terça-feira, 20 de junho de 2017

“Sempre fomos contra o crime da eucaliptização desordenada e contínua. Fomos vilipendiados, maltratados, injuriados, fomos chamados à Judiciária, etc. Mas sabíamos que tínhamos razão.” / JORGE PAIVA / 2016


Altri ameaça travar investimentos se Portugal "demonizar" o eucalipto

Paulo Fernandes deixa aviso ao Governo na assinatura de contratos de 125 milhões de euros na Celbi e Celtejo. Primeiro-ministro responde com linha de financiamento para subir produtividade na floresta de eucalipto.
Altri ameaça travar investimentos se Portugal "demonizar" o eucalipto

António  Larguesa António Larguesa alarguesa@negocios.pt
16 de janeiro de 2017 às 14:27

Paulo Fernandes garantiu esta segunda-feira, 16 de Janeiro, que "a Altri está disposta e comprometida a investir em Portugal", mas avisou que "se continuarmos a tratar mal o nosso 'petróleo verde', que é a nossa floresta, dentro da sua diversidade, será sempre mais difícil encontrar racional para esses investimentos". "A simples proibição do plantio de determinada espécie de árvore, neste caso o eucalipto, preferindo que aí floresça mato, é a todos os títulos pouco recomendável", alertou.

"Não somos apologistas de monoculturas. O nosso desafio é, sim, aumentar a produtividade na floresta de eucalipto, mas também rentabilizar áreas abandonadas. Não comungamos é com aqueles que, sentados em gabinetes e que não sabendo o que é a floresta, se limitam a criar obstáculos, como se o piorar das condições de gestão na floresta aproveitasse em favor da sociedade e do país, criticou o presidente da Altri.

Na sessão de assinatura de dois contratos no valor de 125 milhões de euros, a realizar nas fábricas da Celtejo, em Vila Velha de Ródão, e da Celbi, na Figueira da Foz, Paulo Fernandes assinalou que estes investimentos no sector da pasta de papel traduzem "a confiança que o grupo tem em Portugal e mostra o seu compromisso de longo prazo em investir no país quando, porventura, outros mercados apelam aos seus investimentos". Porém, falando perante o primeiro-ministro, António Costa, o empresário antecipou "alguns constrangimentos que são críticos para a produção" de pasta de papel.

"No meio de mitos e demagogias várias, demoniza-se a floresta de eucalipto e, com ela, toda a criação de riqueza que ela proporciona, sobretudo no espaço rural. O desenvolvimento económico não é incompatível com a preservação da biodiversidade, muito pelo contrário. Só uma floresta organizada, rentável, que tenha incentivos à sua renovação, conduz à criação de riqueza e de preservação dos habitats. A alternativa é o abandono e a substituição de floresta por mato improdutivo e que ciclicamente é objecto de incêndios", frisou o líder do grupo Altri, empresa que partilha o núcleo accionista e de gestão com a Cofina (dona do Negócios).

Segundo dados do Eurostat e do Global Forest Watch, Portugal foi o único país da UE que nos últimos 25 anos reduziu a área florestal, estimando-se que o recuo nos últimos 15 anos tenha atingido um quarto da área total. Sustentando que não há mais eucalipto, mas apenas que o seu peso aumenta face a uma área florestal cada vez menor, onde não se refloresta e onde as áreas de mato são as únicas que crescem, Paulo Fernandes insistiu que "num país com parcos recursos endógenos e com uma indústria que compara positivamente com os mais exigentes mercados, é um crime andar à boleia de ideias velhas, mitos e preconceitos".

Costa aponta à produtividade

Portugal importa anualmente 22% da madeira que consome, o que representa mais de 180 milhões de euros por ano. "É um contra-senso ter a maioria do território apto, mas que, ano após ano, tem cada vez mais áreas improdutivas. Temos sempre escolhido deixar o território ser tomado pelo mato, ao invés de promover novas plantações. (...) Não raras vezes procura-se obstaculizar quem investe através de todo o tipo de entraves e normativos, favorecendo uma realidade que a ninguém interessa sob nenhum prisma", contestou o presidente e co-CEO do grupo Altri, que tem uma capacidade de produção superior a um milhão de toneladas por ano, exporta 94% do que produz e que em 2015 gerou um volume de vendas que superou os 665 milhões de euros.

