Altri ameaça travar investimentos se
Portugal "demonizar" o eucalipto
Paulo Fernandes deixa aviso ao
Governo na assinatura de contratos de 125 milhões de euros na Celbi e Celtejo.
Primeiro-ministro responde com linha de financiamento para subir produtividade
na floresta de eucalipto.
Altri ameaça travar investimentos se Portugal
"demonizar" o eucalipto
António Larguesa
António Larguesa alarguesa@negocios.pt
16 de janeiro de 2017 às 14:27
Paulo Fernandes garantiu esta segunda-feira, 16 de Janeiro,
que "a Altri está disposta e comprometida a investir em Portugal",
mas avisou que "se continuarmos a tratar mal o nosso 'petróleo verde', que
é a nossa floresta, dentro da sua diversidade, será sempre mais difícil
encontrar racional para esses investimentos". "A simples proibição do
plantio de determinada espécie de árvore, neste caso o eucalipto, preferindo
que aí floresça mato, é a todos os títulos pouco recomendável", alertou.
"Não somos apologistas de monoculturas. O nosso desafio
é, sim, aumentar a produtividade na floresta de eucalipto, mas também
rentabilizar áreas abandonadas. Não comungamos é com aqueles que, sentados em
gabinetes e que não sabendo o que é a floresta, se limitam a criar obstáculos,
como se o piorar das condições de gestão na floresta aproveitasse em favor da
sociedade e do país, criticou o presidente da Altri.
Na sessão de assinatura de dois contratos no valor de 125
milhões de euros, a realizar nas fábricas da Celtejo, em Vila Velha de Ródão, e
da Celbi, na Figueira da Foz, Paulo Fernandes assinalou que estes investimentos
no sector da pasta de papel traduzem "a confiança que o grupo tem em
Portugal e mostra o seu compromisso de longo prazo em investir no país quando,
porventura, outros mercados apelam aos seus investimentos". Porém, falando
perante o primeiro-ministro, António Costa, o empresário antecipou "alguns
constrangimentos que são críticos para a produção" de pasta de papel.
"No meio de mitos e demagogias várias, demoniza-se a
floresta de eucalipto e, com ela, toda a criação de riqueza que ela
proporciona, sobretudo no espaço rural. O desenvolvimento económico não é
incompatível com a preservação da biodiversidade, muito pelo contrário. Só uma
floresta organizada, rentável, que tenha incentivos à sua renovação, conduz à
criação de riqueza e de preservação dos habitats. A alternativa é o abandono e
a substituição de floresta por mato improdutivo e que ciclicamente é objecto de
incêndios", frisou o líder do grupo Altri, empresa que partilha o núcleo
accionista e de gestão com a Cofina (dona do Negócios).
Segundo dados do Eurostat e do Global Forest Watch, Portugal
foi o único país da UE que nos últimos 25 anos reduziu a área florestal,
estimando-se que o recuo nos últimos 15 anos tenha atingido um quarto da área total.
Sustentando que não há mais eucalipto, mas apenas que o seu peso aumenta face a
uma área florestal cada vez menor, onde não se refloresta e onde as áreas de
mato são as únicas que crescem, Paulo Fernandes insistiu que "num país com
parcos recursos endógenos e com uma indústria que compara positivamente com os
mais exigentes mercados, é um crime andar à boleia de ideias velhas, mitos e
preconceitos".
Costa aponta à produtividade
Portugal importa anualmente 22% da madeira que consome, o
que representa mais de 180 milhões de euros por ano. "É um contra-senso
ter a maioria do território apto, mas que, ano após ano, tem cada vez mais
áreas improdutivas. Temos sempre escolhido deixar o território ser tomado pelo
mato, ao invés de promover novas plantações. (...) Não raras vezes procura-se
obstaculizar quem investe através de todo o tipo de entraves e normativos,
favorecendo uma realidade que a ninguém interessa sob nenhum prisma",
contestou o presidente e co-CEO do grupo Altri, que tem uma capacidade de
produção superior a um milhão de toneladas por ano, exporta 94% do que produz e
que em 2015 gerou um volume de vendas que superou os 665 milhões de euros.
