Um dia o povo dirá “basta”
Helena Garrido
15/6/2017,
O regime está muito mais doente do que parece. Casos como a
TAP, Carlos César ou EDP são apenas a ponta do iceberg. Os políticos e a
justiça andam a brincar com o fogo. O povo não é estúpido.
Até António Costa assumir a liderança do Governo, com o
apoio da esquerda, o regime tinha no PCP e no Bloco de Esquerda os principais
guardiões do regime. Sendo contra o sistema eram, na prática, o seu seguro de
vida com a denúncia dos abusos de poder do bloco central, protagonizados pelo
PS e PSD.
Neste momento, comunistas e bloquistas começam de novo a
apontar o dedo ao assalto à administração pública e a algumas empresas, mas
estão completamente manietados pelo PS. As suas críticas existem, mas a sua
eficácia é bastante reduzida, desconhecendo-se se é por puro cálculo político
ou se existem outras razões. O PSD de Pedro Passos Coelho acaba por ser o que
grita mais alto “é uma vergonha”. Mas ninguém o quer ouvir, quer porque os
sociais-democratas também têm um passado longe de estar limpo, quer porque
Passos deixou cair nas suas costas a responsabilidade pelos anos de chumbo da troika.
Do lado da justiça estamos a percorrer um perigosíssimo
caminho, como alerta Nuno Garoupa, um dos economistas portugueses que conhece
mais profundamente o sistema português. Sucedem-se os casos, há uma
generalização de arguidos no PSD, no PS e entre os gestores de empresas com
ligações directas ou indirectas a negócios com o Estado. O caso mais grave é o
de José Sócrates por ter sido primeiro-ministro. Mas continuamos a ter os casos
BPN e BES juntando-se agora a EDP.
Ter arguidos, ou mesmo acusados, sem condenações será tanto
ou mais grave do que não iniciar os processos contra os “poderosos”. Claro que
não se está a defender que a justiça force condenações para se salvar a ela
própria. Mas investigadores, procuradores e juízes têm de ter consciência do
enorme desafio que têm pela frente. E têm de ter a noção da ameaça ao regime
que constituem processos menos cuidados contra figuras mediáticas vistas como
poderosas pela opinião pública.
Já vai longe o tempo em que António Guterres se demitiu por
considerar que vivíamos num “pântano”. Desse ponto de vista foi visionário. Não
conseguindo secar o pântano foi-se embora, como depois fez o mesmo José Manuel
Durão Barroso. Cada um tratou da sua vida à sua maneira. Tendo estes exemplos
como referência, resta-nos agradecer a quem ficou, a Pedro Passos Coelho e
agora a António Costa. E não é ironia.
O país está neste momento demasiado polarizado para perceber
que há políticos que se dedicam de facto à causa pública. Podemos não concordar
com eles mas quer Passos Coelho como Costa têm uma carreira que nos mostra que
procuram o bem público – tal como Jerónimo de Sousa, Catarina Martins e
Assunção Cristas.
Dito isto, aquilo a que assistimos são a escolhas ditadas
por convicções, circunstâncias ou condicionalismos diversos tendo como pano de
fundo a manutenção do poder. Alguns exemplos. A oportunidade perdida na redução
das rendas da EDP foi em grande medida ditada pelo estado de necessidade
financeira em que o país estava: para entrar dinheiro em grande na privatização
vindo do exterior, neste caso de chineses, para um país que estava na
bancarrota. A reversão da venda da TAP é um caso que ainda hoje está muito mal
explicado. Muitos limitam-se a dizer que a razão é ideológica. Ideológica
quando temos a rede eléctrica e a produção e distribuição de electricidade
privatizada? O tempo mostrará a razão pela qual se reverteu a privatização de
uma empresa com uma dívida monumental. Outras reversões são compreensíveis à
luz da conquista do poder. É o caso dos transportes. Basta colocar-nos no lugar
do PCP e da CGTP para perceber que a reversão da concessão dos transportes era
uma questão de sobrevivência. Entre sobreviver e fazer uma aliança com o seu
adversário histórico escolhe-se sobreviver.
Onde está aqui então o interesse público? Parece haver uma
contradição com o que se escreveu uns parágrafos antes, mas não há. As acções,
privatizações, renacionalizações ou reversões, são meios para atingir fins.
Cada um à sua maneira considera que está a defender o que é melhor para o país.
O problema é que os meios começam a revelar-se cada vez mais degradantes aos
olhos da opinião pública.
É o caso dos empregos para os amigos e familiares. O caso
que tem estado na actualidade neste momento é dos empregos da família de Carlos
César. Claro que os familiares de políticos não estão impedidos de aceder a
cargos de nomeação política quando têm qualificações. O problema, neste caso, é
o número de familiares envolvidos. E o facto de boa parte dos portugueses, com
ligações à administração pública, saber que está generalizada esta prática de
empregos para os amigos, familiares e militantes partidários.
O regime está muito doente e sob uma séria ameaça. Os
partidos de poder andam há demasiado tempo a brincar com coisas sérias,
convencidos que com papas e bolos vão enganando os tolos dos eleitores. França
mostrou que não é assim. Um dia o povo diz basta. Resta-nos esperar que o nosso
“basta” seja à francesa, mesmo não se sabendo ainda muito bem o que traz
Macron.
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