Depois de ouvir estas críticas da primeira fila do auditório improvisado, o primeiro-ministro respondeu que "o grande desafio na plantação do eucalipto é a melhoria da produtividade média por hectare, que é baixíssima", notando que "não são só os matos que estão ao abandono". Melhorar a gestão, o ordenamento e as condições de exploração da própria terra são áreas em que as empresas podem investir, avisando que a solução "não [passa] necessariamente por aumentar a área do eucalipto".

Na mesma sessão de assinatura dos contratos, que decorreu na fábrica da Celbi, na Figueira da Foz, e em que estiveram também os ministros Caldeira Cabral, Capoulas Santos e o presidente da AICEP, Miguel Frasquilho, António Costa adiantou que o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural vai abrir durante este ano um concurso de 18 milhões de euros para financiar investimentos na melhoria da produtividade da área de eucalipto, acreditando que essa medida "vai responder à procura crescente para a produção de pasta de papel".


A Altri não é a primeira empresa a ameaçar travar investimentos. A Navigator também já disse que os seus investimentos dependem dos termos da nova lei para o eucalipto. A empresa, antiga Portucel, quer conhecer os termos da nova lei para as plantações de eucalipto para decidir se avança ou cancela os projectos que tem para Cacia e Figueira da Foz, no valor de mais de 200 milhões de euros. Esta posição foi assumida em Novembro, quando a empresa apresentou os resultados do terceiro trimestre.


OVOODOCORVO revisita este artigo fundamental do biólogo JORGE PAIVA, publicado no Público em 2006
“Sempre fomos contra o crime da eucaliptização desordenada e contínua. Fomos vilipendiados, maltratados, injuriados, fomos chamados à Judiciária, etc. Mas sabíamos que tínhamos razão.”

Os incêndios e a desertificação do Portugal florestal
JORGE PAIVA 23/01/2006 - 00:00