Depois de ouvir estas críticas da primeira fila do auditório
improvisado, o primeiro-ministro respondeu que "o grande desafio na
plantação do eucalipto é a melhoria da produtividade média por hectare, que é
baixíssima", notando que "não são só os matos que estão ao abandono".
Melhorar a gestão, o ordenamento e as condições de exploração da própria terra
são áreas em que as empresas podem investir, avisando que a solução "não
[passa] necessariamente por aumentar a área do eucalipto".
Na mesma sessão de assinatura dos contratos, que decorreu na
fábrica da Celbi, na Figueira da Foz, e em que estiveram também os ministros
Caldeira Cabral, Capoulas Santos e o presidente da AICEP, Miguel Frasquilho,
António Costa adiantou que o Ministério da Agricultura, Florestas e
Desenvolvimento Rural vai abrir durante este ano um concurso de 18 milhões de
euros para financiar investimentos na melhoria da produtividade da área de
eucalipto, acreditando que essa medida "vai responder à procura crescente
para a produção de pasta de papel".
A Altri não é a primeira empresa a ameaçar travar
investimentos. A Navigator também já disse que os seus investimentos dependem
dos termos da nova lei para o eucalipto. A empresa, antiga Portucel, quer
conhecer os termos da nova lei para as plantações de eucalipto para decidir se
avança ou cancela os projectos que tem para Cacia e Figueira da Foz, no valor
de mais de 200 milhões de euros. Esta posição foi assumida em Novembro, quando
a empresa apresentou os resultados do terceiro trimestre.
OVOODOCORVO revisita este artigo fundamental do biólogo JORGE
PAIVA, publicado no Público em 2006
“Sempre fomos contra o crime da eucaliptização desordenada e
contínua. Fomos vilipendiados, maltratados, injuriados, fomos chamados à
Judiciária, etc. Mas sabíamos que tínhamos razão.”
Os incêndios e a desertificação do
Portugal florestal
JORGE PAIVA 23/01/2006 - 00:00
Antes da última glaciação, Portugal estava coberto por uma
floresta sempre-verde (laurisilva). Durante essa glaciação a descida drástica
da temperatura fez desaparecer quase por completo essa laurisilva, tendo sido
substituída por uma cobertura florestal semelhante à actual taiga. Após o
período glaciar, a temperatura voltou a subir, ficando o país com um clima
temperado como o actual. Assim, a floresta glaciar foi substituída por
florestas mistas (fagosilva) de árvores sempre-verdes (algumas delas relíquias
da laurisilva) e outras caducifólias, transformando o país num imenso carvalhal
caducifólio (alvarinho e negral) a norte, marcescente (cerquinho) no centro e
perenifólio (azinheira e sobreiro) para sul, com uma faixa litoral de floresta
dominada pelo pinheiro-manso e os cumes das montanhas mais frias com o
pinheiro-da-casquinha (relíquia glaciárica). Por destruição dessas florestas,
particularmente com a construção das naus (três a quatro mil carvalhos por nau)
durante os Descobrimentos (cerca de duas mil naus num século) e da cobertura do
país com vias férreas (travessas de madeira de negral ou de cerquinho para
assentar os carris), as nossas montanhas passaram a estar predominantemente
cobertas por matos de urzes ou torgas, giestas, tojos e carqueja. A partir do
século XIX, após a criação dos "Serviços Florestais", foram
artificialmente re-arborizadas com pinheiro-bravo, tendo-se criado a maior
mancha contínua de pinhal na Europa. A partir da segunda década do século XX, apesar
dos alertas ambientalistas, efectuaram-se intensas, contínuas e desordenadas
arborizações com eucalipto, tendo-se criado a maior área de eucaliptal contínuo
da Europa. Sendo o pinheiro resinoso e o eucalipto produtor de óleos
essenciais, produtos altamente inflamáveis, com pinhais e eucaliptais
contínuos, os incêndios florestais tornaram-se não só frequentes, como também
incontroláveis. Desta maneira, o nosso país tem já algumas montanhas
transformadas em zonas desérticas.
