Na SIC:
Sócrates diz que nunca pensou em
fugir
José Sócrates garante nunca teve um milhão de euros escondido num cofre nem
imóveis escondidos em fundos imobiliários. Em resposta a um conjunto de
perguntas formuladas pela SIC, o ex-primeiro-ministro nega também que nunca
pensou em fugir e diz que não compreende o perigo de fuga alegado pelo juiz
Carlos Alexandre para o manter em prisão preventiva. Acusa o Ministério Público
de violar propositadamente o segredo de justiça, para o condenar antes do
julgamento. Mais que isso, aponta o dedo a "invenções e mentiras".
Leia aqui, na íntegra, as respostas de José Sócrates à SIC.
Tinha viagem
marcada, de Paris para Lisboa, para quinta-feira. Mudou para sexta-feira à
tarde e voltou a mudar para sexta-feira à noite. Como justifica estas
alterações? Admite que possa ter levantado suspeitas à investigação?
Na 5ª feira, das
17 às 19 horas, participei num seminário académico na escola doutoral de
Sciences PO. Essa foi a razão pela qual mudei o regresso de Lisboa de 5ª para
6ª feira. Já na 6ª feira, a alteração do meu voo de regresso a Lisboa deveu-se
à deslocação do meu advogado a Paris para uma reunião comigo que não estava
inicialmente prevista. Francamente, não percebo que suspeitas essas alterações
possam justificar. A verdade é que eu voltei, não fugi! Quando vejo invocarem o
"perigo de fuga" como um dos fundamentos da minha prisão preventiva o
que me parece é que alguém está a esforçar-se muito para não ver o óbvio: eu vinha
a entrar, não ia a sair! Se este fosse um processo normal, guiado pelo bom
senso, qualquer suspeita, mesmo disparatada, sobre a minha alegada intenção de
fugir teria morrido aí. A insistência nesse absurdo "perigo de fuga"
mostra bem o espírito que anima esta investigação e as suas presunções. Vejam
bem: ao invocarem o "perigo de fuga" como um dos fundamentos da minha
prisão preventiva, o que os magistrados que dirigem este processo estão a dizer
é que acreditam que havia um sério risco de ficar uma cadeira vazia no meu
comentário semanal na RTP! Podemos avaliar a credibilidade da ideia fazendo um
esforço para imaginar a cena, com o "pivôt" da RTP a anunciar:
"Senhores telespectadores, esta semana não há comentário. O
ex-primeiro-ministro, que costuma estar aqui todos os domingos, fugiu!".
Mas há alguém de bom senso que possa acreditar numa coisa destas?! Nunca fugi
de nenhuma dificuldade; sempre as enfrentei.
No dia da sua
detenção o seu advogado enviou, de Paris, um email ao director do DCIAP. De que
se tratava? Que consequência teve esse email?
Às 15h54 do dia
21 de novembro (horas antes da minha detenção à chegada ao aeroporto, com todo
aquele espectáculo mediático), o meu advogado enviou um e-mail ao Diretor do
DCIAP comunicando a minha vontade de ser
ouvido neste processo o mais rapidamente possível (depois das buscas em casa do
meu filho e da notícia da detenção de pessoas que me são próximas não era
preciso ser adivinho, nem ter informações privilegiadas, para calcular que
havia um processo contra mim). O texto do e-mail diz expressamente: "ele
(José Sócrates)... dispõe-se a comparecer (...) onde e quando for determinado
para ser ouvido".
Isso mesmo foi
reiterado pelo meu advogado por contacto telefónico no mesmo dia, tendo o
Diretor do DCIAP garantido que iria transmitir imediatamente o pedido, por
mensagem telefónica, ao Procurador Rosário Teixeira.
Estas
diligências, obviamente, deitam por terra o que ainda pudesse restar da tese do
"perigo de fuga". O que provam é o contrário: a minha inteira
disponibilidade para colaborar com a Justiça e para vir ao processo prestar
todos os esclarecimentos. O que é absolutamente extraordinário é que esse
e-mail, enviado às 15h54 do dia 21, só tenha sido oficialmente recebido às
16h04 do dia 25, já depois de decretada a prisão preventiva, sustentada, entre
outras, nessa alegação absurda do "perigo de fuga". Esse pequeno
truque - ignorar o e-mail e sustentar o perigo de fuga - é muito revelador.
Ainda estou à espera que o sr. Diretor do DCIAP se digne explicar o que se
passou.
