartilha contra a livre circulação de capitais
Mariana Mortágua,
economista de formação, assume ao Observador que, “a partir do
momento em que um partido é ‘anti-capitalista’, defende uma
alteração ao sistema de produção. Há caminhos que podem resolver
já os problemas de curto prazo que afetam a vida das pessoas”. A
deputada do Bloco não se compromete, porém, com uma visão global,
doutrinária, de uma sociedade alternativa que substitua a
organização capitalista. “Dá-se a feliz coincidência de haver
um partido anti-capitalista que também tem propostas que melhoram a
vida das pessoas, alternativo da via neoliberal, que não tem um
caminho de longo prazo”. Mas também não avança com uma ideia de
longo prazo. Prefere resumir assim:
O processo de
transformação capitalista não vem numa cartilha.”
Pode parecer uma
forma de se diferenciar do PCP. Aliás, o facto de o Bloco de
Esquerda — composto por várias fações de extrema-esquerda —
não explicitar um ponto de chegada claro em termos de modelo de
sociedade alternativa, tem merecido críticas dos próprios
comunistas: “O Bloco de Esquerda, sob a capa de uma nebulosa
indefinição do seu posicionamento ideológico e de classe,
caracteriza-se fundamentalmente pelo seu caráter
social-democratizante, disfarçado por um verbalismo e radicalismo
esquerdizante, herdado das forças que lhe estiveram na origem”,
escreveu o PCP na Resolução Política do seu congresso, em 2008.
Mesmo sem subscrever
uma “cartilha”, a visão de Mortágua soa mais marxista quando a
deputada refere que as desigualdades “são fruto do sistema de
produção”, e que este “tem de ser alterado se quisermos lidar
com as desigualdades”, diz ao Observador. Primeira medida
essencial: “Temos de questionar a livre circulação do capital.”
Exemplo? “O mundo já sobreviveu sem livre circulação de
capitais. Foi na fase mais próspera do capitalismo de Bretton-Woods,
e que funcionava. Não quer dizer que o capital não se possa mover,
mas move-se com regras.”
Para a deputada, “há
vários passos para mudar esse sistema e a forma como a finança
funciona é o primeiro passo.” Na sua opinião, “o capitalismo
financeirizado não trouxe bons resultados. Estes foram os trinta
anos com mais estagnação no investimento de 1850, desde a primeira
revolução industrial”. Quando desafia o PS a repensar o
capitalismo, refere que “têm de se mudar os pilares do sistema”.
Ou seja, os mercados. “É mais consensual do que se pensa. A única
coisa que procurei foi esclarecer isso”, diz. Mais: “Não se
combatem as desigualdades sem atacar os pilares básicos do sistema
capitalista”, afirma ao Observador.
E o que significa,
então, acabar com a livre circulação do capital e voltar a um
sistema similar ao dos anos 60? Primeiro, seria preciso sair da União
Europeia, ou acabar com o mercado comum europeu. Luciano Amaral,
professor de História Económica na Nova School of Business and
Economics, explica que regressar ao sistema antigo implicava “haver
uma autoridade em cada país”, ou a nível europeu, “que
controlasse essas transações, e que depois as autorizaria ou não”,
explica ao Observador. “O essencial desse sistema era evitar as
fugas de capitais especulativos, mas implicava o fim do mercado
comum”. Apesar de hoje parecer restritivo, Luciano Amaral recorda
que a criação desse sistema no fim da II Guerra Mundial, foi “uma
tentativa de liberalizar, mas mantendo um princípio de controlo da
circulação de capitais para evitar movimentos especulativos em
relação às moedas”.
Aumentar salários
para fazer crescer a economia
Se o fim da livre
circulação de capitais era um primeiro passo no sentido de atenuar
as desigualdades sociais, para a bloquista — que também está a
preparar um doutoramento em Economia — seria preciso contrariar a
precarização da sociedade. “Todo o trabalho e o emprego criado
com bases mais precárias e salários mais baixos que há trinta
anos, está a criar desigualdades funcionais. O produto que cabe ao
trabalho é cada vez menos em relação ao do capital especulativo”.
Ou seja, para
Mariana Mortágua “não é possível tratar das desigualdades
salariais” sem tratar dos salários. “O problema deve ser
resolvido com aumento de salários e não de dívida”, argumenta.