Sempre fomos contra o crime da eucaliptização desordenada e
contínua. Fomos vilipendiados, maltratados, injuriados, fomos chamados à
Judiciária, etc. Mas sabíamos que tínhamos razão. Infelizmente não vemos nenhum
dos que defenderam sempre essa eucaliptização vir agora assumir as culpas
destes "piroverões" que passámos a ter e que, infelizmente, vamos
continuar a ter. Também sempre fomos contra o delapidar, por sucessivos
Governos, dos Serviços Florestais (quase acabaram com os guardas florestais).
Isso e o êxodo rural (os eucaliptos são cortados de 10 em 10 anos e o povo não
fica 10 anos a olhar para as árvores em crescimento tendo, por isso, sido
"forçado" a abandonar as montanhas e a ficar numa dependência
económica monopolista, que "controla" o preço da madeira a seu belo prazer)
tiveram como resultado a desumanização das nossas montanhas pelo que, mal um
incêndio florestal eclode, não está lá ninguém para acudir de imediato e,
quando se dá por ele, já vai devastador e incontrolável.
Infelizmente vamos continuar a ter "piroverões"
por mais aviões "bombeiros" que comprem ou aluguem. Isto porque,
entre essas medidas, não estão as duas que são fundamentais, as que poderiam
travar esta onda de incêndios devastadores que nos tem assolado nas últimas
décadas. Uma, é a re-humanização das montanhas, que pode ser feita com pessoal
desempregado que, depois de ter frequentado curtos "cursos de
formação" durante o Inverno, iria vigiar as montanhas, percorrendo áreas
adequadas durante a Primavera e Verão. A outra medida fundamental seria, após
os incêndios, arrancar logo a toiça dos eucaliptos e replantar a área com
arborização devidamente ordenada. Isto porque os eucaliptos rebentam de toiça
logo a seguir ao fogo, renovando-se a área eucaliptada em meia dúzia de anos,
sem grande utilidade até porque o diâmetro da ramada de toiça não é rentável
para as celuloses. Mas como tal não se faz, essa mesma área de eucaliptal torna
a arder poucos anos após o primeiro incêndio e assim sucessivamente. Muitas
vezes, essas mesmas áreas são também invadidas por acácias ou mimosas, bastando
para tal que exista um acacial nas proximidades ou nas bermas das rodovias,
pois as sementes das acácias são resistentes aos fogos e o vento ajuda a
dispersá-las por serem muito leves. As acácias, como são heliófitas (plantas
"amigas" do Sol), e não havendo sombra de outras árvores após os
incêndios, crescem depressa aproveitando a luminosidade e ocupando aquele nicho
ecológico antes das outras espécies se desenvolverem.
Mas como vivemos numa sociedade cuja preocupação
predominante é produzir cada vez mais, com maior rapidez e o mais barato
possível, as medidas propostas são economicamente inviáveis por duas razões:
primeiro, porque é preciso pagar aos vigilantes e respectivos formadores;
segundo, porque arrancar a toiça dos eucaliptos é muito dispendioso (custa o
correspondente ao lucro da venda de três cortes, isto é, o lucro de 30 anos). É
bom também elucidar que os eucaliptais só são lucrativos até ao terceiro corte
(30 anos). Depois disso, estão a abandoná-los, o que os torna um autêntico "rastilho"
ou, melhor, um terrível "barril de pólvora", áreas onde os seus óleos
essenciais, por vaporização ao calor, são explosivos e, quando a madeira do
eucalipto começa a arder, provocam a explosão dos troncos e respectiva ramada,
lançando ramos incandescentes a grande distância. Este "fenómeno" tem
sido bem visível nos nossos "piroverões".
Por outro lado, pelo menos uma destas medidas (arranque da
toiça e re-arborização ordenada) não tem resultados imediatos mas a longo
prazo. Por isso os governantes não estão interessados na aplicação dessas
medidas, pois interessa-lhes mais resultados imediatos (as eleições são de
quatro em quatro anos...) do que de longo prazo.
Assim, sem resultados imediatamente visíveis e com uma
despesa tão elevada, os governos nunca vão adoptar tais medidas. Preferem
gestos por vezes caricatos, como distribuir telemóveis aos pastores, mas que
nunca não acabarão com os "piroverões".