Tentou, de alguma
forma, evitar ser detido à chegada a Lisboa?
À chegada a
Lisboa foi-me imediatamente comunicada a minha detenção e nada podia ser feito
para a evitar. Depois, foi aquele circo mediático que estava montado e que
todos puderam ver. A verdade é esta: a minha detenção nada teve a ver com
Justiça, mas com espectáculo. Não se tratou de cumprir um qualquer objectivo
jurídico legítimo mas teatralizar politicamente uma acção judicial.
Retenho desses
episódios um momento particularmente impressivo e significativo: a manifestação
organizada por um Partido de inspiração fascista, ou nacionalista, cujos
manifestantes ruidosamente aplaudiam as decisões do Juiz e do Procurador. Pela
minha parte, eu, que nunca fui aplaudido por fascistas, o que vejo nestas
decisões é um abuso. Um abuso das regras e do Direito. E, fiel à boa tradição
democrática, considero o abuso contra qualquer cidadão uma ameaça aos demais.
A sua defesa tem
insistido que não existem fortes indícios de crimes no processo. Mas há uma
pergunta que toda a gente faz: será possível imaginar que a justiça prenda
alguém sem provas minimamente sólidas? Ainda para mais se esse alguém foi um
primeiro ministro deste país?
Compreendo bem a
pergunta sobre se é plausível que as autoridades tenham prendido um
ex-primeiro-ministro sem terem nas mãos provas minimamente sólidas ou sem
possuírem pelo menos fortes indícios da prática de crimes. Mas a verdade é que
foi isso que aconteceu. Bem sei que as pessoas tenderão a pensar: "se ele
está preso, é porque alguma coisa deve ter feito". E é evidente que a
investigação joga com isso e com as "fugas" selectivas ao segredo de
justiça para obter a condenação antes mesmo da sentença. Mas é cada vez mais
claro que neste caso se prendeu para investigar. O que aconteceu aqui foi uma
total precipitação de quem estava tão cego pela sua intenção persecutória ou
tão convencido da sua teoria e das suas presunções que avançou sem provas ou
sequer fortes indícios de quaisquer crimes. Aliás, as próprias
"fugas" ao segredo de justiça, apesar do enorme esforço dos jornais
do costume, mostram que este processo assenta muito mais em teorias e presunções
do que em provas e indícios concretos. É por isso que esta prisão preventiva é
abusiva, desproporcionada e ilegal. A minha esperança é que se perceba que,
neste caso, salvar a face da Justiça não é o mesmo que salvar a face do
Ministério Público. Salvar a face da Justiça é ter a lucidez e a coragem de
garantir, neste como em todos os casos, o respeito integral pelos direitos
fundamentais e pelo Estado de Direito.
Enquanto
Primeiro-ministro alguma vez tentou beneficiar empresas ou empresários com os
planos de investimento lançados pelos seus Governos?
Em concreto,
ajudou, de alguma forma, os negócios do Grupo Lena, mesmo depois de deixar o
Governo? Se o fez recebeu algo em troca?
Nunca, em nenhuma
circunstância, durante todo o tempo em que exerci funções governativas, tomei
qualquer iniciativa, directamente ou através de terceiros, para favorecer as
empresas do Grupo Lena ou do meu amigo Carlos Santos Silva. Não tenho nada que
ver com a vida empresarial dele, ele nunca me pediu nada enquanto fui membro do
Governo. A nossa relação fraterna é pessoal não é profissional.
Conheci os
administradores do Grupo Lena como participantes em comitivas empresariais no
contexto de visitas de Estado, em acções de diplomacia económica. Estive com
eles, por essa altura, uma meia dúzia de vezes, sempre em encontros sociais.
Tenho por eles e pelo seu grupo empresarial a maior consideração mas nunca, em
todo o tempo em que fui membro do Governo, nem eles, nem ninguém por eles, me
pediram seja o que for.
Aproveito para esclarecer,
já que isso tem sido maldosamente referido, que o projecto do Grupo Lena de
construção de casas na Venezuela foi integrado no convénio comercial celebrado
entre Portugal e a Venezuela em 2010 nos mesmos termos em que o foram outros
projectos pendentes de várias empresas. O Governo português, como é prática na
política de diplomacia económica, empenhou-se na concretização desse projecto
da mesma forma que se empenhou noutros, sem qualquer discriminação ou
favorecimento.
