quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Partidos viram-se do enriquecimento ilícito para injustificado


Partidos viram-se do enriquecimento ilícito para injustificado
SOFIA RODRIGUES e NUNO SÁ LOURENÇO 04/02/2015 – PÚBLICO

Projectos de lei devem ser discutidos em Março.

O Bloco de Esquerda e o PCP vão avançar para projectos que combatem o enriquecimento injustificado, uma via alternativa à criminalização do enriquecimento ilícito chumbada pelo Tribunal Constitucional (TC). O PSD também terá um projecto novo sobre a matéria, enquanto o PS optou por retomar uma iniciativa de 2011.

O debate em torno das pessoas – sejam ou não titulares de cargos públicos e políticos – que enriquecem injustificadamente volta ao Parlamento em Março, depois de esta quinta-feira o BE ter desafiado as bancadas para um debate temático em plenário. Os bloquistas (e tanto quanto se consegue perceber os comunistas também) abandonaram o conceito de enriquecimento ilícito, depois do chumbo do TC, e viraram-se para a tutela fiscal.

Nos projectos já entregues, o BE propõe um novo tipo de crime, o enriquecimento injustificado, que acontece quando há um desvio igual ou superior entre os rendimentos declarados e os incrementos patrimoniais do contribuinte, sempre que o rendimento for superior a 25 mil euros.

Quando a Autoridade Tributária regista esta disparidade, notifica o contribuinte, que tem um prazo máximo de 60 dias para justificar o enriquecimento. Caso não o faça, é tributado autonomamente a 100%. O projecto de lei estabelece também um agravamento de penas sempre que se provar que existiram falsas declarações sobre a situação patrimonial, omissões e recusa em colaborar com as autoridades.

Além do enriquecimento injustificado destinado à generalidade dos contribuintes, o BE quer penalizar a não declaração de património e rendimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, propondo como pena acessória a sua perda a favor do Estado. Como forma de combater a corrupção na classe política, a bancada bloquista pretende que seja penalizada a não declaração de património por quem está obrigado a isso.

Sob o desígnio da transparência, o projecto de lei prevê um maior controlo no registo de interesses, rendimentos e riqueza aos titulares de órgãos executivos das autarquias, bem como aos equivalentes nas comunidades intermunicipais, alargando ainda a obrigação de declaração de património aos membros dos gabinetes dos titulares de cargos políticos. Para verificar as declarações de rendimentos e património, é proposta a criação da Entidade da Transparência junto do Tribunal Constitucional, à semelhança da Entidade das Contas que verifica a contabilidade dos partidos.

“É um tipo novo de crime, é um enriquecimento não declarado porque o Ministério Público tem enorme dificuldade em obter prova de corrupção dos agentes do Estado”, explicou ao PÚBLICO o bloquista Luís Fazenda, afastando qualquer possibilidade de a iniciativa inverter o ónus da prova, um dos problemas apontados pelo TC ao diploma da maioria. O outro problema era a falta de um bem jurídico a proteger, o que o BE considera agora estar respondido com a transparência dos agentes do Estado. “Foi um esforço muito grande para não chocar com o Tribunal Constitucional”, afirmou Luís Fazenda.

O PS, por seu turno, afirma que a bola está do lado dos partidos que viram as suas propostas chumbadas pelo Tribunal Constitucional. O deputado Pita Ameixa afirmou ao PÚBLICO que o seu grupo parlamentar avançaria com um projecto quando e se os outros partidos dessem esse passo. Mas, frisou, apresentado exactamente a mesma  proposta entregue em 2011. “O que nós apresentámos continua válido”, disse.

A proposta socialista aumentava o número de declarações de património a entregar pelos agentes – passando a ter de apresentar uma três anos depois do fim de mandato – e abria a porta a que o Tribunal Constitucional comunicasse à Administração Tributária suspeitas de declarações de património omissas ou incorrectas, para que a Autoridade Tributária avançasse com um processo exigindo ao titular a prova dos “rendimentos, manifestações de fortuna ou acréscimo de património”.

Admitia ainda a possibilidade de arresto preventivo e, em caso de condenação, a “perda definitiva de bens a favor do Estado”. Perante os anúncios de iniciativas do BE e PCP, Pita Ameixa aproveitou para largar uma farpa aos proponentes iniciais do enriquecimento ilícito: “Parece que estão a vir ao nosso encontro”.

O projecto comunista ainda não deu entrada na Assembleia da República, mas segundo o líder da bancada, João Oliveira, cria duas obrigações, uma de declarar património e rendimentos e outra de declarar a sua origem.  Também ainda não é conhecido o teor da iniciativa social-democrata que terá de ser articulada com a bancada do CDS, muito crítica de um novo crime para o enriquecimento ilícito. Já a via fiscal para combater este fenómeno era bem vista por alguns centristas.

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