Mas se as empresas aumentam salários sem a economia crescer, não
têm elas próprias que se endividar para pagar aos trabalhadores ou
até falir? Não. A dirigente do Bloco atira com John Maynard Keynes
e com “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, que “fez
uma revolução” ao provar que “não vale a pena as empresas
produzirem mais” se as pessoas não tiverem dinheiro para comprar a
produção. “Foi o que aconteceu com esta crise e com a
austeridade. Não havia ninguém para comprar as coisas que as
empresas estavam a produzir”. A discussão não é de hoje:
Baixar salários
pode melhorar uma empresa, mas descer salários para a sociedade não
melhora uma empresa, baixa o poder de compra. São divergências
muito antigas na teoria económica.”
Quando sustenta que
o PS não deve ter “vergonha” de taxar os mais ricos, Mariana
Mortágua justifica, ao Observador que, no caso em concreto da
conferência de Coimbra se referia a “um por cento dos mais ricos.”
E lança uma pergunta: “Uma das formas de ter rendimentos para
ajudar os 10% mais pobres era taxar um por cento dos mais ricos. Quem
não concorda com isto?” Eis um diagnóstico da dirigente do BE
sobre as causas da pobreza:
Porque é que há
pobreza? Acho que há pobreza porque há muita riqueza. Muita riqueza
acumulada, que não pode ser redistribuída pelos mais pobres.”
Concretamente em
relação a esta afirmação de Mortágua ao Observador, a Declaração
de Princípios do PS estabelece uma visão muito diferente: para o
partido liderado por António Costa, “a criação e a distribuição
de riqueza não são opostos, mas sim aliados”.
Reações do PS: “O
legado histórico do trotskismo” e a “indigência” do debate
A reação mais
violenta do PS à participação de Mariana Mortágua na Conferência
Socialista foi de Sérgio Sousa Pinto. O deputado do PS, que desde o
início se manifestou contra a solução do acordo que gerou a
“geringonça”, foi duro: “Esta paródia senil, protagonizada
por jovens burgueses cripto-comunistas e habilidosos pantomineiros da
velha escola, sairá cara ao meu partido.” Sousa Pinto foi mais
longe, classificando a intervenção de Mariana Mortágua como “uma
lição ministrada do alto do legado histórico do trotskismo ou de
uma qualquer seita comunista heterodoxa”. Chegou a escrever — e a
frase parece dirigir-se a João Galamba — que “já só falta
emergir um furioso qualquer, recentemente criado dirigente e
ideólogo, explicar que os últimos 40 anos foram governados pela
direita — foi esse o problema”.
Sem referir
quaisquer nomes, num post em que partilhava uma notícia sobre o
discurso da dirigente do Bloco, Sérgio Sousa Pinto acusava: “Parados
no passado a atrasar o futuro e a teorizar a resplandecente justiça
social inerente ao socialismo de miséria. Querem reabrir a gaveta
onde Soares fechou diferentes caricaturas do Socialismo.” O antigo
eurodeputado finalizou o texto dizendo que o modelo económico atual
tem a marca do PS e não da extrema-esquerda:
Não escondem ao
que vêm: superar o modelo. Ora, eu gosto do modelo. Foi construído
pelo PS, com tremenda dificuldade, e pela direita democrática. Com o
contributo do radicalismo esquerdista nunca se conseguiu construir
uma cadeira de pau. Quanto mais o Socialismo.”
No mesmo sentido, a
deputada Jamila Madeira, que foi apoiante de António José Seguro —
e que assistiu à intervenção de Mortágua — acha que a frase de
Mariana Mortágua “foi infeliz”, até porque o PS já defende um
sistema que “seja justo e não predador dos mais fracos”, afirma
ao Observador. A deputada socialista critica as declarações da
bloquista sobre a acumulação de riqueza, porque “o país foi
sempre parco em poupança”. Na sua perspetiva, não era suposto que
“que se sentissem atacados alguns que conseguiram conquistar algum
bem-estar”.
