Câmara de Lisboa ignora assembleia e
vai aprovar hotel polémico no Chiado
Projecto prevê uma
"reinterpretação contemporânea" da arquitectura pombalina para um
edifício dos anos 70 e decorado com azulejos de António Vasconcelos Lapa.
JOÃO PEDRO PINCHA 20 de Junho de 2017, 8:42
Foi quase por unanimidade que os deputados da Assembleia
Municipal de Lisboa votaram, em Março último, um documento que pedia à câmara
municipal que não autorizasse a transformação de um prédio da década de 1970
num hotel com estética pombalina, como é proposto por uma empresa de
investimentos imobiliários para um imóvel perto do Chiado. Essa recomendação
surgiu depois de uma petição pública nesse sentido ter recolhido 1.235
assinaturas em poucos dias. Já antes, em Fevereiro, PCP e BE tinham avançado
com iniciativas semelhantes, também aprovadas por larga maioria.
A câmara, no entanto, ignorou esses pedidos e o projecto
deverá ser aprovado na reunião privada desta quinta-feira.
Como o PÚBLICO noticiou em Fevereiro, a intenção do promotor
é que o edifício do número 20 do Largo Rafael Bordalo Pinheiro e um outro,
situado mesmo ao lado, sejam transformados num hotel de cinco estrelas. Para
tal, propõe-se que a actual estética modernista do prédio – construído entre
1974 e 1977 para a companhia de seguros Império – seja substituída por
"uma imagem arquitectónica mais integrada com a envolvente edificada"
e reflicta uma "reinterpretação contemporânea" da arquitectura
pombalina.
Além de uma mudança profunda do aspecto exterior do imóvel,
a proposta pressupõe também que sejam retirados os 33 painéis de azulejos que o
ceramista António Vasconcelos Lapa desenhou para a fachada. Perante as dúvidas
levantadas pela Estrutura Consultiva Residente do Plano Director Municipal face
à retirada dos azulejos, a câmara pediu – e o promotor aceitou – que os painéis
fossem recolocados no interior do futuro hotel.
Mas as recomendações dos deputados da assembleia municipal
iam mais longe. “A cidade não é só feita de ‘neo-pombalino’, nem tão pouco
queremos transformar Lisboa numa Disney do pombalino. Queremos antes que a
cidade deixe transparecer na sua malha urbana as diferentes intervenções
arquitectónicas feitas no seu tempo histórico, mas também no que se refere à
sua história mais recente”, escreveu Simonetta Luz Afonso, deputada do PS que
elaborou um relatório sobre a petição. Esse documento foi aprovado por
unanimidade pelos deputados que compõem as comissões de Urbanismo e da Cultura
da Assembleia Municipal de Lisboa.
No relatório, a eleita socialista considerou que o edifício
está “muito bem integrado” no largo e, por isso, “não existe necessidade de lhe
pôr uma qualquer roupagem pseudo-histórica na sua linguagem pós-moderna.” E
acrescentou: “É nosso dever preservarmos essa memória, estando certa que o
prédio se manterá no seu desenho original, assim como os seus elementos
decorativos azulejares que tão bem integram a composição rítmica e cromática da
sua fachada. Seguramente será possível fazer a sua adaptação funcional para
hotel, sem com isso alterar as suas características arquitectónicas e
decorativas.”
Simonetta Luz Afonso escreveu também algo que diria ao vivo
mais tarde, em plenário. “Verbalmente, o senhor vereador Manuel Salgado
mostrou-se receptivo em acompanhar as preocupações dos signatários e da
relatora, manifestando a sua intenção de manter integralmente a fachada.”
Mas foram só palavras. A proposta que Manuel Salgado leva
esta quinta-feira a deliberação camarária prevê que o projecto seja aprovado
apenas com ligeiras alterações ao inicialmente estabelecido.
Uma das recomendações aprovadas pela assembleia municipal,
apresentada pelo Bloco de Esquerda, propunha que o edifício fosse classificado
como "bem de interesse municipal", o que teria suspendido imediatamente
o processo em apreciação na câmara. Tal como o nome indica, as recomendações
são apenas isso e a câmara municipal pode ou não aceitá-las.
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