É verdade que em
Setembro de 2014 telefonou para o vice-presidente de Angola a interceder pelo
Grupo Lena? Organizou ou tentou organizar um encontro entre as partes? Qual a
razão?
Quanto ao
telefonema para o vice-presidente de Angola, é verdade que, já neste último
verão, vários anos depois de ter saído do Governo, num almoço com o meu amigo
Carlos Santos Silva e um dos administradores do Grupo Lena, foi-me perguntado e
pedido se podia diligenciar para que essa empresa fosse recebida pelo sr.
vice-presidente de Angola. Acedi ao pedido por mera simpatia e fiz esse
contacto com gosto, sem nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa
portuguesa, como, aliás, fiz com outras.
Afonso Camões,
então administrador da agência Lusa, admitiu que o avisou em Maio de 2014 que
estava a ser investigado. Qual foi a sua reacção e o que fez com esta
informação?
Tenho bem
presente essa conversa com Afonso Camões. Na altura, reagi a ela com o desprezo
e a indiferença que sempre me mereceram os boatos e os rumores. Não lhe dei
mais importância que isso. No entanto, essa conversa ganha, hoje, outra
relevância, tendo em conta o que entretanto se passou. Desejo contar essa
pequena história mas quero fazê-lo, em primeiro lugar, no sítio próprio: no
processo, já aberto, de violação do segredo de justiça. Tendo já comunicado à
Sra. Procuradora Geral esta minha disponibilidade, aguardo que me convoquem
para prestar declarações.
Mas não
disfarcemos. O facto mais importante é a denúncia que Afonso Camões fez, que é
gravíssima. Ela significa que, ao menos neste caso, as violações do segredo de
justiça vieram precisamente daqueles a quem compete fazer justiça e aplicar
lei.
Quanto às
"fugas" mais recentes ao segredo de justiça - que continuam de forma
sistemática, incluindo sobre o teor de escutas políticas que seria suposto
estarem guardadas num cofre por serem irrelevantes para o processo... - já que
me perguntam por factos, deixo aqui alguns:
1º facto: este processo
está à guarda do Procurador e do Juiz.
2º facto: todas
as "fugas" ao segredo de justiça, como se vê, têm sido favoráveis à
acusação.
3º facto: um
director de jornal escreveu expressamente num editorial que os jornalistas
obtêm informações deste processo junto dos próprios responsáveis pela
investigação.
4º facto: o
jornal "Público", na sua edição do dia 20 de janeiro de 2015, na pág.
7, numa notícia sob o título "Director do JN foi à PGR falar sobre
contactos com Sócrates", garantiu, preto no branco, que obteve informações
sobre o conteúdo de certas escutas não junto da célebre "fonte conhecedora
do processo", nem da enigmática "fonte judiciária", mas de
"fonte judicial".
Quatro factos.
Perante estes factos, o que me espanta mais é o silêncio. Este silêncio é
verdadeiramente impressionante. Mas se pensam que o silêncio conduz ao
esquecimento estão equivocados. Há questões graves demais para serem
silenciadas.
O seu advogado,
João Araújo, tem a convicção de que o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos
Alexandre foram fontes de informação de órgãos de comunicação social. Tem a
mesma opinião? Baseada em que factos?
A questão das
violações sistemáticas do segredo de justiça não pode ser dissociada da questão
das minhas intervenções públicas. Sou obrigado a defender-me na praça pública
porque é também na praça pública que estou a ser acusado e julgado. Era o que
mais faltava que eu tivesse de assistir em silêncio à divulgação criminosa de
informações manipuladas e objectivamente difamatórias sem fazer nada em defesa
da minha honra e do meu bom nome. E não é só a violação do segredo de justiça,
são as mentiras: malas de dinheiro que iam para Paris; o milhão descoberto num
cofre que nunca foi meu; e agora um fundo que eu teria para "esconder"
os imóveis que nunca tive. Tudo invenções e mentiras. E não aceito a confusão,
completamente abusiva, entre a minha resposta às notícias difamatórias que são
publicadas e um suposto "perigo de perturbação do inquérito", que
também é invocado como fundamento para a minha prisão preventiva. Como se o
inquérito fosse muito beneficiado com as "fugas" selectivas
favoráveis à acusação e prejudicado pela apresentação de esclarecimentos
favoráveis à defesa! Talvez o espanto não nos tenha, ainda, permitido apreciar
a beleza da posição do Ministério Público: face a reiterados crimes de violação
do segredo de justiça, de teor sempre favorável à acusação, parece que o
Ministério Público acha que o que realmente perturba o inquérito é o exercício
legítimo do direito de defesa da honra. Logo, a seguirmos esse raciocínio, a
defesa do arguido é, em si, "perturbadora". Lindo! O ideal do
Ministério Público será, portanto, o de um processo onde o arguido esteja em
respeito, viradinho para a frente, sem se defender. Porque defender "é perturbar".
