domingo, 25 de setembro de 2016

Donald Trump e os americanos



How important are the forthcoming presidential debates? Todd Graham, director of debate at Southern Illinois University, says they could just decide the election. Graham breaks down the relative strengths and weaknesses of both candidates, and what they need to do to win

 
Donald Trump e os americanos

Jorge Almeida Fernandes
25/09/2016

Temos amanhã à noite o primeiro debate entre Hillary Clinton e Donald Trump. É o arranque do final da corrida até 8 de Novembro. É para ambos um confronto de alto risco. Todos esperam um debate fora dos modelos normais. A regra de ouro de um candidato é não cometer erros. Trump não funciona assim. Soma gaffes, provocações, indecências e não teme mentir para lá de todos os limites. O que noutro candidato seria defeito ou "suicídio eleitoral" nele parece virtude. Os seus adeptos podem reconhecer que é um demagogo ou um charlatão mas aplaudem essas tiradas — e tanto mais quanto sejam denunciadas pelos media ou adversários.

Estas eleições são diferentes. Resume The Economist: "Desta vez não é exagerado dizer que esta eleição não é apenas sobre quem deverá ser Presidente, mas sobre que espécie de país a América deveria ser."
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O percurso de Trump, que desarticulou o Partido Republicano e agora desafia Hillary, foi uma surpresa e um facto extraordinário. Os fantasmas da América mais conservadora não explicam a dimensão e a persistência do fenómeno. Este faz certamente parte do vento populista que sopra no mundo, particularmente na Europa. Mas veste "roupas americanas". E tem uma ressonância particular porque está em jogo a sorte da maior potência do planeta.
Os temas e o estilo

A campanha de Trump tem duas vertentes que ele unifica numa mistura explosiva. Primeiro, exprime a ansiedade económica dos "perdedores da globalização", ferida agravada pela grande crise de 2008. Diz um seu adepto: "A candidatura de Trump é música celestial aos seus ouvidos. Critica as indústrias que exportam para o outro lado do mar os seus empregos. O tom apocalíptico adequa-se à sua experiência vivida no terreno. Ele adora irritar as elites, o que muitas pessoas desejariam fazer mas não conseguem por falta de instrumentos."

Os dados estatísticos não permitem olhar as classes médias brancas como um todo. Há ganhadores e perdedores, os que se adaptaram à globalização e os que ficaram de fora. É fundamentalmente esta segunda fracção que é a coluna vertebral do povo de Trump.

A segunda vertente é um estilo que baralha as regras. O Washington Post lamentou há dias a ineficácia dos "mainstream media" perante a campanha — de resto, apenas 14% dos americanos se informam através deles. Parte do eleitorado a quem Trump se dirige partilha das suas idiotices e provocações — contra imigrantes e refugiados, insinuações racistas, justificação da tortura, declarações de amor a Putin e outros ditadores, manifestando, enfim, a mais patente irresponsabilidade na política internacional, combinando o isolacionismo com brutais ameaças imperiais. Os outros absolvem-no: "As acusações [contra Trump] exprimem uma instituição ilegítima ou um sistema" que usa o seu poder para os frustrar. Eles desprezam a elite porque sentem que ela não os escuta e os despreza. Se as elites odeiam Trump é a prova de que ele está certo.

Transforma em revolta a frustração social e económica: "Nós contra eles". Dá uma demagógica expectativa de mudança. As elites têm aqui uma alta responsabilidade: quando ignoram a exasperação popular estão a preparar um imenso "motim". Escreve o Financial Times: "Nos Estados Unidos, a elite de direita semeou ventos e agora colhe tempestades. Mas tal pôde acontecer porque a elite de esquerda alienou a fidelidade de amplos estratos da classe média autóctone."
Um fascismo americano?

No fim de 2015 começaram a surgir na imprensa americana artigos que assimilam a campanha de Trump ao fascismo. Há uma interrogação recorrente sobre a repetição da História: "Poderia [o fascismo] acontecer aqui?"

Robert Paxton, historiador americano do fascismo, preveniu em Dezembro contra o abuso das analogias históricas. Prefere ver o fenómeno como um "nacionalismo populista". Mas não encerrou o debate. O historiador britânico Andrew Roberts apontou Mussolini como "a matriz secreta de Trump." O neoconservador Daniel Pipes fala em "neofascismo" e vê Trump como "um perigo interno inédito desde há 150 anos, uma ameaça que poderia minar a sociedade americana e pôr em causa a posição da América no mundo".

Outro e mais célebre neoconservador, Robert Kagan, voltou à carga em Maio com um artigo intitulado "Eis como o fascismo chega à América." Trump poderia conquistar o poder "apesar do seu partido, catapultado para a Casa Branca por uma devota massa de seguidores". Se ele vencesse, "imaginem o poder que teria". Kagan vai votar em Hillary.

Não interessa prolongar os exemplos, apenas sublinhar que não se trata de um debate histórico mas de um combate político: o termo "fascismo" serve para sublinhar a "perigosidade política" do milionário. A América é uma sociedade individualista incompatível com fascismos.

Escrevendo no fim das primárias republicanas, Jacob Weisberg, director do Slate, frisa que Trump não tem uma ideologia, é um oportunista. "O conflito na campanha de 2016 já não é entre Trump e os seus opositores republicanos: agora, é Trump contra o sistema político americano. (...) Os fundadores americanos designaram uma ordem constitucional para prevenir o exercício de um poder tirânico. Podemos crer na eficácia do sistema, mas sem desejar vê-lo testado desta maneira." Enfim: "Se os republicanos sãos falharam em eliminar Trump, esta tarefa caberá a Hillary Clinton."
O "factor humano"

"O estilo é o homem." Com a sua vulgaridade, Trump é um catalisador das frustrações. Ao mesmo tempo, desafia as instituições e a incerta a ordem mundial. Poderá, se for eleito, abandonar os seus temas — o ódio à imigração, a islamofobia, o desprezo pelas instituições, o proteccionismo, o isolacionismo, a hostilidade à NATO e à UE? Talvez os "tempere" mas renegá-los enfraqueceria a sua base. O seu programa é uma garantia de conflito entre os poderes.

Fala-se muito no factor "temperamento". A História conhece demasiados precedentes em que a personalidade dos líderes conduziu os povos umas vezes à redenção, outras à catástrofe. Egocêntrico, imprevisível e agressivo, como se comportaria no poder? Anotou Paxton numa entrevista: "O perigo parece-me ser o risco de bloqueio entre Trump e o Congresso ou entre Trump e os tribunais, ou que ele assuma acções inconstitucionais e as pessoas tenham medo de lhe dizer não."

Muitas das suas ideias já entraram nos espíritos e não desaparecerão tão depressa, mesmo se ele perder. Não seria apenas uma política externa à deriva o que enfraqueceria os EUA e semearia insegurança no mundo. Também uma América em convulsão interna seria uma ameaça para "o resto".

Tudo isto parece verdade. Mas, ensina a História, as instituições americanas sempre acabaram por absorver as convulsões e as ameaças à democracia. Pode demorar, mas não deixarão de funcionar.

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