Antes da última glaciação, Portugal estava coberto por uma floresta sempre-verde (laurisilva). Durante essa glaciação a descida drástica da temperatura fez desaparecer quase por completo essa laurisilva, tendo sido substituída por uma cobertura florestal semelhante à actual taiga. Após o período glaciar, a temperatura voltou a subir, ficando o país com um clima temperado como o actual. Assim, a floresta glaciar foi substituída por florestas mistas (fagosilva) de árvores sempre-verdes (algumas delas relíquias da laurisilva) e outras caducifólias, transformando o país num imenso carvalhal caducifólio (alvarinho e negral) a norte, marcescente (cerquinho) no centro e perenifólio (azinheira e sobreiro) para sul, com uma faixa litoral de floresta dominada pelo pinheiro-manso e os cumes das montanhas mais frias com o pinheiro-da-casquinha (relíquia glaciárica). Por destruição dessas florestas, particularmente com a construção das naus (três a quatro mil carvalhos por nau) durante os Descobrimentos (cerca de duas mil naus num século) e da cobertura do país com vias férreas (travessas de madeira de negral ou de cerquinho para assentar os carris), as nossas montanhas passaram a estar predominantemente cobertas por matos de urzes ou torgas, giestas, tojos e carqueja. A partir do século XIX, após a criação dos "Serviços Florestais", foram artificialmente re-arborizadas com pinheiro-bravo, tendo-se criado a maior mancha contínua de pinhal na Europa. A partir da segunda década do século XX, apesar dos alertas ambientalistas, efectuaram-se intensas, contínuas e desordenadas arborizações com eucalipto, tendo-se criado a maior área de eucaliptal contínuo da Europa. Sendo o pinheiro resinoso e o eucalipto produtor de óleos essenciais, produtos altamente inflamáveis, com pinhais e eucaliptais contínuos, os incêndios florestais tornaram-se não só frequentes, como também incontroláveis. Desta maneira, o nosso país tem já algumas montanhas transformadas em zonas desérticas.
Sempre fomos contra o crime da eucaliptização desordenada e contínua. Fomos vilipendiados, maltratados, injuriados, fomos chamados à Judiciária, etc. Mas sabíamos que tínhamos razão. Infelizmente não vemos nenhum dos que defenderam sempre essa eucaliptização vir agora assumir as culpas destes "piroverões" que passámos a ter e que, infelizmente, vamos continuar a ter. Também sempre fomos contra o delapidar, por sucessivos Governos, dos Serviços Florestais (quase acabaram com os guardas florestais). Isso e o êxodo rural (os eucaliptos são cortados de 10 em 10 anos e o povo não fica 10 anos a olhar para as árvores em crescimento tendo, por isso, sido "forçado" a abandonar as montanhas e a ficar numa dependência económica monopolista, que "controla" o preço da madeira a seu belo prazer) tiveram como resultado a desumanização das nossas montanhas pelo que, mal um incêndio florestal eclode, não está lá ninguém para acudir de imediato e, quando se dá por ele, já vai devastador e incontrolável.
Infelizmente vamos continuar a ter "piroverões" por mais aviões "bombeiros" que comprem ou aluguem. Isto porque, entre essas medidas, não estão as duas que são fundamentais, as que poderiam travar esta onda de incêndios devastadores que nos tem assolado nas últimas décadas. Uma, é a re-humanização das montanhas, que pode ser feita com pessoal desempregado que, depois de ter frequentado curtos "cursos de formação" durante o Inverno, iria vigiar as montanhas, percorrendo áreas adequadas durante a Primavera e Verão. A outra medida fundamental seria, após os incêndios, arrancar logo a toiça dos eucaliptos e replantar a área com arborização devidamente ordenada. Isto porque os eucaliptos rebentam de toiça logo a seguir ao fogo, renovando-se a área eucaliptada em meia dúzia de anos, sem grande utilidade até porque o diâmetro da ramada de toiça não é rentável para as celuloses. Mas como tal não se faz, essa mesma área de eucaliptal torna a arder poucos anos após o primeiro incêndio e assim sucessivamente. Muitas vezes, essas mesmas áreas são também invadidas por acácias ou mimosas, bastando para tal que exista um acacial nas proximidades ou nas bermas das rodovias, pois as sementes das acácias são resistentes aos fogos e o vento ajuda a dispersá-las por serem muito leves. As acácias, como são heliófitas (plantas "amigas" do Sol), e não havendo sombra de outras árvores após os incêndios, crescem depressa aproveitando a luminosidade e ocupando aquele nicho ecológico antes das outras espécies se desenvolverem.
Mas como vivemos numa sociedade cuja preocupação predominante é produzir cada vez mais, com maior rapidez e o mais barato possível, as medidas propostas são economicamente inviáveis por duas razões: primeiro, porque é preciso pagar aos vigilantes e respectivos formadores; segundo, porque arrancar a toiça dos eucaliptos é muito dispendioso (custa o correspondente ao lucro da venda de três cortes, isto é, o lucro de 30 anos). É bom também elucidar que os eucaliptais só são lucrativos até ao terceiro corte (30 anos). Depois disso, estão a abandoná-los, o que os torna um autêntico "rastilho" ou, melhor, um terrível "barril de pólvora", áreas onde os seus óleos essenciais, por vaporização ao calor, são explosivos e, quando a madeira do eucalipto começa a arder, provocam a explosão dos troncos e respectiva ramada, lançando ramos incandescentes a grande distância. Este "fenómeno" tem sido bem visível nos nossos "piroverões".
Por outro lado, pelo menos uma destas medidas (arranque da toiça e re-arborização ordenada) não tem resultados imediatos mas a longo prazo. Por isso os governantes não estão interessados na aplicação dessas medidas, pois interessa-lhes mais resultados imediatos (as eleições são de quatro em quatro anos...) do que de longo prazo.
Assim, sem resultados imediatamente visíveis e com uma despesa tão elevada, os governos nunca vão adoptar tais medidas. Preferem gestos por vezes caricatos, como distribuir telemóveis aos pastores, mas que nunca não acabarão com os "piroverões".
Finalmente, após a referida delapidação técnica e funcional dos Serviços Florestais (antigamente, os incêndios florestais eram quase sempre apagados logo no início e apenas pelo pessoal e tecnologia dos Serviços Florestais), esqueceram-se da conveniente profissionalização e apetrechamento dos bombeiros, melhor adaptados a incêndios urbanos.
Se os nossos governantes continuarem, teimosamente, a não querer ver claramente o que está a acontecer, caminharemos rapidamente para um amplo deserto montanhoso, com a planície, os vales e o litoral transformados num imenso acacial, tal como já acontece em vastas áreas de Portugal. Biólogo


