Pouco mais do que chá e simpatia
TERESA DE SOUSA
06/02/2015 – PÚBLICO
A aparente recusa da chanceler em mudar de rumo pode ter consequências mais
graves do que as suas expectativas.
1. Depois de
receberem algumas palmadinhas nas costas e até uma gravata de seda, Alexis
Tsipras e o seu ministro das Finanças regressaram a Atenas sem grande coisa
para contar, a não ser algumas más notícias.
Em Frankfurt, o ministro das Finanças grego foi
informado de que o BCE não continuaria a financiar directamente a banca grega. Em
Berlim, no último encontro de Yanis Varoufakis com o seu homólogo alemão,
faltou a simpatia mas sobrou intransigência. Digamos que a retórica antialemã
do novo Governo não terá ajudado. Wolfgang Schauble foi peremptório: não há
mais dinheiro alemão para a Grécia e nem qualquer intenção de aceitar uma
revisão dos seus compromissos. A própria decisão do BCE de cortar o
financiamento directo à banca grega, que poderia ser vista como demasiado
arriscada, foi imediatamente apoiada pelo Eliseu e por Roma como perfeitamente
legítima. Tsipras e o seu ministro das Finanças mantiveram sempre um sorriso
optimista nos lábios e adoptaram uma linguagem mais moderada, insistindo que
não queriam entrar em conflito com os seus parceiros europeus. A ideia de fazer
depender o pagamento da dívida do crescimento da economia até foi vista em
alguns think-tanks europeus como uma ideia a explorar. O próprio BCE já fez
saber através da imprensa alemã que a sua intenção não é secar a banca,
convidando à corrida aos depósitos. O Banco Central da Grécia pode continuar a
financiar os bancos gregos através do chamado ELA (Assistência de Liquidez de
Emergência), num limite que, segundo as mesmas fontes, poderá ir até aos 60 mil
milhões de euros, uma verba mais do que suficiente.
Mas a primeira
conclusão a tirar deste périplo europeu é que o novo Governo grego avaliou com
demasiado optimismo o novo clima que se vive hoje na Europa sobre a necessidade
de virar da austeridade para o crescimento, até para que não haja mais Syrizas
noutros países europeus. Esse clima existe em Paris, Bruxelas, Roma ou Madrid,
e até em Frankfurt, mas não chega para levar os principais governos europeus a
escolher a Grécia contra Berlim.
De regresso a
Atenas e ao seu grupo parlamentar, Tsipras voltou ao discurso da “dignidade” e
da “soberania” para garantir que o seu Governo não receberia ordens nem se
deixaria chantagear de ninguém. Escreveu o Kathimerini, liberal: “Para além da
simpatia e da compreensão, a Grécia não tem aliados sólidos contra Berlim, o
Eurogrupo ou o BCE”.
2. Angela Merkel
continua distante. Não quis receber Tsipras, remetendo um encontro para a
cimeira de 12 de Fevereiro e limitando-se a dizer que tem estado em contacto
com o Presidente francês e o chefe do Governo italiano. A sua atenção está
concentrada num problema que considera muito mais sério: a escalada militar na
Ucrânia. Partiu ontem com François Hollande para Kiev onde se vai encontrar com
o Presidente ucraniano e com o secretário de Estado americano John Kerry. Partem
hoje para Moscovo para confrontar Vladimir Putin com um novo plano para
resolver o conflito. François Hollande escolheu palavras muito sérias para
anunciar esta iniciativa, explicando que há uma guerra na Europa que ninguém
pode ignorar. O Presidente francês não tenciona perder a oportunidade de uma
aproximação a Merkel que os ataques terroristas em Paris propiciaram e que a
questão da Ucrânia vem reforçar. Para o Eliseu vale mais (sempre valeu) uma
liderança partilhada (mesmo que as partes sejam desiguais) com Berlim do que
qualquer confronto para ajudar os gregos a saírem do atoleiro em que se
encontram, mesmo que a responsabilidade da chanceler seja evidente. Hollande já
terá dito mil vezes a Merkel que a austeridade alimenta a ascensão dos
populismos e dos nacionalismos, como atesta a força cada vez maior de Marine Le
Pen no seu próprio país. O Governo de Madrid mostrou-se ontem muito confiante
em que a crise grega não afectará a Espanha, mesmo que deseje um entendimento
rápido com Atenas. Também Mariano Rajoy vê crescer em Espanha um movimento
idêntico ao Syriza e precisa de uma mudança de rumo para tentar conter os
estragos.
3. Resta esperar
pela cimeira do próximo dia 12. Aí se saberá se a chanceler tenciona encontrar
uma solução de compromisso que permita ao Syriza salvar a face. Com os
problemas internacionais que a Europa enfrenta, da Ucrânia à ameaça terrorista,
passando pelo fraco crescimento e pela ameaça de deflação, seria este o momento
adequado para rever as políticas de austeridade que, até agora, não conseguiram
ter grande sucesso. Económico como político. Merkel assumiu a liderança da
crise ucraniana, partilhando-a com Obama. Percebe o risco terrorista e a
necessidade de combatê-lo em conjunto. Sempre disse que o que mais temia era o
aparecimento de forças nacionalistas e xenófobas no seu próprio país,
justificando assim a sua política europeia. Está a braços com elas. Não parece,
no entanto, ser sensível ao facto de a Grécia se situar na confluência entre a
Europa e uma zona de enorme turbulência, que incluiu a Turquia e que coloca
desafios complicados também no domínio da segurança. Obama tem plena
consciência dessa realidade que, somada ao nacionalismo agressivo da Rússia, ameaça
directamente a segurança euro-atlântica. A aparente recusa da chanceler em
mudar de rumo pode ter consequências mais graves do que as suas expectativas. Quanto
a Atenas, o choque de realidade dos seus líderes devia aconselhar alguma
prudência. Tsipras pode ter imenso carisma e Varoufakis ser um académico
brilhante. A realidade é muito mais complicada. E os compromissos desaconselham
posições extremas. Por enquanto, continua tudo em
aberto.
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