Bratislava
não fechará as comportas abertas pelo "Brexit"
Teresa de Sousa
16/09/2016 –
PÚBLICO
Merkel
está deprimida e tem razões para isso. A Europa está mais dividida
do que nunca. A divisão Norte-Sul parece uma brincadeira de crianças
comparada com a divisão Leste-Oeste. Não se esperam milagres em
Bratislava
1.Citada pelo New
York Times, a chanceler alemã dizia na semana passada que “o mundo
se encontra numa situação crítica”. Acrescentando que “não
serve de nada tentar pintar a situação de cor-de-rosa”. Nas
últimas semanas, a chanceler teve a oportunidade de constatar que a
Europa também se encontra numa situação bastante crítica, depois
de ter tido encontros com praticamente todos os seus homólogos
europeus, para avaliar o que se poderia fazer em Bratislava. Fontes
do seu governo dizem que a chanceler veio “deprimida” sobretudo
da sua visita a Varsóvia para falar com os países de Visegrado
(Polónia, Hungria, Eslováquia e Republica Checa). Estará hoje na
primeira cimeira a 27 com muita prudência quanto aos resultados. Com
uma particularidade. Chega a Bratislava numa posição de fraqueza
relativa que é totalmente nova para ela: com uma escassa margem de
manobra interna, por causa dos refugiados, e com uma menor margem de
manobra externa, tentando refazer as suas alianças num xadrez muito
mais desfavorável, depois do "Brexit". A cimeira foi
convocada precisamente para tentar responder à pergunta: depois do
"Brexit" o quê? Ainda faltam as respostas. De resto, já
está estabelecido um calendário para continuar a discussão, que
passa por uma cimeira informal como a de hoje em Fevereiro, em Malta,
e que deve ser concluída em Março, no Conselho Europeu que
celebrará em Roma os 60 anos do Tratado que fundou a Comunidade
Económica Europeia. A partir daí, a Europa ficará à espera dos
resultados das eleições em França e na Alemanha.
Para além da
divisão Norte-Sul, a chanceler descobriu uma outra linha de fractura
muito mais profunda e preocupante: a fractura Leste-Oeste, que não
assenta na economia mas na emergência da mais grave das doenças
europeias, o nacionalismo. Merkel passou anos a tentar melhorar as
relações do seu país com a Polónia e com os seus vizinhos de
Leste. Escolheu o anterior primeiro-ministro polaco, Donald Tusk,
para presidir ao Conselho Europeu, num gesto de boa vontade. Hoje,
tem pela frente em Varsóvia um governo ultraconservador e
nacionalista que voltou a tirar da gaveta os velhos fantasmas contra
a Alemanha, e que não esconde o seu desprezo pela integração
europeia, na sua forma actual. Victor Órban, o primeiro-ministro
húngaro, não lhe fica atrás. O ponto de fricção mais quente são
os refugiados, cuja presença nos seus países rejeitam liminarmente,
acusando Merkel de os receber sem consultar ninguém. São más
notícias para Berlim. A estabilidade na sua fronteira Leste é
fundamental. Como escrevia Timothy Garton Ash há já algum tempo,
uma Alemanha de novo unificada precisava de estar rodeada de
“Ocidente” por todos os lados, para não regressar à sua
condição de país alinhado a Leste. Em comum, os países de
Visegrado alimentam uma raiva profunda aos refugiados. É preciso
lembrar que as sociedades do Leste europeu que estiveram sob domínio
soviético durante quarenta anos eram totalmente fechadas ao
exterior, mantendo a sua homogeneidade étnica, a anos-luz das
sociedades multiculturais da Europa ocidental. Não são todos iguais
mas bastante parecidos. O anfitrião da cimeira, o primeiro-ministro
eslovaco Robert Fico, avisou os seus amigos de Visegrado que quer que
tudo corra bem, aconselhando-os a não extremar posições. Mas ele
próprio prometeu aos eslovacos que nem um muçulmano ficaria no
país. Milos Zamam, o Presidente checo (o Governo é mais moderado)
consegue fazer de Nigel Farage um “tipo cordato”. O que diz da
Europa e dos refugiados ultrapassa em muito qualquer discurso
minimamente civilizado. Numa entrevista ao Guardian explicava a única
razão pela qual os países de Leste não vão sair: “dinheiro,
dinheiro, dinheiro”. Mas criar uma zona de instabilidade entre a
Alemanha e a Rússia é um pesadelo para Berlim, numa altura em que
tem de gerir as relações com Putin sem deixar que fiquem reféns
dos radicalismos de Leste. Finalmente, apesar dos esforços de
Jean-Claude Juncker para minimizar o "Brexit", o referendo
britânico acabou por funcionar como uma espécie de catarse para os
países de Leste que se sentem muito mais à vontade para criticar a
Europa.