Finalmente, após a referida delapidação técnica e funcional
dos Serviços Florestais (antigamente, os incêndios florestais eram quase sempre
apagados logo no início e apenas pelo pessoal e tecnologia dos Serviços
Florestais), esqueceram-se da conveniente profissionalização e apetrechamento
dos bombeiros, melhor adaptados a incêndios urbanos.
Se os nossos governantes continuarem, teimosamente, a não
querer ver claramente o que está a acontecer, caminharemos rapidamente para um
amplo deserto montanhoso, com a planície, os vales e o litoral transformados
num imenso acacial, tal como já acontece em vastas áreas de Portugal. Biólogo
Tirar a floresta das mãos do
eucalipto
As condições para a existência de
tragédias como Pedrógão Grande não se repetirão só nos próximos verões:
repetir-se-ão já este verão.
JOÃO CAMARGO
19 de Junho de 2017, 19:41
Estavam 40ºC ao fim da tarde em Lisboa. Em Santarém, o
termómetro batia nos 45ºC. Ao mesmo tempo, em Pedrógão Grande, estavam 41ºC, e
ventos fortes e irregulares. Parece que os incêndios entre o Norte do Alentejo
e Coimbra tinham começado muito mais cedo, provocados por invulgares trovoadas
secas. A Sul do país e em Lisboa tinha mesmo chovido, e, com um calor infernal
e gotas grossas caindo, poderia dizer-se que estávamos bastante a sul, num
clima tropical. No site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera dizia
“Estamos fora do período crítico até 30 de Junho” em relação ao risco de
incêndio, o que é o velho “normal”. No ano passado, na Madeira, em Agosto, com
um clima bem mais húmido mas não menos quente, os incêndios florestais chegaram
à noite à cidade do Funchal e também colheram vidas à sua passagem. Qual será o
“novo normal” do clima onde vivemos? Ainda estamos a descobrir.
Mas, e o velho clima? Por que é que Portugal arde tanto mais
que os restantes países mediterrânicos? O clima da zona mediterrânica é, de
facto, propício à ocorrência de incêndios florestais no verão, fenómeno natural
e ao qual a nossa flora e fauna (incluindo a humana) estavam adaptados. Ora, as
últimas décadas viram um aumento da ocorrência de incêndios florestais, de área
ardida e de ignições em Portugal. Um aumento que não foi acompanhado pelos
nossos vizinhos de clima: Espanha, Grécia, Itália, Marrocos, Argélia. Em 1980,
Portugal teve um registo de 2349 ocorrências de incêndios florestais e uma área
ardida de 44 mil hectares. Em 2016, ano de baixas ocorrências, Portugal teve um
registo de 13.079 e uma área ardida de 160 mil hectares. Em média passámos de
73 mil hectares de área ardida por ano na década de 80 para 150 mil hectares de
área ardida por ano na década de 2000. O que mudou?
Além do clima, mudou o abandono rural e florestal, que
explodiu e foi alimentado e explorado pela expansão descontrolada das
plantações industriais de eucalipto e pela pequena plantação desordenada de
eucalipto e pinheiro. Com o abandono, Portugal passou a ter uma floresta de
matos, acácias, mimosas e eucaliptos para abastecer as fábricas da agora
Navigator Company (ex-Portucel), da Altri, da Europac&Kraft e da Renova. E
querem mais, como nos recordaram há menos de um ano atrás, que “Portugal devia
estar orgulhoso de ter o eucalipto”. Nunca referem que somos o país com a maior
área relativa do planeta. Nem Austrália, nem China, nem Brasil, mas Portugal.
Mais de 9% de toda a área do país.
Não é uma novidade que o clima vai ficar mais quente. Além
disso vai ficar menos húmido, o que significa que as condições para a
existência de tragédias como Pedrógão Grande não só se repetirão nos próximos
verões: repetir-se-ão ainda este verão. E os verões, que fruto das alterações
climáticas podem perfeitamente começar em Maio e terminar em Outubro, farão com
que o “período crítico” de incêndios passe de três meses a seis. Aliás, só
entre 1 de Janeiro e 12 de Abril deste ano, Portugal já tinha registado 2900
incêndios florestais. A natureza do Eucalyptus globulus é que não vai mudar, o
facto de ser altamente inflamável, de se incendiar rapidamente e de projectar
cascas incandescentes a mais de dois quilómetros de distância também não.