Tirar a floresta das mãos do eucalipto

As condições para a existência de tragédias como Pedrógão Grande não se repetirão só nos próximos verões: repetir-se-ão já este verão.

JOÃO CAMARGO
19 de Junho de 2017, 19:41

Estavam 40ºC ao fim da tarde em Lisboa. Em Santarém, o termómetro batia nos 45ºC. Ao mesmo tempo, em Pedrógão Grande, estavam 41ºC, e ventos fortes e irregulares. Parece que os incêndios entre o Norte do Alentejo e Coimbra tinham começado muito mais cedo, provocados por invulgares trovoadas secas. A Sul do país e em Lisboa tinha mesmo chovido, e, com um calor infernal e gotas grossas caindo, poderia dizer-se que estávamos bastante a sul, num clima tropical. No site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera dizia “Estamos fora do período crítico até 30 de Junho” em relação ao risco de incêndio, o que é o velho “normal”. No ano passado, na Madeira, em Agosto, com um clima bem mais húmido mas não menos quente, os incêndios florestais chegaram à noite à cidade do Funchal e também colheram vidas à sua passagem. Qual será o “novo normal” do clima onde vivemos? Ainda estamos a descobrir.

Mas, e o velho clima? Por que é que Portugal arde tanto mais que os restantes países mediterrânicos? O clima da zona mediterrânica é, de facto, propício à ocorrência de incêndios florestais no verão, fenómeno natural e ao qual a nossa flora e fauna (incluindo a humana) estavam adaptados. Ora, as últimas décadas viram um aumento da ocorrência de incêndios florestais, de área ardida e de ignições em Portugal. Um aumento que não foi acompanhado pelos nossos vizinhos de clima: Espanha, Grécia, Itália, Marrocos, Argélia. Em 1980, Portugal teve um registo de 2349 ocorrências de incêndios florestais e uma área ardida de 44 mil hectares. Em 2016, ano de baixas ocorrências, Portugal teve um registo de 13.079 e uma área ardida de 160 mil hectares. Em média passámos de 73 mil hectares de área ardida por ano na década de 80 para 150 mil hectares de área ardida por ano na década de 2000. O que mudou?

Além do clima, mudou o abandono rural e florestal, que explodiu e foi alimentado e explorado pela expansão descontrolada das plantações industriais de eucalipto e pela pequena plantação desordenada de eucalipto e pinheiro. Com o abandono, Portugal passou a ter uma floresta de matos, acácias, mimosas e eucaliptos para abastecer as fábricas da agora Navigator Company (ex-Portucel), da Altri, da Europac&Kraft e da Renova. E querem mais, como nos recordaram há menos de um ano atrás, que “Portugal devia estar orgulhoso de ter o eucalipto”. Nunca referem que somos o país com a maior área relativa do planeta. Nem Austrália, nem China, nem Brasil, mas Portugal. Mais de 9% de toda a área do país.

