A economia política dos fogos
RAQUEL VARELA
Posted on June 20, 2017
Estava há 2 dias com uma dúvida – algo se passava que eu não
compreendia, um puzzle a que faltavam peças. A pergunta que estava na minha
cabeça é porque é que o Presidente da Liga dos Bombeiros, que disse as coisas
mais irresponsáveis e panfletárias que alguém pode dizer nesta situação foi
entrevistado 100 vezes mais do que os especialistas em fogos florestais com 60
anos de trabalho acumulado.
Quero recordar-vos que Jaime Marta Soares em cima de um fogo
fora de controlo a meio da noite deu declarações em directo aos jornalistas a
dizer que “tinha os meios necessários” e que as pessoas quando foram para
aquela estrada certamente pensavam que o fogo estava a kms e «inadvertidamente,
olhando a distância a que estaria o fogo» – contínuo a citar – não tiveram “a
serenidade, o sangue frio, para fugir a essa situação”. Hoje sabe-se que as
pessoas estavam a fugir não de um fogo a kms mas das suas casas a arder, onde
os bombeiros, dele, não conseguiram sequer chegar. Desconfia-se de pior –
algumas teriam sido direccionadas para aquela estrada pela GNR. Coloco no
condicional a questão da estrada porque ao contrário de M.S. aguardo o
inquérito. Ele não, ele fez o balanço da sua actuação em directo, qual
presidente do clube de futebol local. Tem sido juiz em causa própria – não há
em Portugal uma entidade independente que fiscalize a sua actuação, mas nem era
preciso porque ele em directo, no local, no meio da catástrofe fez análises,
tirou conclusões, e os jornalistas publicaram-nas. É o mesmo que eu dar nota 20
aos meus alunos sem ter olhado sequer para as teses. Esta passagem de M.S. a
Deus é certamente influenciada pela ideia de que bombeiros não são políticos,
ainda que o cargo de M.S. seja esse – presidente de uma Liga de Corporações que
eu não faço ideia (os jornalistas fazem?) como funciona, quem representa, quem
votou nele, se é por voto, nada. M.S. foi o homem que anunciou ao país, também
na hora – contra a opinião dos meteorologistas e silvicultores, com cargos e
doutoramentos – que tudo aconteceu por uma situação “inédita e imprevisível”. A
tal que todos, sem excepção, que trabalham na área previram.
Hoje fui andar a pé, um par de horas, sozinha para pensar
nesta questão – como uma Liga de Bombeiros ganhou este poder? Estamos na mão de
um dirigente de colectividades que do alto da sua sabedoria fez saber ao país,
em directo, tudo o que tinha acontecido, ainda estava a acontecer. E nada
aconteceu como disse.
Penalizo-me por ter levado dois dias a compreender. Há uma
economia do fogo – tantos o disseram e bem. Mas o que significa isso? Significa
que o dinheiro é canalizado para o combate e não para a prevenção. Muitos o
escreveram já. Mas o que significa isto realmente? Significa que se o nosso
dinheiro de impostos é gasto na prevenção em guardas florestais esse dinheiro é
usado em salário, força de trabalho, não tem, para além do consumo do
trabalhador (casa, comida, roupa) nenhum impacto na economia que implique
produção de lucro. Ele vai trabalhar com o cérebro e os olhos e uns binóculos.
Mas são precisos muitos, ou alguns, espalhados. Mas, se o dinheiro é gasto no
combate ele é massivamente usado em compra de carros de combate,
equipamentos/roupas complexos, aviões, importações – adivinho alemãs – e ao que
parece 500 milhões para um sistema de comunicações…que falhou. Dizem que há
redundância dos equipamentos mas as pessoas estiveram quase 24 horas na aldeias
sem conseguir ligar a ninguém, dependentes de um vulgar telemóvel que custa 80
euros. O paralelo com a saúde é evidente, há uma economia política da doença –
se a pessoa for ao médico e aprender a alimentar-se e tiver um salário decente
come bem; se ficar obesa vai mobilizar 1/6 do orçamento do SNS para medicação e
afins para os diabetes. A «conversa» do médico ou do enfermeiro não dá lucro a
ninguém, é um serviço, com custos exclusivos em força de trabalho. A diabetes porém
é uma das mais lucrativas áreas de tratamento do mundo.
Espero não ter que repetir depois deste artigo o óbvio. O
fogo não é causado por bombeiros, mas pelas razões que todos já apontaram estes
dias de ordenamento da floresta. Os bombeiros são heróis. Necessários, deviam
ter salários decentes e ser profissionalizados e respeitados porque ganham –
cito um bombeiro numa carta aberta a Marta Soares – o mesmo num dia a trabalhar
que um bombeiro alemão 1 hora de prevenção. Mas estava na hora de perguntar a
muitos destes heróis se não aceitam ter formação e ser guardas florestais.
Estava na hora de termos uma economia política das pessoas. A Marta Soares
lamento mas do que assisti nestes dias não tenho palavra alguma de alento para
lhe dar – num país a sério já estava demitido. Como estamos numa nação em
decadência está ao lado da Ministra a dar conferências de imprensa, a tal ponto
que às vezes me pergunto se a Ministra é que é assessora de Marta Soares.
António Costa tem passado por tudo isto com a inteligência
que passa desde que tomou poder – pede calma, não tira conclusões, diz que não
sabe o que se passou, e deixa que todos falem por si e digam asneiras, quanto
ele é um sereno – e discreto – PM de um país em ansiedade profunda. Costa
inventou a forma de fazer política: é preciso que não falem de mim.
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