O nome das coisas: o Decreto-Lei nº
96/2013 é a "Lei do Eucalipto Livre"
JOÃO CAMARGO
27.11.2013 às 15h18
Esta lei simplifica plantações de eucaliptos, mas complica a
plantação de espécies florestais autóctones como o sobreiro, o castanheiro, o
carvalho ou a azinheira
Na imagem: Produção de Eucaliptos no viveiro de Espirra, o
maior viveiro de plantas florestais da Europa. Esta unidade dos Viveiro
Aliança, do grupo Portucel Soporcel, tem capacidade para criar 6 milhões de
plantas de eucalipto
A onomástica é o estudo explicativo dos nomes. Nos dias em
que vemos o significado das palavras perder-se, em que os nomes se vão
desligando do que significam, é importante realizar exercícios de onomástica
para chamar as coisas pelos seus nomes.
Por estes dias discutiu-se no Parlamento, na Comissão de
Agricultura e Mar, o Decreto-Lei nº 96/2013, de 19 de Julho. Para aumentar a confusão
que este número de série produz na cabeça das pessoas, não tem sequer um
subtítulo. Discutido anteriormente como Regime das Acções de Arborização e
Rearborização, seria difícil explicar o que ele faz através deste subtítulo.
Mais difícil ainda é explicar que a única importância decisiva e histórica
deste decreto é liberalizar a plantação de eucaliptos, pelo que o seu nome
verdadeiro não poderia ser outro que não "Lei do Eucalipto Livre".
Nesta Comissão Parlamentar estiveram várias organizações: de
produtores, de académicos, ambientalistas, de cooperativas, e até empresas como
a Portucel e a Altri. Algumas das entidades presentes afirmaram que esta lei
não era sobre o eucalipto, como defendeu o próprio Secretário de Estado das
Florestas, mais que uma vez, dizendo que o decreto visava apenas acabar com a
burocracia na floresta.
Mas a "Lei do Eucalipto Livre" tem exclusivamente
que ver com eucaliptos e com a liberalização da sua plantação. Senão vejamos:
esta lei simplifica plantações de eucaliptos, mas complica a plantação de
espécies florestais autóctones como o sobreiro, o castanheiro, o carvalho ou a
azinheira, que passa a ter que ser comunicada. Que simplificação da burocracia
é esta, quando passa a ter que ser comunicada, por exemplo, a plantação de
sobreiros no meio do montado alentejano ou de carvalhos no Douro?
Os autores e os defensores desta lei afirmam que ela deixa
de discriminar o eucalipto em relação às outras árvores. Discriminar? A espécie
predominante da floresta portuguesa é uma espécie discriminada? Alguém pode
defender que uma espécie plantada em 812 mil hectares, 8,9% da área do país, é
uma espécie atacada? Afirmam ainda que esta lei não liberaliza a plantação de
eucaliptos, uma vez que a comunicação prévia, que é um deferimento tácito à
plantação de eucaliptos, apenas se aplica a áreas arborizadas abaixo dos 2
hectares. Mas se observarmos objetivamente que mais de 80% das propriedades
florestais do país têm menos de 2 hectares de área ou que o prédio rústico tem
em média de 0,5 a 1,2 hectares, podemos concluir que há um deferimento tácito
para plantação de mais de 80% das propriedades florestais do país com
eucalipto.
É nas áreas de plantação de eucalipto e pinheiro
desordenadas, como aquelas que esta lei criará em grandes e contínuas
extensões, que o país mais arde, ano após ano. São estas áreas que a "Lei
do Eucalipto Livre" pretende continuar a expandir, entregando a floresta
portuguesa nas mãos da fileira da celulose, que não quer ter nenhuma
responsabilidade pela floresta e pela sua manutenção, ordenamento ou
equilíbrio, mas apenas a possibilidade de extração máxima de madeira produzida
pelos milhares de pequenos proprietários que arcarão com todo o risco.