Não é uma novidade que o clima vai ficar mais quente. Além disso vai ficar menos húmido, o que significa que as condições para a existência de tragédias como Pedrógão Grande não só se repetirão nos próximos verões: repetir-se-ão ainda este verão. E os verões, que fruto das alterações climáticas podem perfeitamente começar em Maio e terminar em Outubro, farão com que o “período crítico” de incêndios passe de três meses a seis. Aliás, só entre 1 de Janeiro e 12 de Abril deste ano, Portugal já tinha registado 2900 incêndios florestais. A natureza do Eucalyptus globulus é que não vai mudar, o facto de ser altamente inflamável, de se incendiar rapidamente e de projectar cascas incandescentes a mais de dois quilómetros de distância também não.


O nome das coisas: o Decreto-Lei nº 96/2013 é a "Lei do Eucalipto Livre"



JOÃO CAMARGO  27.11.2013 às 15h18
Esta lei simplifica plantações de eucaliptos, mas complica a plantação de espécies florestais autóctones como o sobreiro, o castanheiro, o carvalho ou a azinheira
Na imagem: Produção de Eucaliptos no viveiro de Espirra, o maior viveiro de plantas florestais da Europa. Esta unidade dos Viveiro Aliança, do grupo Portucel Soporcel, tem capacidade para criar 6 milhões de plantas de eucalipto

A onomástica é o estudo explicativo dos nomes. Nos dias em que vemos o significado das palavras perder-se, em que os nomes se vão desligando do que significam, é importante realizar exercícios de onomástica para chamar as coisas pelos seus nomes.

Por estes dias discutiu-se no Parlamento, na Comissão de Agricultura e Mar, o Decreto-Lei nº 96/2013, de 19 de Julho. Para aumentar a confusão que este número de série produz na cabeça das pessoas, não tem sequer um subtítulo. Discutido anteriormente como Regime das Acções de Arborização e Rearborização, seria difícil explicar o que ele faz através deste subtítulo. Mais difícil ainda é explicar que a única importância decisiva e histórica deste decreto é liberalizar a plantação de eucaliptos, pelo que o seu nome verdadeiro não poderia ser outro que não "Lei do Eucalipto Livre".

Nesta Comissão Parlamentar estiveram várias organizações: de produtores, de académicos, ambientalistas, de cooperativas, e até empresas como a Portucel e a Altri. Algumas das entidades presentes afirmaram que esta lei não era sobre o eucalipto, como defendeu o próprio Secretário de Estado das Florestas, mais que uma vez, dizendo que o decreto visava apenas acabar com a burocracia na floresta.

Mas a "Lei do Eucalipto Livre" tem exclusivamente que ver com eucaliptos e com a liberalização da sua plantação. Senão vejamos: esta lei simplifica plantações de eucaliptos, mas complica a plantação de espécies florestais autóctones como o sobreiro, o castanheiro, o carvalho ou a azinheira, que passa a ter que ser comunicada. Que simplificação da burocracia é esta, quando passa a ter que ser comunicada, por exemplo, a plantação de sobreiros no meio do montado alentejano ou de carvalhos no Douro?

Os autores e os defensores desta lei afirmam que ela deixa de discriminar o eucalipto em relação às outras árvores. Discriminar? A espécie predominante da floresta portuguesa é uma espécie discriminada? Alguém pode defender que uma espécie plantada em 812 mil hectares, 8,9% da área do país, é uma espécie atacada? Afirmam ainda que esta lei não liberaliza a plantação de eucaliptos, uma vez que a comunicação prévia, que é um deferimento tácito à plantação de eucaliptos, apenas se aplica a áreas arborizadas abaixo dos 2 hectares. Mas se observarmos objetivamente que mais de 80% das propriedades florestais do país têm menos de 2 hectares de área ou que o prédio rústico tem em média de 0,5 a 1,2 hectares, podemos concluir que há um deferimento tácito para plantação de mais de 80% das propriedades florestais do país com eucalipto.

É nas áreas de plantação de eucalipto e pinheiro desordenadas, como aquelas que esta lei criará em grandes e contínuas extensões, que o país mais arde, ano após ano. São estas áreas que a "Lei do Eucalipto Livre" pretende continuar a expandir, entregando a floresta portuguesa nas mãos da fileira da celulose, que não quer ter nenhuma responsabilidade pela floresta e pela sua manutenção, ordenamento ou equilíbrio, mas apenas a possibilidade de extração máxima de madeira produzida pelos milhares de pequenos proprietários que arcarão com todo o risco.

