O que é que as alterações climáticas
fizeram a Portugal?
Os efeitos das mudanças do clima são
evidentes em zonas como Árctico, Antárctida ou África. Mas também já há muita
coisa que mudou em Portugal.
ANDREA CUNHA FREITAS 2 de Junho de 2017, 7:30
Enquanto se discute sobre quem fica fora e dentro do Acordo
de Paris, o mundo aquece, o Árctico derrete e a Antárctida fica um bocadinho
mais verde. Não são projecções ou especulações, são constatações que estão em
relatórios de cientistas que continuam a medir os efeitos das alterações
climáticas no planeta Terra. E Portugal? Há muitas coisas que já mudaram à
nossa volta.
Já reparou que há sobreiros e azinheiras a morrer no
Alentejo? Que as ondas de calor se tornaram mais frequentes? Que a floresta de
Portugal está a diminuir, consumida pelos incêndios? Que a chuva já não cai
como antes? Que os Invernos estão mais curtos? Que os mosquitos da febre de
dengue encontraram condições para espalhar um surto na ilha da Madeira? Que,
devagarinho, acontece uma subida do nível do mar? São apenas alguns dos efeitos
das mudanças climáticas em Portugal.
A lista de fenómenos, mais ou menos visíveis, registados em
Portugal que resultam das alterações climática é longa. Filipe Duarte Santos,
especialista em alterações climáticas da Faculdade de Ciências da Universidade
de Lisboa e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento
Sustentável (CNADS), destaca a diminuição da precipitação, acompanhada de uma
mudança do seu regime.
“A diminuição traduz-se, se fizermos uma média por década a
partir de 1960, em 40 milímetros por década no Sul de Portugal. Ou seja, em 56
anos, estamos a falar de mais 200 milímetros, o que é muito significativo”,
especifica o físico, referindo-se a dados da Agência Europeia do Ambiente (EEA,
na sigla em inglês). O problema, diz o especialista, não é exclusivo de
Portugal e abarca toda a Península Ibérica onde, segundo os mesmos dados da
EEA, a precipitação anual diminuiu até um máximo de 90 milímetros por década,
desde 1960.
Infelizmente, este mau indicador parece manter a sua
tendência. “Este ano é mais um exemplo disso. Estamos a ter uma precipitação
reduzida, relativamente à média de há 60 ou 70 anos. Isto tem impactos muito
significativos na agricultura e também no montado”, avisa. Por outro lado,
nota, também se percebe que o padrão da chuva mudou e que, quando realmente
chove, chove muito e durante pouco tempo. O que, entre outros efeitos,
significa muitas vezes cidades inundadas por cheias.
Nas cidades sentem-se as cheias mas não a falta da chuva
que, aliás, (quando cai) incomoda muita gente. “As pessoas que vivem na cidade
não notam a diminuição da precipitação, abrem a torneira e têm água e de
qualidade. A chuva é uma chatice”, reconhece Filipe Duarte Santos, que
acrescenta que “é muito diferente quando se é um agricultor no interior do
país”. É preciso enfrentar este problema e planear uma resposta, sem esquecer
que a solução tem de ser discutida com os nossos vizinhos espanhóis com quem
partilhamos recursos importantes para nos adaptarmos a estes desafios,
recomenda o físico.
Um altifalante no Árctico
“Por outro lado, temos as ondas de calor”, continua Filipe
Duarte Santos. Apesar de considerar que Portugal se tem adaptado bem a este fenómeno,
com um programa de alerta dirigido à população, chamado Ícaro e que é da
responsabilidade da Direcção-Geral da Saúde, o físico lembra que as ondas de
calor são hoje mais frequentes. E há mais: “Também temos a questão dos fogos
florestais. Com temperaturas mais altas e menor precipitação, o risco de
incêndio florestal aumenta. Portugal é o único país do Sul da Europa em que a
área florestal está a diminuir, por causa dos incêndios”, assinala.
A privilegiada localização deste cantinho da Europa à
beira-mar também tem desvantagens. “Há ainda a subida do nível do mar”,
acrescenta Filipe Duarte Santos, que confirma que as projecções mais extremas
apontam para uma subida média de um metro em 2100.
O investigador também foi o coordenador geral do
ClimAdaPT.Local, um projecto para capacitar os municípios para as adaptações às
alterações climáticas e ensiná-los a definir estratégias de adaptação. A
verdade é que, para já, as mudanças do clima não afectam muito o dia-a-dia da
maioria da população portuguesa. “Os problemas nos países desenvolvidos são
mais facilmente resolvidos porque temos situações económicas mais favoráveis.
Mas se pensar no Sahel, em África, no Mali, na República Centro Africana, na
Nigéria, na Etiópia, na Somália, o que se está a passar é dramático! Eles
também estão a ter secas mais frequentes mas não têm condições para se adaptar,
se a agricultura falha as pessoas têm fome.”
Os problemas em África não parecem ter uma voz mediática mas
há um “grito” que se ouve desde o Árctico, que nos últimos anos registou
temperaturas invulgarmente elevadas e uma perda de gelo marítimo recorde. “O
Árctico e a Antárctica, mas sobretudo o Árctico, são uma espécie de altifalante
das alterações climáticas. É uma coisa completamente evidente e é por isso que
os senhores decisores políticos vão visitar o Árctico para verem com os seus
olhos que realmente há qualquer coisa que está a mudar profundamente no nosso
planeta.”
Se fosse possível viajar no tempo e espreitar o futuro de
Portugal em 2100, numa viagem maldita em que tudo corresse mal, veríamos um
país sem montado, sem sobreiros e azinheiras. É apenas um exemplo. “Se não se
cumprir o Acordo de Paris, o futuro do Sul de Portugal e de Espanha apresenta
uma grande tendência para a desertificação. Se em Portugal tivermos um aumento
de temperatura média global superior a dois graus Celsius até ao fim do século,
o ecossistema do montado do Sul dificilmente resiste”, admite Filipe Duarte
Santos. Por isso, conclui, a decisão de Donald Trump retirar os EUA do Acordo
de Paris é “egoísta”. “Está a defender os interesses das grandes companhias e
do lobby dos combustíveis fósseis, mas os países mais vulneráveis – e Portugal
é vulnerável no contexto europeu mas há muitos outros países numa situação
bastante mais vulnerável –, vão sofrer com isso.”
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