Juncker
declara Barroso como lobista em Bruxelas – mas isso não é
pacífico…
Leonete Botelho e
Maria Lopes
12/09/2016 – 21:57
Há
quem olhe para a decisão do actual presidente da Comissão Europeia
como uma atitude política para salvar o próprio lugar por estar
fragilizado pelo escândalo LuxLeaks.
Sem passadeira
vermelha, tratado como mero “representante de interesses e
submetido às mesmas regras” dos restantes lobistas registados em
Bruxelas, obrigado a dar explicações sobre as suas exactas
responsabilidades na Goldman Sachs Internacional e sobre os termos do
seu contrato com o banco. São estas as regras que José Manuel Durão
Barroso enfrentará para se movimentar nas instituições europeias
no seu novo fato de consultor do grupo financeiro internacional
Goldman Sachs.
Foram ditadas há
quatro dias pelo seu sucessor na presidência da Comissão Europeia,
Jean-Claude Juncker, numa carta de resposta à provedora de Justiça
da União, que pedira ao executivo comunitário que clarificasse a
sua posição sobre a polémica contratação e explicasse se já
definira regras sobre como os membros da Comissão, dos gabinetes e
restantes funcionários se devem relacionar com o antigo presidente
nas suas novas funções. Juncker foi assertivo: “Ao assumir o seu
emprego, Barroso será recebido na Comissão, não como
ex-presidente, mas como um representante de interesses e será
submetido às mesmas regras que todos os outros representantes de
interesses no que diz respeito ao registo de transparência”. Ou
seja, os comissários ou funcionários da UE terão que registar e
fazer um resumo escrito dos encontros com o ex-político português
como fazem com qualquer lobista.
Juncker conta que,
embora Barroso lhe tenha “confirmado o seu compromisso de agir com
integridade e discrição” como consultor da Goldman Sachs,
decidiu, por se tratar de um ex-presidente da CE, que lhe seja pedido
que “clarifique as suas novas responsabilidades [laborais] e os
termos do contrato”.
Para Susana Coroado,
membro da Transparência e Integridade Associação Cívica e
investigadora do Instituto de Ciências Sociais, o que espoletou a
decisão da Comissão Europeia (CE) não foi tanto a lei das
revolving doors – que impede os antigos membros das instituições
europeias de assumirem cargos no sector privado durante 18 meses após
cessarem as funções públicas –, mas sobretudo a lei do lobby.
“Barroso cumpriu o período de nojo indicado na lei, mas é a lei
do lobby que obriga a que se reconheça que ele se tornou lobista”,
considera.
Na carta que enviara
a Juncker no dia 5, Emily O’Reilly quis também saber que medidas a
Comissão tomou para garantir que a nomeação respeita as obrigações
éticas. A provedora realçou que embora Barroso tenha cumprido os 18
meses de período de nojo exigidos no Código de Conduta, “certos
casos não deixarão de ser problemáticos apenas por terem passado
18 ou mais meses” e aconselhou a Comissão a decidir com base na
importância de cada caso e não apenas na “quantidade de meses
desde que um comissário deixou o gabinete”.
Agora é “oficial”
Para Marisa Matias,
a decisão de Juncker “acaba por oficializar o estatuto de lobista
que já toda a gente reconhecia a Durão Barroso”. No entanto, a
eurodeputada do Bloco também critica o presidente por “atirar
areia para os olhos” e só ter reagido por causa da provedora.
Juncker “tira a passadeira vermelha a Barroso mas não questiona o
essencial: a necessidade de mudar o regimento e proibir qualquer
situação que permita a promiscuidade entre negócios e política”.
Já o socialista
Carlos Zorrinho alinha na interpretação de Marisa Matias sobre o
estatuto de lobista de Barroso mas sem pronunciar o termo e foge a
assacar quaisquer responsabilidades a Juncker – de quem diz não
ter “ido além nem aquém” das suas competências neste caso.
Prefere apontar a Barroso: “Como é que um presidente da Comissão
se deixa desgraduar desta maneira? É como se Cristiano Ronaldo
aceitasse agora ser fiscal de linha – e ter que exercer essas
funções.”
Esta leitura é
refutada pelo deputado do PSD Duarte Marques, para quem não faz
sentido considerar Durão Barroso como lobista. “Se o presidente da
EDP tiver uma reunião com um comissário europeu, não vai ser
registado como lobista. A EDP tem o seu próprio lobista registado em
Bruxelas. Mas se a reunião for em representação de interesses da
EDP, tem de ser declarada pelo comissário que o receber como tal”,
ilustra Duarte Marques.
Este antigo chefe de
gabinete da delegação portuguesa do PPE explica que na Comissão
Europeia tem de haver um registo de todas as reuniões com
representantes de interesses e empresas, e que é o próprio
comissário que o faz, tendo em conta o teor da reunião. “Acho bem
que Durão Barroso não tenha privilégios como ex-presidente da CE,
mas também não pode ser prejudicado por esse facto: tem de ter o
mesmo tratamento que os presidentes de outros bancos”, defende.
Recordando que foi
na presidência de Barroso que a CE aumentou as restrições aos
comissários e ex-comissários europeus, Marques considera a decisão
de Jean-Claude Juncker “um exagero” e atribui esta atitude à sua
situação política. “Juncker está fragilizado pelo caso LuxLeaks
e tem necessidade de ceder aos sectores da esquerda europeia”,
afirma.
A bloquista toca no
mesmo ponto e lembra a “desavença entre as duas principais
famílias políticas europeias e a disputa de poder e de lugares”
que daí advém e a fraca resposta de Juncker ao caso Barroso “poderá
ser a forma de manter o seu lugar”. Marisa Matias recorda o
“boicote activo” de Juncker à comissão que investigou o
LuxLeaks, onde o ex-primeiro-ministro e antigo ministro das Finanças
do Luxemburgo (durante 20 anos) só disse “banalidades” e
“impediu um inquérito”.
Tratamento de
desfavor?
O social-democrata
Duarte Marques estranha a “disparidade de tratamento” de Barroso
em comparação, por exemplo, com António Vitorino, Romano Prodi,
Mario Monti ou Jacques Santer, ex-comissários que também passaram a
trabalhar para grandes empresas e sobre os quais não houve, por
parte da CE, nenhuma atitude como a que agora está a ser tomada
sobre o ex-presidente da Comissão. “Será por serem de outra cor
política?”, questiona.
Susana Coroado
reconhece que já houve casos idênticos com outros ex-comissários e
que “não aconteceu nada”, mas considera que os contornos deste
caso, por ser tão flagrante, obrigaram a que se começasse a mudar
de atitude.
"Quem nos dera
a nós que a Assembleia da República e o Governo portugueses
adoptassem as mesmas regras em relação a ex-governantes e membros
dos gabinetes que têm o Parlamento e a Comissão Europeia",
remata Duarte Marques.
Sem comentários:
Enviar um comentário