Sócrates admite que intercedeu
pelo Grupo Lena junto do vice-presidente de Angola
PEDRO SALES DIAS
03/02/2015 - PÚBLICO
Ex-primeiro-ministro garantiu em entrevista à SIC que apenas o fez por
"mera simpatia" e sem "nenhum interesse", remetendo para
"diplomacia económica". Assume ainda que foi avisado da investigação
pelo director do JN.
O
ex-primeiro-ministro José Sócrates admite ter intercedido pelo Grupo Lena junto
do vice-presidente de Angola, Manuel Domingos Vicente. “Quanto ao telefonema
para o vice-presidente de Angola, é verdade que, já neste último Verão, vários
anos depois de ter saído do Governo, num almoço com o meu amigo Carlos Santos
Silva e um dos administradores do Grupo Lena, foi-me perguntado e pedido se
podia diligenciar para que essa empresa fosse recebida”, conta Sócrates numa
entrevista à SIC transmitida na noite desta terça-feira.
O
ex-primeiro-ministro explica que apenas o fez com “gosto” e “por mera simpatia”
sem “nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como aliás”,
diz, ter feito “com outras”. Defende, porém, nunca ter tomado “qualquer
iniciativa, directamente ou através de terceiros, para favorecer as empresas do
Grupo Lena” ou do amigo Carlos Santos Silva.
Neste ponto,
Sócrates aproveita para explicar que “o projecto do Grupo Lena, de construção
de casas na Venezuela, foi integrado no convénio comercial celebrado entre
Portugal e a Venezuela em 2010 nos mesmos termos em que o foram outros
projectos pendentes de várias empresas”. Sublinha, aliás, que, “como é prática
na política de diplomacia económica”, empenhou-se na concretização desse
projecto da mesma forma que se empenhou noutros, "sem qualquer
discriminação ou favorecimento”.
O contacto terá
sido realizado para pedir a atenção do governante angolano para o conglomerado
de empresas de construção civil e obras públicas ligado a Santos Silva, que tal
como Sócrates, está indiciado por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de
capitais.
Nesta entrevista,
Sócrates admite ainda que ficou a saber que estava a ser investigado através do
actual director do Jornal de Notícias, Afonso Camões, então administrador da
Agência Lusa. Prefere, contudo, destacar que “o facto mais importante” é a garantia
que Afonso Camões plasmou num editorial que as fugas de informação vêm da
investigação.
De resto, ao
longo da entrevista com 11 perguntas, recapitula o que já dissera nas outras
cinco vezes em que falou directamente a órgãos de comunicação social, também
por escrito. Volta a explicar, “quanto aos movimentos financeiros alegadamente
‘suspeitos’”, que, de facto, Santos Silva lhe concedeu empréstimos que sempre
tencionou pagar, insistindo que essa é a “verdade” e que tal “não constitui
crime em lado nenhum do mundo”.
Neste ponto,
considerando que não existe qualquer contradição entre, na mesma altura, ter
pedido dinheiro ao empresário e ter pedido um empréstimo à Caixa Geral de
Depósitos, mostra-se indignado face ao escrutínio a que foi publicamente sujeito
no âmbito do seu “dispendioso estilo de vida” em Paris. Considera ainda que o
que está em causa é apenas uma “crítica de costumes” e um “julgamento moral”
que revela uma “mesquinhez dos que acham um luxo tirar um mestrado em Sciences
Po ou ter filhos a estudar numa escola estrangeira”.
Também o
Ministério Público, órgão que tutela a investigação, é alvo de críticas.
Sócrates acusa-o pelas violações do segredo de justiça para assim, sublinha,
conseguir a sua condenação na opinião pública.
“É evidente que a
investigação joga com isso e com as fugas selectivas ao segredo de justiça para
obter a condenação antes mesmo da sentença”, aponta Sócrates reafirmando que “é
cada vez mais claro que neste caso se prendeu para investigar”.
Sócrates lamenta
ainda a influência que estas fugas podem ter na opinião pública. “Bem sei que
as pessoas tenderão a pensar: se ele está preso é porque alguma coisa deve ter
feito”, reconhece.
Por que é decidiu
voltar a responder a uma entrevista, que o procurador e o juiz consideram
perturbar a investigação? "Era o que mais faltava que eu tivesse de
assistir em silêncio à divulgação criminosa de informações manipuladas e
objectivamente difamatórias sem fazer nada em defesa da minha honra e do meu
bom nome", explica. A Direcção-Geral
de Reinserção e dos Serviços Prisionais disse que a entrevista da SIC não foi
pedida nem autorizada.
Preso
preventivamente há mais de dois meses, Sócrates queixa-se ainda das notícias.
"E não é só a violação do segredo de justiça, são as mentiras: malas de
dinheiro que iam para Paris; o milhão descoberto num cofre que nunca foi meu; e
agora um fundo que eu teria para ‘esconder’ os imóveis que nunca tive. Tudo
invenções e mentiras", elenca o ex-governante que sublinha ainda que a sua
detenção “nada teve a ver com justiça, mas com espectáculo”.
Para Sócrates, o
que aconteceu foi uma “total precipitação de quem estava tão cego pela sua
intenção persecutória ou tão convencido da sua teoria e das suas presunções que
avançou sem provas ou sequer fortes indícios de quaisquer crimes”. É ainda
óbvio, para o ex-chefe de Governo, que não existe perigo de fuga que sustente a
prisão preventiva: “A verdade é que eu voltei, não fugi”.
O ex-governante
graceja depois sublinhando acreditar que os magistrados do processo temiam um
perigo de fuga relacionado com o “sério risco de ficar uma cadeia vazia no
comentário semanal” da RTP. “Senhores telespectadores, esta semana não há
comentário. O ex-primeiro-ministro, que costuma estar aqui todos os domingos,
fugiu!”, simula troçando do momento.
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