quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Grécia deixa de falar de perdão de dívida e mercados gostam

"Não queremos uma nova fractura entre o Norte e o Sul”, afirmou o primeiro-ministro, que prometeu usar uma gravata azul que lhe foi oferecida por Renzi, quando houver uma solução viável para a Grécia.

Grécia deixa de falar de perdão de dívida e mercados gostam

SÉRGIO ANÍBAL e JOÃO MANUEL ROCHA 03/02/2015 – PÚBLICO

Primeiro-ministro italiano recebeu Alexis Tsipras e disse que “existem condições” para um acordo com as instituições europeias.

A bolsa de Atenas gostou da notícia de que o Governo grego se prepara para avançar com uma proposta de troca dos seus títulos de dívida por outros em que a amortização dependa do ritmo de crescimento da economia e fechou em alta. Isto num dia em que o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, ouviu o homólogo italiano, Matteo Renzi, dizer que “existem condições” para um acordo com as instituições europeias.

A subida de 11,27% registada no fecho da sessão de terça-feira é um sinal de optimismo quanto a um possível acordo sobre a dívida, depois de vários dias de pessimismo. Com este ganho, o índice recuperou as perdas da semana passada e voltou aos níveis anteriores às eleições de 25 de Janeiro, que levaram a uma viragem do país à esquerda. Os bancos subiram 17,96%.

A proposta de troca de títulos foi explicada pelo ministro das Finanças, numa entrevista ao jornal Financial Times. Yanis Varoufakis disse que, para aliviar o peso que a dívida pública de 315 mil milhões de euros que a Grécia tem, não pretende solicitar aos parceiros europeus um perdão, mas sim “um menu de trocas de dívida”.

Por um lado, a dívida detida pelos restantes países da zona euro seria trocada por títulos que ficariam indexados ao crescimento económico nominal do país. Isto é, a Grécia iria amortizando a dívida à medida que a economia começasse a crescer.

Por outro lado, a dívida que está nas mãos do Banco Central Europeu (BCE) – perto de 20 mil milhões de euros e que atingirá a sua maturidade ao longo dos próximos anos – passaria a ser constituída por “obrigações perpétuas”, ou seja, o Estado grego ficaria com a obrigação de pagar juros por elas para sempre, mas não teria de amortizar a dívida.

Varoufakis não fez referência a propostas para a dívida detida pelo Fundo Monetário Internacional (da qual a Grécia terá de amortizar cerca de 4 mil milhões no próximo mês) ou para a dívida detida por investidores privados.

Muitos analistas leram a proposta como um recuo face às propostas iniciais. Mas em declarações à televisão Antenna, o porta-voz do Governo grego, Gabriel Sakellaridis, negou que o Syriza tenha dado uma “cambalhota”, acrescentando que há “vários meios técnicos” de “anular” a dívida, incluindo os anunciados por Varoufakis.

“O governo tem uma posição constante que consiste em dizer que a dívida grega não é sustentável e que, por essa razão, a sua anulação é necessária. Quando dizemos anulação, isto pode ser feito através de vários meios técnicos”, afirmou.

Um comunicado do ministério das Finanças, divulgado pela AFP, vai no mesmo sentido: “Se houver necessidade de usar eufemismos e ferramentas de engenharia financeira para tirar o país da escravidão da dívida, vamos fazê-lo”, afirma a declaração, aparentemente destinada a consumo interno. A Nova Democracia, partido do anterior executivo, já acusou o Governo Syriza de ter mudado de posição

Na entrevista ao FT, Varoufakis reiterou ainda a intenção de não concluir o actual programa da troika e de não solicitar uma extensão da sua vigência, que termina no final de Fevereiro. Para garantir que a Grécia continua a ter o acesso ao financiamento de que precisa, Varoufakis diz que espera assegurar “um programa ponte”, que vá até 1 de Junho, e que consiste numa emissão de 10 mil milhões de euros de dívida a curto prazo. De acordo com o mesmo jornal, contudo, o BCE está pouco receptivo a essa proposta (ver texto ao lado).

Uma gravata para Tsipras
As intenções do novo Governo de Atenas sobre a dívida ao BCE, bem como a necessidade de liquidez da Grécia, serão esta quarta-feira explicadas ao governador, Mario Draghi, com quem o ministro se encontra em Frankfurt. Na quinta, Varoufakis vai a Berlim, para um primeiro frente-a-frente com o homólogo alemão, Wolgang Schauble.

A liderança alemã é a principal defensora do rigor orçamental e convencê-la a mudar de agulha é considerado o principal obstáculo às pretensões gregas. Angela Merkel falou esta terça-feira, mas não se alongou em comentários. “É claro que o Governo grego ainda está a definir a sua posição, o que é mais do que compreensível se considerarmos os poucos dias em funções. Esperamos as propostas e depois discutimos.”

O plano grego será levado à reunião do Eurogrupo prevista para quarta-feira da próxima semana, na véspera do Conselho Europeu – adiantou o próprio Varoufakis, após um encontro que teve esta terça-feira com o ministro italiano das Finanças, Pier Carlo Padoan.

Em Roma reuniram-se também os primeiros-ministros da Grécia e da Itália, num encontro em que Matteo Renzi prometeu apoio à Grécia “em termos de cooperação bilateral e de disponibilidade para o diálogo em todas as instâncias europeias”. “Creio que existem condições para chegar a um acordo com as instituições europeias”, declarou.

“O mundo pede à Europa para investir no crescimento e não na austeridade”, reafirmou Renzi, repetindo a defesa – que fez nos seis meses da presidência italiana da União Europeia, na segunda metade de 2014 – de uma viragem de política económica, da austeridade para o crescimento e o investimento.

Alexis Tsipras disse que é preciso “substituir a coesão social e o crescimento pelo medo e a incerteza”. “A Europa está arruinada pela política de austeridade. Não queremos uma nova fractura entre o Norte e o Sul”, afirmou o primeiro-ministro, que prometeu usar uma gravata azul que lhe foi oferecida por Renzi, quando houver uma solução viável para a Grécia.


É essa a mensagem que deve repetir esta quarta-feira, quando se  reunir com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em Bruxelas; e com o Presidente francês, François Hollande, em Paris. Juncker mostrou disponibilidade para o diálogo, mas recusou “mudar tudo porque houve um resultado eleitoral que agrada a uns mas que desagrada a outros”.

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