O relatório mais recente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas aponta uma subida de temperatura global em cerca de 4,8ºC. Para a Península Ibérica, este valor chega a uma previsão máxima de aumento de 10ºC, sendo a previsão mínima de 1,5ºC no Verão. Com uma área de eucaliptal desordenado em expansão, uma das maiores do mundo, as consequências são claras, e por isso a "Lei do Eucalipto Livre" é também a "Lei do  Incêndio Livre".

A "Lei do Eucalipto Livre" está neste momento em apreciação parlamentar na Assembleia da República. Esta é a altura de participarmos e de nos manifestarmos acerca da mesma. É altura de contactarmos os representantes eleitos e em particular a Comissão de Agricultura e Mar, que é a primeira responsável pelo parecer que será transmitido ao Plenário do Parlamento sobre esta lei. É altura de contactarmos os deputados e deputadas dos vários grupos parlamentares: Vasco Cunha, Jorge Fão, Abel Baptista, Mário Simões, Isabel Santos, Manuel Isaac, João Ramos, Helena Pinto, José Luís Ferreira, Cristóvão Norte, Fernando Marques, Luís Pedro Pimentel, Maria José Moreno, Nuno Serra, Pedro Alves, Pedro do Ó Ramos, Pedro Lynce, Ulisses Pereira, Fernando Jesus, Glória Araújo, Miguel Freitas, Renato Sampaio e Rosa Maria Bastos Albernaz. Porque é importante que nos lembremos não apenas do nome das coisas, mas também do nome das pessoas. Perante uma lei que tem um impacte histórico desta dimensão, é importante darmos os nomes certos às pessoas e às leis. Contactem os deputados da Comissão através do site da Assembleia da República, neste link: http://www.parlamento.pt/sites/COM/XIILEG/7CAM/Paginas/Composicao.aspx.

Se esta lei for revogada, não será a garantia de que no futuro tudo correrá melhor. Se esta lei não for revogada, temos a garantia de que no futuro, na nossa floresta e no nosso território as coisas correrão bastante pior. Se ela seguir avante, poderemos prever para o ano de 2113 importantes alterações onomásticas, e provavelmente os nomes Silva, Pinheiro ou Carvalho terão perdido todo o significado. Talvez na aldeia de Eucaliptal de Cima, o Sr. Eucalipto se venha a casar com a Dona Fogo para tentar emigrar para o grande Deserto do Sul. Não temos tempo a perder com confusões linguísticas.

Revogar é a única palavra que temos de associar a este decreto-lei.



Deixem-se de lágrimas de crocodilo


A única pergunta que realmente me interessa ver respondida é sobre a cabeça de cada português: que dimensão precisa de ter uma tragédia para mudar o rumo de um país?

João Miguel Tavares
20 de Junho de 2017, 6:30

Pelas televisões passam jornalistas, bombeiros, políticos, engenheiros, especialistas em protecção civil, e eu sinto a falta dos antropólogos, dos psicólogos e dos neurocientistas, porque a única pergunta que realmente me interessa ver respondida é sobre a cabeça de cada português: que dimensão precisa de ter uma tragédia para mudar o rumo de um país? Quantos mortos são necessários para que se faça uma revolução na gestão da floresta? Será que a tragédia de Pedrógão foi suficientemente grande e grave para que seja enfim possível alterar as políticas de reflorestação, os métodos de prevenção e combate aos incêndios e o ordenamento de um território cada vez mais desertificado?

