Voto de não-confiança
Vasco Pulido Valente / 1-2-2015 / PÚBLICO
O dr.
Ricardo Salgado resolveu envolver o Presidente da República, o
primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro na suspeita e obscura falência do
banco e do grupo Espírito Santo; e numa carta à comissão parlamentar de
inquérito anunciou que tinha falado com os três muito antes do desastre se
consumar. A manobra é inteligente. Sozinho e ainda à solta (por uma caução de
milhões de euros), Ricardo Salgado precisa de “politizar” as coisas para turvar
o caso ou, pelo menos, para reduzir a sua responsabilidade nesta infecta
história. A simples revelação de que se encontrou com os mais poderosos
representantes do Estado (sem revelar o que disse e o que lhe disseram) insinua
uma cumplicidade que provavelmente nunca existiu, mas que, mesmo em hipótese,
lhe fornece um saco de justificações.
Para
sorte dele, o dr. Cavaco reagiu com uma declaração embrulhada e comprometedora.
Nada o impedia de reconhecer que vira Salgado e de lembrar cordatamente o seu
dever de reserva. Com alguma parcimónia e gravidade, encerrava o assunto. Mas
Cavaco, que sempre foi vingativo e provinciano, não ficou pela solução mais
lógica e acrescentou muito excitado que nunca comentara a situação do BES,
tinha citado simplesmente a opinião do Banco de Portugal sobre o BES – o resto
era “mentira”. Ora, como o país logo concluiu, o Presidente da República não
citaria a opinião do banco, se não concordasse com ela. E, como o banco se
enganara, isto levou à ruína uns milhares de accionistas e depositantes do BES,
que acreditavam na autoridade e no bom senso do dr. Cavaco.
A memória
dos portugueses não é famosa e ninguém se lembrou do célebre episódio do “gato
por lebre”, que inaugurou a carreira do homem. Só a esquerda, que o odeia com
uma intensidade assustadora, ferrou o dente naquela miserável trapalhada e não
a deixará tão cedo. E com razão. O dr. Cavaco exibe a cada passo, até nos mais
pequenos pormenores, a sua incapacidade para o cargo em que infelizmente o
puseram. Este incidente não é uma gaffe inócua e desculpável, é uma intervenção
profunda na vida material do país, agravada por uma fuga desordenada à
franqueza e à verdade política. O sr. Presidente da República devia daqui em
diante observar um silêncio penitente e total, com o fim meritório de não
assanhar a crise que ele consentiu e em parte criou. Não merece a nossa
confiança.
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