O relatório mais recente do Painel Intergovernamental para
as Alterações Climáticas aponta uma subida de temperatura global em cerca de
4,8ºC. Para a Península Ibérica, este valor chega a uma previsão máxima de
aumento de 10ºC, sendo a previsão mínima de 1,5ºC no Verão. Com uma área de
eucaliptal desordenado em expansão, uma das maiores do mundo, as consequências
são claras, e por isso a "Lei do Eucalipto Livre" é também a
"Lei do Incêndio Livre".
A "Lei do Eucalipto Livre" está neste momento em
apreciação parlamentar na Assembleia da República. Esta é a altura de
participarmos e de nos manifestarmos acerca da mesma. É altura de contactarmos
os representantes eleitos e em particular a Comissão de Agricultura e Mar, que
é a primeira responsável pelo parecer que será transmitido ao Plenário do
Parlamento sobre esta lei. É altura de contactarmos os deputados e deputadas
dos vários grupos parlamentares: Vasco Cunha, Jorge Fão, Abel Baptista, Mário
Simões, Isabel Santos, Manuel Isaac, João Ramos, Helena Pinto, José Luís
Ferreira, Cristóvão Norte, Fernando Marques, Luís Pedro Pimentel, Maria José
Moreno, Nuno Serra, Pedro Alves, Pedro do Ó Ramos, Pedro Lynce, Ulisses
Pereira, Fernando Jesus, Glória Araújo, Miguel Freitas, Renato Sampaio e Rosa
Maria Bastos Albernaz. Porque é importante que nos lembremos não apenas do nome
das coisas, mas também do nome das pessoas. Perante uma lei que tem um impacte
histórico desta dimensão, é importante darmos os nomes certos às pessoas e às
leis. Contactem os deputados da Comissão através do site da Assembleia da
República, neste link: http://www.parlamento.pt/sites/COM/XIILEG/7CAM/Paginas/Composicao.aspx.
Se esta lei for revogada, não será a garantia de que no
futuro tudo correrá melhor. Se esta lei não for revogada, temos a garantia de
que no futuro, na nossa floresta e no nosso território as coisas correrão
bastante pior. Se ela seguir avante, poderemos prever para o ano de 2113
importantes alterações onomásticas, e provavelmente os nomes Silva, Pinheiro ou
Carvalho terão perdido todo o significado. Talvez na aldeia de Eucaliptal de
Cima, o Sr. Eucalipto se venha a casar com a Dona Fogo para tentar emigrar para
o grande Deserto do Sul. Não temos tempo a perder com confusões linguísticas.
Revogar é a única palavra que temos de associar a este
decreto-lei.
Deixem-se de lágrimas de crocodilo
A única pergunta que realmente me
interessa ver respondida é sobre a cabeça de cada português: que dimensão
precisa de ter uma tragédia para mudar o rumo de um país?
João Miguel Tavares
20 de Junho de 2017, 6:30
Pelas televisões passam jornalistas, bombeiros, políticos,
engenheiros, especialistas em protecção civil, e eu sinto a falta dos
antropólogos, dos psicólogos e dos neurocientistas, porque a única pergunta que
realmente me interessa ver respondida é sobre a cabeça de cada português: que
dimensão precisa de ter uma tragédia para mudar o rumo de um país? Quantos
mortos são necessários para que se faça uma revolução na gestão da floresta?
Será que a tragédia de Pedrógão foi suficientemente grande e grave para que
seja enfim possível alterar as políticas de reflorestação, os métodos de
prevenção e combate aos incêndios e o ordenamento de um território cada vez
mais desertificado?