As perguntas sobre o que aconteceu e porque aconteceu já foram respondidas pelo PÚBLICO com um título perfeito: “O que é que falhou neste sábado? Tudo, tal como falha há décadas.” É isso mesmo. Há anos e anos sem fim que as pessoas que percebem de floresta e de combate aos incêndios andam a gastar o seu latim em estudos, livros, entrevistas e artigos, com opiniões que são hoje perfeitamente consensuais entre especialistas: um fogo daquela dimensão não se consegue apagar com meios humanos – só termina quando não houver mais combustível; os bombeiros deveriam ser forças profissionais que limpam no Inverno o que não querem que arda no Verão; no terreno deveriam existir mais pás e escavadoras e menos autotanques e mangueiras; um bom rebanho de cabras pode impedir mais fogos do que um regimento de sapadores; não se pode pedir a populações envelhecidas e empobrecidas que assumam elas a limpeza das suas florestas; é preciso alterar radicalmente a gestão do território rural. E por aí fora.

Quantas vezes já ouvimos isto? O Observador republicou há dois dias um texto de Agosto de 2016, escrito após o fogo do Funchal. Chamava-se “Porque arde Portugal?” e acabava assim: “Ficou provado que quando as coisas correm mal, correm realmente mal. Resta saber como — ou quando — será a próxima vez.” A próxima vez foi no sábado. As razões pelas quais temos tragédias cíclicas são as mesmas pelas quais temos falências cíclicas – porque somos bons a reagir (vejam-se os numerosos actos de heroísmo e a onda de solidariedade) mas péssimos a agir. E a verdade é esta: não existe capacidade reformista para fazer tudo aquilo que é preciso de forma a evitar incêndios calamitosos. Um reordenamento do território teria custos altíssimos, que nenhum político está disponível para pagar. Pior: que nenhuma população está disponível para tolerar. Porque hoje choramos os mortos de Pedrógão, mas se amanhã o governo quisesse tirar a um cidadão o pinhal abandonado que está na família há três gerações, a revolta seria imediata.

Voltemos à pergunta inicial: será que a tragédia de Pedrógão foi suficientemente grande e grave para mudar alguma coisa? A minha resposta é um rotundo “não”. Apaziguamos a alma com donativos. Vemos o presidente da República desculpar toda a gente ainda antes de saber o que aconteceu. Distribuímos afectos. Publicamos decretos. Escrevemos textos bonitos sobre dor e lágrimas. Mas após o Verão vem o Inverno e ninguém mexe uma palha. Querem respeitar os mortos de Pedrógão? Então evitem as lágrimas de crocodilo e a proclamação de grandes soluções a partir dos sofás da capital. A melhor homenagem que podemos prestar aos mortos é não fingir que a sua morte serviu para alguma coisa. Não serviu. Os fogos descontrolados vão continuar. Os mortos também.


Portugal’s ‘killer forest’

Deadly wildfire calls into question Portugal’s embrace of eucalyptus.

By           PAUL AMES        6/19/17, 9:49 PM CET Updated 6/19/17, 11:17 PM CET

A woman reacts to the devastation caused by the fire in Pampilhosa da Serra | Paulo Novais/EPA

LISBON — Before it gained global infamy as the “road of death,” Estrada National 236-1 was a bucolic drive, winding in a succession of lazy curves through the thickly wooded hills of central Portugal.

The surrounding greenery, however, brought no joy to environmentalists who have long warned that Portugal was courting disaster through decades of planting the eucalyptus trees which line that roadside and cover much of the country.

On Saturday, a lightning strike is believed to have ignited vegetation, bone dry after a drought and heat wave that pushed temperatures over 40C. Gusting crosswinds fanned the flames which roared through the forests killing at least 63 people, many trapped in their cars on EN236-1.

As the country united to come to terms with the “unprecedented tragedy” and 3,000 firefighters battled on several fronts to contain the conflagration, President Marcelo de Sousa spoke for the political class Monday when he said it was too early to debate “causes, reflection, analysis” of what might be to blame.

For many, however, it was clear the eucalyptus played a part.

 “The eucalyptus is more dangerous than other trees,” said João Branco, president of Quercus, an environmental campaign group.

“The leaves and the bark are very flammable, strips of bark hang off the trunks and are carried by the wind, spreading the flames,” Branco, a forestry engineer, added. “Large parts of the center and north of the country are almost completely covered by eucalyptus and it contributes to this type of fire.”


