Da demarcação ao elogio: a
estratégia grega vista do Parlamento português
PAULO PENA , NUNO
SÁ LOURENÇO e SOFIA RODRIGUES 06/02/2015 - PÚBLICO
As vantagens, e desvantagens, da negociação exigida por Atenas dividem os
partidos portugueses. E criam demarcações internas importantes. No PSD há quem
abra e quem feche a porta às pretensões de Tsipras. E no PS também…
“Nesta matéria,
Portugal devia ter só uma posição: 'Estamos abertos a negociar e a ajudar os
gregos, desde que a solução encontrada seja aplicada aos outros países.'” É
desta forma, bastante divergente da posição oficial do Governo, que João de
Deus Pinheiro, antigo comissário europeu e ex-responsável pela diplomacia no
Governo de Cavaco Silva, considera que Portugal deve gerir a situação actual na
Europa, após a tomada de posse do novo executivo grego.
O embaixador
Francisco Seixas da Costa, que foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus
nos governos de António Guterres, concorda com esta ideia. “Portugal deveria,
sempre, privilegiar a negociação e, pelo menos, tentar obter aquilo que a
Grécia pode vir a ter.”
Numa semana cheia
de acontecimentos, marcada pelas visitas de Yanis Varoufakis, o ministro das
Finanças de Atenas, a várias capitais europeias (Berlim, Paris e Londres), o
deputado socialista Pedro Nuno Santos salienta ao PÚBLICO que, “pela primeira vez
em seis anos, está a fazer-se política na Europa”. Mas os avanços e recuos da
situação levam a que haja interpretações diferentes no parlamento português.
Duarte Pacheco, o
coordenador do PSD na comissão de finanças, coloca uma nuance: “A União Europeia
é feita de compromissos. Os compromissos devem prevalecer. Para bem da Europa e
da Grécia, é bom que se possa conversar, o que não quer dizer que as posições gregas
sejam atendidas…”
O Governo
português, para já, é apontado pela imprensa internacional como um dos que
estão mais intransigentes quanto às pretensões de Atenas. O primeiro-ministro,
Pedro Passos Coelho, e a ministra das Finanças terão, na próxima semana, duas
importantes reuniões. No dia 11, Maria Luís Albuquerque participa numa reunião
extraordinária do Eurogrupo - a primeira com a presença de Varoufakis. No dia
12 será a vez de o chefe do Governo se encontrar, na mesa do Conselho Europeu,
com o homólogo grego, Alexis Tsipras. A posição de Passos Coelho, que o próprio
revelou aos deputados no último debate quinzenal, no parlamento, não parece ser
muito aberta face às propostas tornadas públicas pelos gregos: "Não
estarei do lado de nenhuma conferência para perdoar dívida”; “O respeito que
devemos ao Governo grego, este deve-o aos outros. Não há governos de primeira,
de segunda ou de terceira. Dentro da UE todos temos de ser respeitados”; “Não
creio que [uma renegociação da dívida grega] seja uma perspetiva emocionante
para todos os que fizeram um esforço bem-sucedido e tiveram de garantir formas
excepcionais de financiamento em condições difíceis”.
Seixas da Costa
considera que as declarações do primeiro-ministro (sobretudo a célebre sobre os
“contos de crianças”) revelam uma “profunda deselegância”. “Fiquei muito
desiludido com a atitude do Governo português. Em virtude da sua ortodoxia
ideológica o Governo corre o risco de ficar isolado, se, por absurdo, a
Alemanha suavizar a sua posição.”
Passos usou,
ainda, o caso grego para contra-atacar o PS: ”Se tivéssemos seguido o PS e
pedido mais tempo e mais dinheiro, como estaríamos?” O mesmo fez um dos seus
mais próximos, Bruno Maçães, que tutela a pasta dos Assuntos Europeus (e já foi
apelidado, precisamente em Atenas, de “o alemão”). “Não podemos excluir a saída
da Grécia, mas são cenários extremos sobre os quais não devemos especular. (…)
No interesse da clareza também me parece positivo que, por exemplo, o PS tenha
celebrado a vitória do Syriza. A celebração torna o PS co-responsável nas
escolhas que o Syriza fará ao longo do próximo ano”, afirmou, numa entrevista
ao Diário de Notícias.
O líder do PS, na
entrevista que deu esta semana ao PÚBLICO, nem apoiou as propostas do Governo
grego nem seguiu a linha de Passos Coelho: “É claro que a ideia de austeridade
como caminho para o crescimento económico foi um fracasso e que é necessário
travar a austeridade para criarmos condições de crescimento económico.”
A posição do
secretário-geral foi secundada por alguns dos deputados socialistas que mais se
têm empenhado na crítica ao caminho seguido pelo Governo português. João
Galamba, do secretariado nacional, considera que “António Costa fez bem em não
se comprometer com apenas uma solução”. Tal, a acontecer, “diminui a margem
negocial”, acrescenta. “O que temos é de libertar recursos para a economia, o
modo como isso se faz não é o mais importante. Os gregos só estão a tentar
atingir por outra forma os mesmos objectivos.”
Pedro Nuno
Santos, que é co-autor de uma proposta técnica de reestruturação da dívida
portuguesa, usa o mesmo argumento e elogia a forma como Varoufakis tem
apresentado as suas ideias. “O objectivo é libertar recursos e há várias formas
de conseguir esse objectivo. António Costa não fecha a porta a nada. A Grécia
está num processo negocial sem precedentes. Se o governo grego não tivesse
partido para a negociação com uma exigência de reestruturação de 50 por cento
da dívida, não tinha margem negocial com amplitude suficiente para poder fazer
cedências e, mesmo assim, conseguir uma vitória para o seu país.” É, conclui o
deputado do PS, “uma táctica inteligentíssima”.
