Partidos viram-se do
enriquecimento ilícito para injustificado
SOFIA RODRIGUES e
NUNO SÁ LOURENÇO 04/02/2015 – PÚBLICO
Projectos de lei devem ser discutidos em Março.
O Bloco de
Esquerda e o PCP vão avançar para projectos que combatem o enriquecimento
injustificado, uma via alternativa à criminalização do enriquecimento ilícito
chumbada pelo Tribunal Constitucional (TC). O PSD também terá um projecto novo
sobre a matéria, enquanto o PS optou por retomar uma iniciativa de 2011.
O debate em torno
das pessoas – sejam ou não titulares de cargos públicos e políticos – que
enriquecem injustificadamente volta ao Parlamento em Março, depois de esta
quinta-feira o BE ter desafiado as bancadas para um debate temático em
plenário. Os bloquistas (e tanto quanto se consegue perceber os comunistas
também) abandonaram o conceito de enriquecimento ilícito, depois do chumbo do
TC, e viraram-se para a tutela fiscal.
Nos projectos já
entregues, o BE propõe um novo tipo de crime, o enriquecimento injustificado,
que acontece quando há um desvio igual ou superior entre os rendimentos
declarados e os incrementos patrimoniais do contribuinte, sempre que o
rendimento for superior a 25 mil euros.
Quando a
Autoridade Tributária regista esta disparidade, notifica o contribuinte, que
tem um prazo máximo de 60 dias para justificar o enriquecimento. Caso não o
faça, é tributado autonomamente a 100%. O projecto de lei estabelece também um
agravamento de penas sempre que se provar que existiram falsas declarações
sobre a situação patrimonial, omissões e recusa em colaborar com as
autoridades.
Além do
enriquecimento injustificado destinado à generalidade dos contribuintes, o BE
quer penalizar a não declaração de património e rendimentos dos titulares de
cargos políticos e altos cargos públicos, propondo como pena acessória a sua
perda a favor do Estado. Como forma de combater a corrupção na classe política,
a bancada bloquista pretende que seja penalizada a não declaração de património
por quem está obrigado a isso.
Sob o desígnio da
transparência, o projecto de lei prevê um maior controlo no registo de
interesses, rendimentos e riqueza aos titulares de órgãos executivos das
autarquias, bem como aos equivalentes nas comunidades intermunicipais,
alargando ainda a obrigação de declaração de património aos membros dos
gabinetes dos titulares de cargos políticos. Para verificar as declarações de
rendimentos e património, é proposta a criação da Entidade da Transparência
junto do Tribunal Constitucional, à semelhança da Entidade das Contas que
verifica a contabilidade dos partidos.
“É um tipo novo
de crime, é um enriquecimento não declarado porque o Ministério Público tem
enorme dificuldade em obter prova de corrupção dos agentes do Estado”, explicou
ao PÚBLICO o bloquista Luís Fazenda, afastando qualquer possibilidade de a
iniciativa inverter o ónus da prova, um dos problemas apontados pelo TC ao
diploma da maioria. O outro problema era a falta de um bem jurídico a proteger,
o que o BE considera agora estar respondido com a transparência dos agentes do
Estado. “Foi um esforço muito grande para não chocar com o Tribunal
Constitucional”, afirmou Luís Fazenda.
O PS, por seu
turno, afirma que a bola está do lado dos partidos que viram as suas propostas
chumbadas pelo Tribunal Constitucional. O deputado Pita Ameixa afirmou ao
PÚBLICO que o seu grupo parlamentar avançaria com um projecto quando e se os
outros partidos dessem esse passo. Mas, frisou, apresentado exactamente a mesma proposta entregue em 2011. “O que nós
apresentámos continua válido”, disse.
A proposta
socialista aumentava o número de declarações de património a entregar pelos
agentes – passando a ter de apresentar uma três anos depois do fim de mandato –
e abria a porta a que o Tribunal Constitucional comunicasse à Administração
Tributária suspeitas de declarações de património omissas ou incorrectas, para
que a Autoridade Tributária avançasse com um processo exigindo ao titular a
prova dos “rendimentos, manifestações de fortuna ou acréscimo de património”.
Admitia ainda a
possibilidade de arresto preventivo e, em caso de condenação, a “perda
definitiva de bens a favor do Estado”. Perante os anúncios de iniciativas do BE
e PCP, Pita Ameixa aproveitou para largar uma farpa aos proponentes iniciais do
enriquecimento ilícito: “Parece que estão a vir ao nosso encontro”.
O projecto
comunista ainda não deu entrada na Assembleia da República, mas segundo o líder
da bancada, João Oliveira, cria duas obrigações, uma de declarar património e
rendimentos e outra de declarar a sua origem.
Também ainda não é conhecido o teor da iniciativa social-democrata que
terá de ser articulada com a bancada do CDS, muito crítica de um novo crime
para o enriquecimento ilícito. Já a via fiscal para combater este fenómeno era
bem vista por alguns centristas.
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