Com a polémica em
curso, dois membros da direção do PS saíram em defesa de Mariana
Mortágua. O porta-voz do partido, João Galamba, ironizou no
Facebook: “O PS, que estava presente aplaudiu em peso e mostrou
grande fervor anti-capitalista, terá assustado alguns colunistas do
Observador”. O deputado, que participou no mesmo painel, escreveu
que Mortágua não disse o que lhe atribuem e afirmou que taxar o
património imobiliário acumulado “não é seguramente ir às
‘poupanças dos portugueses’, nem um ‘saque fiscal’, nem
‘atacar a classe média’, nem tentar ‘acabar com a livre
iniciativa e a propriedade privada’”. Ainda no contexto do novo
imposto sobre o imobiliário — que deverá taxar os proprietários
com imóveis com valor patrimonial superior a um milhão de euros —
João Galamba esforçou-se por explicar a filosofia do novo imposto
cujos detalhes ainda são desconhecidos: “Eu já percebi que há
quem queira transformar um imposto justo e que não abrange a
esmagadora maioria dos portugueses num confisco que abrange a maioria
dos portugueses. Por muito que inventem e distorçam, não
transformarão um contributo justo numa coisa que ele não é.”
Porfírio Silva,
membro da comissão permanente do PS tal como João Galamba,
classificou a polémica em torno das declarações de Mariana
Mortágua como um “burburinho” que revela a “indigência” do
debate, e “ignorância”. No fundo, o socialista criticava aqueles
que acusavam Mariana Mortágua de se colocar numa posição de querer
salvar o capitalismo (na verdade, a bloquista apontava medidas para
melhorar o capitalismo e não para o liquidar). O ponto de Porfírio
Silva é que o capitalismo melhora com a contribuição dos seus
críticos: “Alguns economistas críticos, quando analisam certas
formas de capitalismo, ‘arriscam-se a ajudar o capitalismo’,
porque este se pode adaptar. Este debate não é novo, nem foi
inventado pela Mariana Mortágua”. E acrescentava, num texto
publicado no seu blogue Máquina Especulativa: “O que ela ontem
disse, sobre este ponto, em substância, é que os economistas
críticos, que levam Marx ou Keynes mais longe, compreendem melhor o
capitalismo do que, por exemplo, os neoliberais — ou os
social-democratas, já que ela também estava a criticar a família
socialista (e com razão em pontos essenciais, por exemplo quando
disse que nos deixámos levar na cantiga da liberalização do
capital).”
As guerras da
esquerda: o mercado do PS, o que quer o Bloco e as críticas do PCP
Este dirigente do PS
não cita a moção de Costa que falava do “vírus” da fé nos
mercados, mas também não mencionava a Declaração de Princípios
do PS, onde o partido assume que “defende a economia de mercado com
a mesma convicção com que recusa uma sociedade de mercado, quer
dizer, a ilegítima hegemonização de toda a organização social
pela lógica do mercado”. Os socialistas não são
anti-capitalistas, não se definem como tal, mas dizem-se atentos às
constantes “falhas e desigualdades geradas pela dinâmica do
mercado”.
Sem surpresa, o
Bloco de Esquerda definiu-se pelo oposto ao PS logo no documento
fundador de 1999, “Começar de Novo”: o BE apareceu contra a
“globalização do capitalismo”, onde são “ameaçadas” ou
reduzidas “as possibilidades de [se realizarem] políticas
independentes ou anti-capitalistas”. No mesmo texto, contra “a
lógica neo-liberal”, o Bloco invocaria a revolução bolchevique:
“Se a Leste essa hegemonia [do movimento operário] teve tradução
no caminho aberto pela Revolução de Outubro [de 1917], a Ocidente o
capitalismo foi forçado a encontrar um modelo de desenvolvimento que
tivesse em conta aspirações importantes dos trabalhadores.” Para
os fundadores do Bloco, “o direito à escolha de um modelo de
desenvolvimento não capitalista para o país é indissociável do
combate por uma Europa que o possa garantir”. Ou seja, o Portugal
sozinho e isolado não consegue mudar o modelo económico.
Neste domínio, uma
das grandes contradições entre PS e Bloco é esta frase que consta
nos Princípios dos socialistas:
A plena
aceitação da economia de mercado distingue, com clareza, a esquerda
democrática das conceções coletivistas da organização económica
e social.”
