O equívoco de Cavaco Silva
Por Luís Osório
publicado em 5
Fev 2015 in
(jornal) i online
Um saco azul que
parece estar a provocar um terramoto na vida de várias pessoas que poderão ter
recebido favores de Ricardo Salgado. Os que receberam dinheiro, os que
aceitaram empregos, os que agradeceram favores
Ricardo Salgado
começou a deixar escapar nomes como quem deixa cair migalhas de um mil-folhas
por comer. Ninguém acredita que falou de Cavaco Silva ou Paulo Portas por
descuido ou ingenuidade; fê-lo por desespero, colocou-os acintosamente numa
posição desconfortável.
O Presidente da
República reagiu mal. Irritou-se com as perguntas dos jornalistas, fez
afirmações opacas e exercícios de retórica em que negou ter alguma vez falado
do BES. Mostrou nervosismo quando nada do que veio a público seria passível de
lhe provocar reacções destemperadas. Cavaco Silva tinha todo o direito de falar
à porta fechada com Ricardo Salgado. Com ele ou com qualquer outra pessoa que
lhe permitisse formar um entendimento mais alargado de um ou vários temas de
interesse nacional.
É uma das suas
atribuições. Nada neste caso o compromete. Porque se enervou então?
Sílvia Caneco
fala-nos hoje um pouco mais a fundo da Espírito Santo Enterprise, que, ao que
se diz, servia de saco azul do BES, um pouco como os velhos bancos antes de
1974 que possuíam um fundo de maneio para problemas ou favores que tivessem de
ser cobrados e não declarados. Um saco azul que parece estar a provocar um
terramoto na vida de várias pessoas que poderão ter recebido favores de Ricardo
Salgado. Os que receberam dinheiro, os que aceitaram empregos, os que
agradeceram favores, os que não disseram não a financiamentos, os que frequentaram
a restrita casa de Salgado, os que aceitaram benesses em troca de páginas de
publicidade, os que se deixaram condicionar, os avençados que colocaram
notícias e opiniões favoráveis ao que agora parece ser a única vítima e o único
culpado da derrocada de um império.
Falar da Espírito
Santo Enterprise, que nem sequer constava do organograma do GES, é falar do
medo de ser arrastado para uma situação desesperada por um homem desesperado. Um
homem que se vê perante um cruel paradigma humano: os que o acompanharam
enquanto tinha lugares para distribuir são agora os mesmos que atravessam para
o outro lado da rua para não terem de o cumprimentar.
Por tudo isto,
mostrar nervosismo foi a pior de todas as respostas do Presidente da República.
Um nervosismo amplificado pela maneira como o PSD e o CDS recusaram o pedido
(também ele “interesseiro” das bancadas do PS, do Bloco e do PCP) para que
prestasse declarações na comissão de inquérito ao BES. O destempero contribuiu
para que se adensasse a ideia de que Cavaco tem alguma coisa a esconder. Exactamente
o que Salgado parece desejar. Enervar um grupo alargado de pessoas que têm e
representam o poder. Enervá-las e fazer com que saiam da toca para o ajudar a
sobreviver sob pena de mergulharem com ele num mar tempestuoso sem bote ou
coletes salva-vidas.
Percebe-se o
pânico. Mas entre os amedrontados não pode estar Cavaco Silva. Isso seria uma
pedra ainda maior na credibilidade do regime. E até concordo com ele, não faz
sentido que preste declarações no parlamento, escritas ou presenciais. Mas a
sua reacção não me inspira tranquilidade, a tranquilidade que todos os
portugueses esperam do seu Presidente.
E isso
lamenta-se. Que seja apenas um equívoco.
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