2. Não acabam aqui
as preocupações da chanceler. Wolfgang Schauble resolveu contribuir
para um bom clima em Bratislava, quando resolveu apelidar os líderes
dos países do Sul de “pouco inteligentes” com uma sobranceria
que é difícil de entender, precisamente no momento em que o
Presidente francês decidiu apresentar-se como líder desses países.
E esse é o segundo
problema de Merkel. François Hollande considera já não ter nada a
perder para tentar ganhar mais um mandato (mesmo que altamente
improvável). Decidiu afastar-se da Alemanha e da sua política de
austeridade defendendo abertamente a necessidade de criar as
condições para o relançamento da economia europeia. Percebeu que
não é com reformas que ganha a batalha (as poucas que fez não são
muito mais do que pequenas alterações, como a regulação do
mercado de trabalho, tão propagandeada pelo seu (ex) ministro mais
liberal, Emmanuel Macron). Não quer ouvir falar de refugiados.
Opôs-se publicamente às negociações transatlânticas para uma
zona de comércio livre (declarou o TTIP morto e enterrado). Definiu
o único campo de cooperação que está disposto a partilhar com
Berlim: segurança e defesa. O terrorismo transformou a segurança
numa prioridade francesa (e europeia). Os dois países levam uma
proposta conjunta para dar forma aquilo que Jean-Claude Juncker
defendeu no seu discurso do Estado da União, na quarta-feira. O
presidente da Comissão pôs as coisas tal como devem ser postas, de
forma bastante pragmática. A Europa precisa de uma capacidade
militar mínima que lhe permita reagir a crises graves na sua
proximidade, de forma a ser mais respeitada na cena internacional.
Isso obriga a dispor de mecanismos de coordenação em Bruxelas, a
velha ideia de um Quartel-General à qual o Reino Unido sempre se
opôs, considerando que só serviria para enfraquecer a NATO. O
presidente da Comissão insistiu em que se trata apenas de uma
capacidade complementar da Aliança, sem nada que tenha a ver com um
exército europeu. O revisionismo russo é o melhor conselheiro em
matéria de preservação da Aliança Atlântica. O problema é que,
sendo a proposta razoável, pode, mesmo assim, revelar-se impossível,
desacreditando ainda mais a Europa. A defesa é o último reduto da
soberania. A moeda corrente da Europa é hoje a desconfiança. Sem a
capacidade britânica não é certo que a Europa consiga afirmar-se
militarmente de forma credível.
3. Para Merkel a
questão mais urgente é a dos refugiados, mas um entendimento
europeu será provavelmente impossível. A abertura corajosa da
chanceler está a trazer enormes problemas à Alemanha. A derrota na
Pomerânia é, em si própria, insignificante, mas tem um valor
simbólico muito forte: pela primeira vez desde a II Guerra a CDU
perde para um partido de extrema-direita. A sua momentânea fraqueza
perante os eleitores está a ser aproveitada pelos seus parceiros de
coligação, que se mantiveram calados em matéria de política
europeia enquanto a chanceler registava o apoio da grande maioria dos
alemães pela forma como estava a gerir a crise do euro, ou seja,
castigando os infractores. O problema do SPD é que, quando a
chanceler perde, não é ele que ganha, mas os extremos. Falta um ano
para as eleições e, tal como Hollande, Sigmar Gabriel acha que não
tem nada a perder. Para os países do Sul, a realidade económica
continua a ser o problema mais premente. Aos olhos do Norte, a
questão do euro já está praticamente resolvida: foi feito o
enquadramento legal a que os países se têm de submeter, se querem
permanecer na união monetária. A realidade não é essa. A
convergência económica não está a ser conseguida. Ora, em Roma,
Lisboa, Atenas e Paris a questão do crescimento é fulcral.
O problema é que a
relativa fraqueza de Merkel e a necessidade que tem, também ela, de
conciliar a política europeia com o que querem os seus eleitores,
pode criar um vazio de liderança na Europa que é o pior que pode
acontecer numa crise tão grave como aquela que os europeus
enfrentam. A chanceler tem consciência das profundas divisões
europeias. As consequências do "Brexit" são muito maiores
do que alguns querem fazer crer. Abriram as comportas. É preciso que
alguém as feche rapidamente. Mas quem? Não será em Bratislava.
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