A native of Australia, the eucalyptus was first introduced in Europe as an ornamental plant in the 18th century. It thrived in Portugal, where the fast-growing species was later used in reforestation and to prevent erosion.

It really took off from the mid-20th century to provide raw material for the paper and paper pulp industry.

Thousands of jobs

Now the Aussie import is Portugal’s most common tree.

It covers over 900,000 hectares, a quarter of total forest land, displacing native oaks, laurels and chestnuts. Forests of the tall, slender tree fill up vast tracts of the country, from the hills around the site of this week’s disaster to lowland forests stretching southeast from Porto.

A policeman walks past burned out cars after the Portuguese wildfire | Patricia De Melo Moreira/AFP via Getty Images
A policeman walks past burned out cars after the Portuguese wildfire | Patricia De Melo Moreira/AFP via Getty Images
Aside from the fire hazard, conservationists say the eucalyptus sucks up scarce ground water, wipes out competing native species and destroys habitat for native animal life.

For decades, efforts to contain its growth ran into opposition from Portugal’s powerful paper industry lobby.

“Restricting the most important raw material of the paper industry would dramatically affect its competiveness and the country’s trade balance,” the industry body CELPA warned in response to government proposals to ban new eucalyptus plantations. “The ban would destroy thousands of forestry jobs, many in badly depressed regions.”

The industry’s concerns carry weight. From high-quality printing sheets to trendy black toilet rolls, paper exports are big for Portugal.

Last year pulp and paper accounted for 4.9 percent of all exports, worth around €3 billion. The industry employs around 3,000 people, often in rural areas.

Due to the sensitivity of the situation as the fire continued to rage, CELPA declined to respond to questions on the eucalyptus fire risk issue, but an official said privately that much of the criticism is based on “myths.”

In its April statement, the industry association dismissed claims that cutting back the eucalyptus would reduce Portugal’s wildfire risk as “erroneous and prejudiced.”

Banning new plantings will lead to more rural land being abandoned, increasing the risk of fires, it said, stating that uncultivated land represented 49 percent of territory burned in the past 15 years.

On its website, however, the industry recognizes that much of the eucalyptus forest — most of which is on private land, much of it run by small-scale producers — suffers from “insufficient levels of management, poorly adjusted density, aging and bad health” that leave it at risk from fire, pests and disease.

 “It’s become vital to promote good practice in forest management generally, and particularly for the eucalyptus,” CELPA said when it launched a “Better Eucalyptus” awareness campaign in 2015.

‘Firefighter trees’

Environmentalists agree on the importance of reversing rural depopulation and improved forest management to help reduce the bushfire risk.

However, they say, measures such as mandatory clearing of dead material from the undergrowth, wider firebreaks, or safety zones along highways and around homes must be combined with restrictions on eucalyptus.

Campaigners want “species substitution” and the planting of barriers of native species to serve as “firefighter trees” that are more resistant to fire — oak and chestnut are reputedly very effective. Most of all, they want the Socialist government to push through its proposal to limit further expansion of the eucalyptus forest.

The fire, which broke out in the Pedrogao Grande district, has killed at least 62 people and injured more than 50 | Miguel Riopa/AFP via Getty Images
The fire, which broke out in the Pedrogao Grande district, has killed at least 62 people and injured more than 50 | Miguel Riopa/AFP via Getty Images
The cabinet sent the bill to parliament in April, but Quercus and other campaign groups complain of feet dragging under pressure from the paper industry.

After this week’s disaster, pressure to move ahead will grow.

“We’ve allowed an uncontrolled invasion of eucalyptus. Even in inaccessible highlands, huge areas are occupied by a monoculture of eucalyptus that’s an ideal fuel for forest fires,” Vital Moreira, a veteran Socialist politician, wrote in his blog.

“It’s not enough to cry for the dead … We have once and for all to deal with this powder keg represented by the forest we chose to have,” he wrote. “We have to recognize that we’ve created a killer forest.”

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