As perguntas sobre o que aconteceu e porque aconteceu já
foram respondidas pelo PÚBLICO com um título perfeito: “O que é que falhou
neste sábado? Tudo, tal como falha há décadas.” É isso mesmo. Há anos e anos
sem fim que as pessoas que percebem de floresta e de combate aos incêndios
andam a gastar o seu latim em estudos, livros, entrevistas e artigos, com
opiniões que são hoje perfeitamente consensuais entre especialistas: um fogo
daquela dimensão não se consegue apagar com meios humanos – só termina quando
não houver mais combustível; os bombeiros deveriam ser forças profissionais que
limpam no Inverno o que não querem que arda no Verão; no terreno deveriam
existir mais pás e escavadoras e menos autotanques e mangueiras; um bom rebanho
de cabras pode impedir mais fogos do que um regimento de sapadores; não se pode
pedir a populações envelhecidas e empobrecidas que assumam elas a limpeza das
suas florestas; é preciso alterar radicalmente a gestão do território rural. E
por aí fora.
Quantas vezes já ouvimos isto? O Observador republicou há
dois dias um texto de Agosto de 2016, escrito após o fogo do Funchal.
Chamava-se “Porque arde Portugal?” e acabava assim: “Ficou provado que quando
as coisas correm mal, correm realmente mal. Resta saber como — ou quando — será
a próxima vez.” A próxima vez foi no sábado. As razões pelas quais temos tragédias
cíclicas são as mesmas pelas quais temos falências cíclicas – porque somos bons
a reagir (vejam-se os numerosos actos de heroísmo e a onda de solidariedade)
mas péssimos a agir. E a verdade é esta: não existe capacidade reformista para
fazer tudo aquilo que é preciso de forma a evitar incêndios calamitosos. Um
reordenamento do território teria custos altíssimos, que nenhum político está
disponível para pagar. Pior: que nenhuma população está disponível para
tolerar. Porque hoje choramos os mortos de Pedrógão, mas se amanhã o governo
quisesse tirar a um cidadão o pinhal abandonado que está na família há três
gerações, a revolta seria imediata.
Voltemos à pergunta inicial: será que a tragédia de Pedrógão
foi suficientemente grande e grave para mudar alguma coisa? A minha resposta é
um rotundo “não”. Apaziguamos a alma com donativos. Vemos o presidente da
República desculpar toda a gente ainda antes de saber o que aconteceu.
Distribuímos afectos. Publicamos decretos. Escrevemos textos bonitos sobre dor
e lágrimas. Mas após o Verão vem o Inverno e ninguém mexe uma palha. Querem
respeitar os mortos de Pedrógão? Então evitem as lágrimas de crocodilo e a
proclamação de grandes soluções a partir dos sofás da capital. A melhor
homenagem que podemos prestar aos mortos é não fingir que a sua morte serviu
para alguma coisa. Não serviu. Os fogos descontrolados vão continuar. Os mortos
também.
Portugal’s ‘killer forest’
Deadly wildfire calls into question
Portugal’s embrace of eucalyptus.
By PAUL AMES 6/19/17, 9:49 PM CET Updated 6/19/17,
11:17 PM CET
A woman reacts to the devastation caused by the fire in Pampilhosa
da Serra | Paulo Novais/EPA
LISBON — Before it gained global infamy as the “road of
death,” Estrada National 236-1 was a bucolic drive, winding in a succession of
lazy curves through the thickly wooded hills of central Portugal.
The surrounding greenery, however, brought no joy to
environmentalists who have long warned that Portugal was courting disaster
through decades of planting the eucalyptus trees which line that roadside and
cover much of the country.
On Saturday, a lightning strike is believed to have ignited
vegetation, bone dry after a drought and heat wave that pushed temperatures
over 40C. Gusting crosswinds fanned the flames which roared through the forests
killing at least 63 people, many trapped in their cars on EN236-1.
As the country united to come to terms with the
“unprecedented tragedy” and 3,000 firefighters battled on several fronts to
contain the conflagration, President Marcelo de Sousa spoke for the political
class Monday when he said it was too early to debate “causes, reflection,
analysis” of what might be to blame.
For many, however, it was clear the eucalyptus played a
part.
“The eucalyptus is
more dangerous than other trees,” said João Branco, president of Quercus, an
environmental campaign group.
“The leaves and the bark are very flammable, strips of bark
hang off the trunks and are carried by the wind, spreading the flames,” Branco,
a forestry engineer, added. “Large parts of the center and north of the country
are almost completely covered by eucalyptus and it contributes to this type of
fire.”