Mas sobre este tema,
Mariana Mortágua é clara: defende “a nacionalização de setores
estratégicos construídos com dinheiros públicos que sempre
pertenceram ao povo português, como aeroportos ou telecomunicações,
que nunca deveriam ter sido privatizados.” Também concorda que a
banca devia ser nacionalizada. São, no entanto, aspetos que ficaram
fora do acordo com o PS para viabilizar o Governo de António Costa,
apesar das reversões das privatizações da TAP e de algumas
empresas de transportes públicos.
O Programa Eleitoral
do BE defendia, o ano passado, medidas em matéria fiscal que vão
muito à frente do novo imposto sobre o imobiliário:
Imposto sobre
grandes fortunas.
Taxa agravada
para bens de luxo.
Taxa sobre
transações bolsistas e dividendos aos acionistas.
Fim das “borlas
fiscais” aos grandes grupos económicos no IRC.
Diminuição do
IVA da restauração para 13% e da eletricidade e gás para os 6%.
Eliminação da
sobretaxa do IRS e reposição dos oito escalões existentes antes da
troika.
No IMI, proteção
das primeiras habitações e fim da isenção dos fundos
imobiliários, Igreja, partidos políticos e colégios privados.
Limites às
deduções fiscais: mil euros nos rendimentos anuais até 20 mil; 500
euros nos rendimentos entre 20 mil e 40 mil; fim das deduções nos
rendimentos acima de 40 mil euros.
O Bloco de Esquerda
defendia, ainda, “a inversão do atual processo de concentração
de riqueza, nomeadamente aliviando a carga fiscal sobre o trabalho e
penalizando o capital e as grandes fortunas”.
Não se pense, no
entanto, que todos os anti-capitalistas são iguais. O PCP e o Bloco
de Esquerda parecem defender as mesmas causas, mas os pressupostos e
o ponto de chegada não são os mesmos. É toda uma discussão
antiga. Em 2010, Margarida Botelho — dirigente comunista e
ex-deputada — escreveu um artigo no jornal Militante a analisar o
BE, com as respetivas críticas, algumas delas fruto de velhas
querelas históricas.
Margarida Botelho
criticava o rumo estratégico do Bloco, por não entender muito bem o
que era o partido-movimento, mas sobretudo por não se encaixar nos
pressupostos do socialismo segundo a conceção do Partido Comunista
ao “negar o papel central da luta de classes e da classe operária,
substituindo-os por ‘causas’ e ‘temas’”, numa “original
definição de socialismo, extirpada de qualquer referência às
relações de produção e de propriedade”.
As críticas iam
mais longe. Se Lenine descreveu o esquerdismo como a “doença
infantil do comunismo”, Álvaro Cunhal escreveu um livro com o
título: “Radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista”. No
mesmo texto, Margarida Botelho citava essa obra do líder histórico
dos comunistas para demonstrar onde devia estar a verdadeira luta
anti-capitalista, ignorada pelo BE:
A contestação
da classe operária como a única classe verdadeiramente
revolucionária, a contestação da sua missão histórica como
coveira do capitalismo e criadora da sociedade socialista, a
contestação do partido do proletariado de tipo leninista, tornam-se
pontos centrais da ideologia e da atividade do radicalismo
pequeno-burguês de ‘opção socialista’.”
O artigo terminava
com uma referência ao “carácter social-democratizante” do Bloco
de Esquerda e aos diários “tiques esquerdistas: a fraseologia
radical; o oportunismo, revelado na dependência da agenda mediática
e no parasitar de ações que outros promovem; o pseudo-radicalismo,
de que são exemplo as sucessivas tentativas de ’invasão’ da
Assembleia da República durante as manifestações dos estudantes do
ensino superior entre 2003 e 2005”.
Ao Observador, um
dirigente do Bloco de Esquerda descarta estas críticas dos
comunistas por o BE não defender um modelo de sociedade mais claro —
a que Mariana Mortágua também não quis aludir — e alimenta a
rivalidade com outras perguntas: “Que modelo é que o PCP defende?
O de Angola, o da China ou o da Coreia do Norte?”
Quando a discussão
ideológica se aprofunda para além da espuma dos dias, a
“geringonça” fica mais desengonçada.
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