Festas de aniversário nos Jerónimos
investigadas pelo Ministério Público
Empresas que usaram espaço pagaram à
World Monuments Fund, da qual é vice-presidente a diretora dos Jerónimos
06 DE JUNHO DE 2017
Carlos Rodrigues Lima
Constituída formalmente como uma "associação sem fins
lucrativos", durante vários anos a "Troca Descobertas" explorou
alguns espaços do Mosteiro dos Jerónimos, cobrando pelos seus serviços, sem que
a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) recebesse qualquer compensação.
Sem vínculo ao Estado, algumas das fundadoras da associação
chegaram a ter e-mail oficial dos Jerónimos, assim como as atividades que
realizavam foram publicitadas em portais públicos. Este é um dos exemplos de
algumas situações encontradas por uma auditoria da DGPC à gestão da diretora
Isabel Almeida, que estão a ser investigadas pelo Ministério Público.
É na própria página da DGPC que se encontra um documento a
publicitar os serviços que a designada "equipa de animação
pedagógica" prestava no Mosteiro dos Jerónimos. Os destinatários eram
alunos do ensino pré-escolar e 1.º ano do ensino básico. Com marcação prévia,
os ateliês custavam 2,5 euros por aluno.
Já no site pumpkin é possível descobrir que a tal equipa
organizava visitas guiadas, realizando também festas de aniversário ao fim de
semana. Algumas das pessoas que integravam a Troca Descobertas tinham e-mail
oficial dos Jerónimos. Sendo que, segundo várias informações recolhidas pelo
DN, não existia nenhum protocolo entre a DGPC e a dita associação sem fins
lucrativos que justificasse o apoio público.
Vária documentação a que o DN teve acesso revela também que
algumas empresas que realizaram eventos nos espaços do Mosteiro do Jerónimos
acabaram por pagar mais à World Monuments Fund (WMF), uma organização
internacional sem fins lucrativos que se dedica à recuperação de edifícios
históricos, do que à própria DGPC.
A diretora do Mosteiro dos Jerónimos, Isabel Almeida, é
vice-presidente da WMF. Até 2014, o custo da cedência de espaços em monumentos
ficava um pouco ao critério do respetivo diretor. Só com a entrada em vigor do
despacho 8356/2014, assinado pelo ex-secretário de Estado da Cultura, Jorge
Barreto Xavier, é que os preços passaram a estar tabelados.
Nos últimos anos, entidades como a Compagnie Financière
Richemont, a Team Quatro e o Automóvel Clube de Portugal realizaram eventos nos
espaços dos Jerónimos. A primeira fez um donativo de 150 mil euros à WMF e a
segunda e a terceira doaram 50 mil euros. Ou seja, valores acima do próprio
aluguer do espaço.
A semana passada, o DN questionou o Ministério da Cultura
sobre estas discrepâncias. Porém, Luís Castro Mendes não quis pronunciar-se
sobre as questões em concreto, preferindo, isso sim, revelar que o caso foi
entregue ao Ministério Público: "Numa auditoria interna da DGPC a vários
museus e monumentos foram detetadas irregularidades que motivaram o envio do
respetivo relatório final ao Ministério Público. Este assunto é agora da
competência do Ministério Público, não sendo, portanto, oportuno o gabinete do
ministro da Cultura pronunciar-se."
Através da assessoria de imprensa da DGPC, o DN enviou um
conjunto de questões a Isabel Almeida. Porém, não foi obtida qualquer resposta.
Isabel Cruz Almeida foi diretora do Mosteiro dos Jerónimos nos últimos anos. A
sua comissão de serviço terminou a 5 de janeiro deste ano, desconhecendo-se se
irá concorrer novamente ao lugar.
Foi durante o seu consulado, recorde-se, que o Tribunal de
Contas detetou irregularidades na venda de bilhetes no Mosteiro dos Jerónimos e
na Torre de Belém, que se traduziram no desvio do montante de 152 345 euros,
para proveito próprio de alguns trabalhadores.
Este facto levou ao despedimento de 11 funcionários daqueles
monumentos (um dos 12 envolvidos já estava aposentado) e à instauração de um
inquérito com vista a apurar o sucedido. Os trabalhadores despedidos
interpuseram, por sua vez, uma providência cautelar e oito foram mesmo
reintegrados noutros serviços, "em funções que não envolvam contacto com
valores monetários e/ou venda".
Segundo um acórdão do Tribunal Central Administrativo do
Sul, uma funcionária suspeita de desviar três mil euros das bilheteiras foi
reintegrada, porque o inquérito interno da DGPC não cumpriu um requisito. A
"falta de audiência da arguida, ora recorrente, relativamente a alguns dos
factos levados em conta no ato punitivo - assim se impedindo nomeadamente que
esta demonstrasse que não praticou tais factos -, sendo certo que a referida
nulidade repercute-se no ato punitivo". Isto é, o ato de despedimento foi
considerado nulo, até se esclarecer devidamente toda a situação.
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