A native of Australia, the eucalyptus was first introduced
in Europe as an ornamental plant in the 18th century. It thrived in Portugal,
where the fast-growing species was later used in reforestation and to prevent
erosion.
It really took off from the mid-20th century to provide raw
material for the paper and paper pulp industry.
Thousands of jobs
Now the Aussie import is Portugal’s most common tree.
It covers over 900,000 hectares, a quarter of total forest
land, displacing native oaks, laurels and chestnuts. Forests of the tall,
slender tree fill up vast tracts of the country, from the hills around the site
of this week’s disaster to lowland forests stretching southeast from Porto.
A policeman walks past burned out cars after the Portuguese
wildfire | Patricia De Melo Moreira/AFP via Getty Images
A policeman walks past burned out cars after the Portuguese
wildfire | Patricia De Melo Moreira/AFP via Getty Images
Aside from the fire hazard, conservationists say the
eucalyptus sucks up scarce ground water, wipes out competing native species and
destroys habitat for native animal life.
For decades, efforts to contain its growth ran into
opposition from Portugal’s powerful paper industry lobby.
“Restricting the most important raw material of the paper
industry would dramatically affect its competiveness and the country’s trade
balance,” the industry body CELPA warned in response to government proposals to
ban new eucalyptus plantations. “The ban would destroy thousands of forestry
jobs, many in badly depressed regions.”
The industry’s concerns carry weight. From high-quality
printing sheets to trendy black toilet rolls, paper exports are big for
Portugal.
Last year pulp and paper accounted for 4.9 percent of all
exports, worth around €3 billion. The industry employs around 3,000 people,
often in rural areas.
Due to the sensitivity of the situation as the fire
continued to rage, CELPA declined to respond to questions on the eucalyptus
fire risk issue, but an official said privately that much of the criticism is
based on “myths.”
In its April statement, the industry association dismissed
claims that cutting back the eucalyptus would reduce Portugal’s wildfire risk
as “erroneous and prejudiced.”
Banning new plantings will lead to more rural land being
abandoned, increasing the risk of fires, it said, stating that uncultivated
land represented 49 percent of territory burned in the past 15 years.
On its website, however, the industry recognizes that much
of the eucalyptus forest — most of which is on private land, much of it run by
small-scale producers — suffers from “insufficient levels of management, poorly
adjusted density, aging and bad health” that leave it at risk from fire, pests
and disease.
“It’s become vital to
promote good practice in forest management generally, and particularly for the
eucalyptus,” CELPA said when it launched a “Better Eucalyptus” awareness
campaign in 2015.
‘Firefighter trees’
Environmentalists agree on the importance of reversing rural
depopulation and improved forest management to help reduce the bushfire risk.
However, they say, measures such as mandatory clearing of
dead material from the undergrowth, wider firebreaks, or safety zones along
highways and around homes must be combined with restrictions on eucalyptus.
Campaigners want “species substitution” and the planting of
barriers of native species to serve as “firefighter trees” that are more
resistant to fire — oak and chestnut are reputedly very effective. Most of all,
they want the Socialist government to push through its proposal to limit
further expansion of the eucalyptus forest.
The fire, which broke out in the Pedrogao Grande district,
has killed at least 62 people and injured more than 50 | Miguel Riopa/AFP via
Getty Images
The fire, which broke out in the Pedrogao Grande district,
has killed at least 62 people and injured more than 50 | Miguel Riopa/AFP via
Getty Images
The cabinet sent the bill to parliament in April, but
Quercus and other campaign groups complain of feet dragging under pressure from
the paper industry.
After this week’s disaster, pressure to move ahead will
grow.
“We’ve allowed an uncontrolled invasion of eucalyptus. Even
in inaccessible highlands, huge areas are occupied by a monoculture of
eucalyptus that’s an ideal fuel for forest fires,” Vital Moreira, a veteran
Socialist politician, wrote in his blog.
“It’s not enough to cry for the dead … We have once and for
all to deal with this powder keg represented by the forest we chose to have,”
he wrote. “We have to recognize that we’ve created a killer forest.”
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