Coitadinho
do Durão
João Miguel Tavares
15/09/2016 –
PÚBLICO
Durão
Barroso pôs um bigode ridículo – considerá-lo infrequentável é
a consequência óbvia de uma decisão idiota.
Pobre, pobre, Durão
Barroso. Jean-Claude Juncker tirou-lhe a passadeira vermelha, que é
a forma possível de lhe tirar o tapete. O actual presidente da
Comissão Europeia decidiu embirrar (de novo) com a sua contratação
pela Goldman Sachs. A partir de agora, Barroso está privado dos
salamaleques inerentes ao cargo de ex-presidente da Comissão.
Passará a ser recebido em Bruxelas não como antigo presidente, mas
como um representante de interesses particulares, e por isso sujeito
às mesmas regras que os outros lobistas.
Durão ficou
ofendido. Não gostou que lhe chamassem lobista, porque afinal ele
não é lobista, mas sim chefe de lobistas. Vai daí, enviou uma
carta a Juncker que o Expresso publicou na íntegra, onde lamenta que
“o simples facto de trabalhar com a Goldman Sachs” levante
“questões de integridade”. “Estas afirmações são sem base e
completamente sem mérito”, garante. “São discriminatórias
contra mim e contra a Goldman Sachs, uma firma regulada que opera no
Mercado Interno.” E são mais do que isso: “parecem também ser
inconsistentes com decisões tomadas relativamente a outros
ex-membros da Comissão”.
Nesse aspecto, Durão
tem razão. Ele olha à volta e diz: “Então o Mario Draghi não
trabalhou para a Goldman Sachs entre 2002 e 2005?” Olha mais um
bocadinho e acrescenta: “Então o Mario Monti não foi comissário
europeu durante dez anos e depois consultor da Goldman Sachs?”.
Gira de novo o pescoço e adiciona: “Então o Peter Sutherland, meu
antecessor no cargo de chairman da Goldman Sachs International, não
foi comissário europeu nos anos 80?” Levanta o sobrolho e conclui:
“Então o Juncker, que anda aqui armado em moralista, não andou a
negociar com mais de 300 multinacionais acordo secretos que lhes
permitiram fugir aos impostos, quando era primeiro-ministro do
Luxemburgo?” Acerca de tudo isto Durão tem razão. Mas a resposta
a estas questões resume-se a três palavras e uma canção de Bob
Dylan: os tempos mudam. A palavra “Goldman Sachs” não tem em
2016 o mesmo significado que em 1986.
Pensemos no bigode
de Adolf Hitler. Os americanos chamam-lhe “toothbrush moustache”
e foi nos Estados Unidos que no final do século XIX tal estilo de
bigode ganhou popularidade. Se bem se recordam, é o bigode de
Charles Chaplin. Durante mais de duas décadas foi símbolo de
gargalhadas. Nas primeiras décadas do século XX começou a ser
habitual encontrá-lo na Alemanha. Infelizmente, o comportamento de
Hitler destruiu a possibilidade de voltar a ser usado por pessoas
respeitáveis – o seu bigodinho transformou-se num dos mais odiosos
símbolos do século XX. O próprio Chaplin teve de o abandonar. Que
culpa teve o bigode de Hitler na invasão da Polónia? Que se saiba,
nenhuma. É uma simples opção capilar. Só que deixou de ser uma
simples opção capilar. A partir da década de 40 tornou-se
impossível usar aquele bigode.
Ora, para muito boa
gente, a Goldman Sachs é o bigode de Adolf Hitler do século XXI. A
Goldman Sachs está para o vasto mundo do capitalismo como o
toothbrush moustache está para o vasto mundo dos bigodes – é uma
representação, ainda que exagerada, do mal. Depois da queda do
Lehman Brothers e da crise da dívida grega, qualquer político que
decida ir trabalhar para a Goldman Sachs paga um alto preço
reputacional. Se Durão Barroso não sabia isto é porque se esqueceu
durante dez anos de sair à rua. Ele pôs um bigode ridículo –
considerá-lo infrequentável é a consequência óbvia de uma
decisão idiota.
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