E, antes de perdermos o pé nesta vertigem que nos obriga a viajar já tão para
lá de tudo o que é aceitável na lealdade processual democrática, talvez
convenha lembrar o nosso estimável Ministério Público que o que perturba, de
facto, o inquérito são as constantes violações do segredo de justiça. Ora, nada
disto é aceitável, sobretudo quando uma pessoa é constantemente bombardeada com
estas "fugas" ao segredo de justiça. Sejam claros: só há verdadeira
perturbação do inquérito, susceptível de justificar uma medida restritiva da
liberdade, quando há um risco real e concreto para a produção ou conservação da
prova, não quando o visado por notícias difamatórias vem a público prestar
simples esclarecimentos, mesmo que possam incomodar a versão da acusação.
Em declarações
anteriores confirmou que "face a algumas dificuldades de liquidez que
atravessei em certos momentos (…) recorri várias vezes a empréstimos que o meu
amigo Carlos Santos Silva me concedeu para pagar despesas diversas". A PGR
disse, em comunicado, que o inquérito está a investigar "operações
bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e
legalmente admissível". Consegue justificar todos esses movimentos
suspeitos? Tendo admitido dificuldades de liquidez, por que razão optou por um
estilo de vida tão dispendioso?
Tínhamos de
acabar aqui: no meu "estilo de vida", que dizem
"dispendioso", na crítica de costumes e no julgamento moral que
inspira desde o início toda a campanha do "Correio da Manhã" contra
mim. Não admito, nem alimento, esses julgamentos. Nem sequer para comentar a
mesquinhez dos que acham que é um "luxo" tirar um mestrado em
Sciences Po ou ter filhos a estudar numa escola estrangeira.
Quanto aos
movimentos financeiros alegadamente "suspeitos", já expliquei o
essencial que havia a explicar: o engº Carlos Santos Silva fez-me empréstimos
que sempre tencionei e tenciono pagar. Essa é a verdade e não constitui crime,
nem aqui nem em lado nenhum do Mundo. Por outro lado, ao contrário do que se
pretendeu fazer crer, não há nenhuma contradição entre a existência desses
empréstimos e o outro que também contraí, e entretanto paguei, junto da Caixa
Geral de Depósitos. Tal como o facto de ter tido dificuldades de liquidez num
certo período da minha vida não significa que não tivesse um horizonte
financeiro, pessoal e familiar, compatível com o meu nível de despesas. Mas, já
agora, sem querer "perturbar" esta tão interessante discussão das
várias teorias sobre a minha vida pessoal e financeira, talvez valha a pena
recordar que estamos no âmbito de um processo criminal, que é suposto
investigar crimes e sustentar-se em factos, não em opiniões sobre a vida dos
outros. Por isso, pondo de lado as teorias, as presunções, a coscuvilhice e os
julgamentos morais que têm enchido as páginas dos jornais e animado tantos
comentários, e tendo eu já respondido a tantas perguntas, há talvez uma
pergunta a que a acusação deveria nesta altura responder: afinal, onde é que
estão as famosas "provas" ou os "fortes indícios" dos
crimes que me imputam? E, ao certo, de que crimes concretos é que estamos a
falar? É essa a resposta que falta. E, enquanto faltar, nem esta prisão
preventiva se justifica nem este processo pode ter futuro.
Para além de
preparar a sua defesa, como ocupa o tempo na cadeia?
A prisão é uma
coisa séria e tenho sobre ela muita coisa a dizer. Mas deixemos isso para outra
altura. Tenho demasiado respeito por quem aqui está para me entregar ao
exercício "voyeurista" da descrição do quotidiano prisional. Deixemos
isso para os "tablóides".
Tem recebido
muitas visitas na cadeia. Sente, ainda assim, que alguns amigos se afastaram?
Não, não senti
que os amigos se afastaram. Eles sabem da monstruosa injustiça que foi cometida
e o seu significado político. Tenho comigo os meus amigos de sempre e os que
sempre quis ter.
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