Catarina
e os Comandos
João Miguel Tavares
13/09/2016 – 00:10
O mundo está
perigoso em todo o lado. Menos, claro, na cabeça de Catarina
Martins.
O Bloco de Esquerda
é cada vez mais o partido da auto-ajuda. Catarina Martins já nos
tinha avisado que preferia ser operada por um cirurgião que tivesse
sido “feliz na escola” do que por um cirurgião que tivesse sido
“testado na escola”, num texto a que chamou “6 razões para
acabar de vez com os exames do básico”. Agora fez uma intervenção
a que poderia ter chamado “6 razões para acabar de vez com o
batalhão de Comandos”. Se alguém lhe perguntasse se preferia ser
defendida por um soldado que tivesse sido “feliz na tropa” ou por
um soldado que tivesse sido “testado na tropa”, estou certo que
Catarina escolheria o soldado feliz, porque está convencida de que a
mais nobre função das metralhadoras é servirem de jarras para
cravos.
Para Catarina
Martins, “reconhecer a tragédia exige extinguir o batalhão de
Comandos”. O raciocínio lógico é tentador: significa isso que
devo advogar a extinção do Bloco de Esquerda por reconhecer a
frequente tragédia das suas intervenções? Talvez não. Tal como
reconhecemos a tragédia de Entre-os-Rios sem exigir a extinção das
pontes ou a tragédia do 11 de Setembro sem exigir a extinção de
aviões e arranha-céus, a única coisa que devemos exigir aos
Comandos é que, sem diminuírem o grau de exigência da instrução,
não voltem a empurrar para o hospital 11 militares de uma só vez,
dois dos quais acabaram mortos, na sequência de um exercício
realizado a temperaturas proibitivas.
Não há nada de
original neste pedido. É um tema transversal a todos os países que
têm unidades de elite. Numa notícia de Maio deste ano, na sequência
da morte por afagamento de um militar (considerada homicídio devido
à actuação de um dos instrutores), o USA Today noticiava que desde
2013 morreram mais Navy Seals a treinar do que em combate. Só nos
primeiros quatro meses de 2015 havia registo de quatro mortos, ainda
que nem todos resultassem directamente da instrução – há quem se
mate por falhar a entrada nos Seals, uma atitude com certeza
incompreensível para a advogada da felicidade universal. Afinal, a
segunda razão de Catarina Martins para acabar de vez com os exames
do básico era esta: “sofrer não faz bem”. Poderíamos tentar
explicar-lhe que sofrer não é um fim em si, a não ser para sádicos
ou masoquistas – é um meio para se alcançar qualquer coisa que se
considera mais elevado, seja entrar para uma unidade de elite, ir aos
Jogos Olímpicos ou ser um estudante de excelência. Poderíamos
tentar, mas não vale a pena: no mundo colorido do partido da
auto-ajuda, a palavra “sacrifício” está proscrita.
Só que Catarina
Martins não se limitou a advogar a extinção dos Comandos.
Argumentou que já existem “várias forças especiais que têm
actuado fora de Portugal em missão de paz” e que “os Comandos
não fazem esse tipo de missões”. Ora, não sendo eu especialista
em assuntos militares, lembro-me de ter visto Comandos destacados no
Iraque e integrando a ISAF, no Afeganistão. Lembro-me de ter lido a
notícia da morte do primeiro-sargento dos Comandos Roma Pereira, em
2005, na sequência de um rebentamento de um engenho explosivo nos
arredores de Cabul. E lembro-me que entre as missões dos Comandos
estão operações humanitárias e de apoio à paz, “com prioridade
para as operações de evacuação de não combatentes”. Serão
estes objectivos pouco meritórios ou desnecessários? A história de
uma tropa de elite não se põe em causa só porque dois militares
morreram. O mundo está perigoso em todo o lado. Menos, claro, na
cabeça de Catarina Martins.
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