Pedro Nuno Santos
senta-se à frente do social-democrata Duarte Pacheco na sala 6 onde decorre o
inquérito parlamentar ao BES. A posição do social-democrata é bastante
diferente. Desde logo, a apreciação de Duarte Pacheco sobre o plano grego: “Não
foi apresentado um plano concreto. Foram várias soluções que variam, consoante
o local e o fuso horário… Nós, Portugal, estamos numa posição completamente
diferente da situação grega e não é do interesse do país que essa associação surja.”
E eventuais benefícios para Portugal? “Tudo depende das soluções. Não há
soluções que só tenham aspectos positivos. Se for estender maturidades, baixar
taxas de juro, como é óbvio iríamos beneficiar.”
No PS, como é
sabido, nem todos encaram as propostas gregas com muita expectativa. Francisco
Assis, eurodeputado, lançou uma crítica a António Costa, na crónica que
escreveu esta quinta-feira no PÚBLICO: “a demonização do PASOK [partido
socialista grego], que alguns levaram a cabo com uma leviandade assustadora,
constitui um sinal deveras inquietante.” Foi Costa quem disse que “o PS não é o
PASOK”…
Eduardo Cabrita,
presidente socialista da comissão de finanças, adianta que não foi a Grécia que
fez mudar alguma coisa na Europa nos últimos dias: “A questão central da Europa
é a mudança que está a ocorrer há meses. A mudança resulta do debate europeu
que já vinha de trás e da nova Comissão. Nas reuniões dos presidentes de
comissões parlamentares de finanças, o que vejo hoje é que os termos do debate
estão bastante alterados. O BCE já tem o quantitative easing, a Comissão
Europeia já tem como prioridade a retoma do investimento e já temos a questão
da flexibilização dos critérios de aplicação do Tratado Orçamental. O que se
passa na Grécia é um teste para aprofundar essa mudança, mas é também um teste
à responsabilidade do Governo grego.” Cabrita acrescenta ainda que o Governo
grego devia “entender que a agenda não pode ser centrada na renegociação”.
Se o grupo parlamentar
do PS tem visões diferentes sobre a questão grega, o do PSD parece mais
sintonizado. Mas fora do parlamento, é o PSD que tem maior amplitude de
posições. Uma mais radicais, como a de Carlos Carreiras, dirigente distrital,
que considera que o Syria “foi eleito com base em promessas que só podem ser
pagas com o dinheiro dos outros”. Outras mais pró-negociações, como a de Rui
Rio: “Espero que haja bom senso da Europa, e particularmente da Alemanha, e
também bom senso da parte da Grécia. Se não houver bom senso de uma das partes,
isto é um choque brutal. A saída da Grécia é um choque brutal, o não-pagamento
da dívida é um choque brutal, o colapso da economia grega é um choque brutal.”
O CDS-PP tem
adoptado uma posição mais prudente do que a do PSD - em particular do que a
assumida pelo primeiro-ministro -, por estar muito céptico sobre o resultado
final da iniciativa do novo Governo grego. “Nenhum de nós sabe como isto vai
terminar e a margem da Grécia é muito pequena”, afirmou um alto dirigente centrista,
considerando que o novo governo de Tsipras está a fazer comunicação política,
mas que “a relação de forças [entre Atenas e Berlim] é o que é”. Um eventual
perdão da dívida pode ser rejeitado pela massa de credores, põe em causa os
progressos nos programas de ajustamento de países como Irlanda e Portugal e
ainda potencia as aspirações de França e Itália sobre as respectivas dívidas.
Tudo isto “pode criar um problema político na Europa. Fica ingerível”, diz a
mesma fonte.
O CDS-PP também
recusa assumir uma posição no outro extremo. Ainda assim, a demarcação da
situação grega foi a primeira preocupação do partido liderado pelo
vice-primeiro-ministro Paulo Portas, na noite de vitória eleitoral do Syriza.
Portugal não é a Grécia, com todo o respeito pelos gregos, lia-se na mensagem
do CDS. Ou como desabafou um centrista: “Tirem-me desse filme da Grécia”.
Os partidos à
esquerda, PCP e BE, encaram o novo cenário de uma forma bastante mais positiva.
O PCP, que é o mais céptico dos partidos representados no parlamento sobre o
futuro da situação europeia, apoia algumas das medidas sugeridas pelo Governo
grego e reivindica tê-las sugerido há mais tempo, como é o caso da conferência
internacional de devedores e credores. O BE, que tem relações próximas com o Syriza
- e a quem Passos Coelho deu os parabéns pela vitória de Tsipras, em pleno
debate quinzenal - é o que mais tem a ganhar, e a perder, com os êxitos e
fracassos do novo Governo de Atenas.
Esta é, como
classifica Deus Pinheiro, “uma luta entre um pigmeu e um gigante”. Ou seja,
para usar outra metáfora do ex-ministro, “uma maratona em que os corredores
ainda estão na linha de partida”, mas cujo desfecho não parece ser muito
favorável ao atleta grego… “Vão rebentar muito cedo”, prevê. Talvez com uma
“marcha-atrás” forçada, nas suas posições. Talvez com uma ruptura política
interna, “que leve à demissão de alguns membros do Governo” (como o ministro
Varoufakis), continua Deus Pinheiro.
Ou não… “A
diplomacia é a arte de todos ganharem alguma coisa”, explica Seixas da Costa.
Por agora, “os sinais são contraditórios”, avalia o embaixador português.
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