Montepio e Santa Casa – a sopa dos
banqueiros
Neste país já se fez muita asneira,
mas arriscar o dinheiro dos pobres num banco à beira do abismo é um novo patamar
de desfaçatez.
João Miguel Tavares
8 de Junho de 2017, 6:35
Ontem, em Espanha, o Banco Santander comprou o Banco Popular
por 1 euro, filial portuguesa incluída. Um euro. Dez moedinhas de dez cêntimos.
O Banco Popular estava numa péssima situação financeira, como facilmente se
imagina. E, no entanto, mesmo antes da venda, a sua notação nas agências de
rating era superior à do Montepio Geral. Os dois partilhavam até ao dia de
ontem o nível de lixo, mas, na Moody’s, o Banco Popular estava no terceiro
nível de lixo, enquanto o Montepio Geral continua enterrado no sexto. Ambos com
outlook negativo. Conclusão: no campeonato do lixo bancário, o risco de
investimento no Montepio é superior ao de um banco que foi vendido por um euro.
Ora, numa altura em que se fala cada vez mais
insistentemente na entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no capital
do Montepio Geral, com o objectivo de adquirir uma posição na ordem dos 10%,
talvez o negócio dos nossos vizinhos espanhóis possa servir de fonte de
inspiração a Pedro Santana Lopes: abre o porta-moedas, tira uma moeda de 10
cêntimos, entrega-a a Tomás Correia, fica com 10% do Montepio e oferece a
posição a um sem-abrigo.
Tendo em conta a quantidade de buracos que vai ser preciso
tapar, desconfio que 10 cêntimos seja uma fortuna. Só que a sopa dos banqueiros
é mais exigente do que a sopa dos pobres. Não é de 10 cêntimos que se fala. É
de valores na ordem dos 140 milhões de euros. O Governo tem vindo a pressionar
a maior instituição de caridade do país para investir 18% dos seus activos na
salvação de um banco que andou metido com o BES e respectivos amigos, e cujo
ex-líder (e ainda presidente da associação mutualista que detém o banco
Montepio) é arguido num processo onde se suspeita que terá recebido 1,5 milhões
de euros do construtor José Guilherme (sim, o mesmo José Guilherme que
presenteou Ricardo Salgado com 14 milhões).
O senhor Tomás Correia, que ajudou a enterrar o Montepio ao
longo de muitos anos, e que foi obrigado a deixar de mandar no banco mas não na
instituição dona do banco, anda agora enfiado em reuniões com o governador do
Banco de Portugal e com Santana Lopes para discutir a melhor forma da Santa
Casa colocar milhões ao seu serviço. E tudo isto, claro, com o apoio majestoso
de Vieira da Silva e em nome do fulminante “interesse nacional”.
No início, ainda pensei que o próprio Santana Lopes
estivesse para aí virado. Ultimamente, parece-me que ele está sobretudo a ser
empurrado para um negócio no qual tem tanta vontade de participar como eu de
arrancar um dente sem anestesia. Em entrevista à SIC, Santana confirmou que não
está nisto por iniciativa própria, garantiu que “se houver um risco que seja
considerado intolerável a Santa Casa não entra” e recusou os valores que estão
em cima da mesa, afirmando que os 140 milhões só fariam sentido se a Santa Casa
aceitasse pagar o preço que o Montepio pede. Disse ainda que nunca irá decidir
“sob stress temporal”.
Tudo isto é bonito, mas nada disto faz sentido. Claro que o
risco é intolerável – basta olhar para o rating do banco e para o passado de
Portugal. Claro que o valor em cima da mesa tem de ser elevadíssimo – se fosse
para pôr meia-dúzia de tostões não era preciso a Santa Casa. E claro que há
pressa – quando mais tempo passar mais o banco se enterra. Aquilo a que estamos
a assistir é um absurdo. Neste país já se fez muita asneira, mas arriscar o
dinheiro dos pobres num banco à beira do abismo é um novo patamar de
desfaçatez.
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